Próximo Ato 2009 – Segundo dia

Blog   |       |    5 de novembro de 2009    |    0 comentários

Hoje meu maior esforço é para copiar direitinho os nomes dos palestrantes deste segundo dia de Próximo Ato. Lá vai: Óscar Cornago (convidado espanhol pela segunda vez no evento) e Eduardo Losicer (convidado argentino quase-brasileiro).

Eduardo Losicer_Óscar Corgango_Próximo Ato 2009_foto Cia de Foto

Bem, escritos os nomes corretos, vamos ao corre-corre do dia. As atividades começaram às 10h30 da manhã no CCSP e só terminaram por volta das 22h, com o encerramento da palestra no Itaú Cultural, desta vez sem coquetel. O dia foi repleto e cansativo, sobretudo nas atividades orientadas por Eleonora Fabião no CCSP. Nem o almoço foi livre de propostas. Mas essa parte de jogos, encontros, pessoas peladas e performances é um assunto para amanhã, pois haverá ainda mais um dia para finalização dessa etapa do encontro.

Cada um na sua, mas com algumas coisas em comum

Vamos, então, à difícil palestra da noite. “Enfrentamos” dois palestrantes complexos – um que fazia muitas digressões e outros que só lia um texto. Mas há o que se aproveitar deles, acredite.

Óscar Corgango_Próximo Ato 2009_foto1 Cia de Foto

Óscar foi bem longe em sua reflexão e fez inúmeras citações, mas, para um relato simplificado feito de madrugada vou ficar com uma relação simples, mas extremamente reveladora que ele propõe entre três dimensões de uma obra que seriam, a grosso modo: tipo de obra; organização interna do grupo que a produz; comunicação do grupo com o público. Para ele, cada dimensão influencia em todas as outras. Como exemplo, nosso amigo, um dos recordistas de filas sesquianas, Bob Wilson. Óscar conta que vê a direção realizada por Bob como um trabalho muito distante – a galera toca os ensaios e ele de vez enquando aparece pra dar umas dicas – de modo que o tipo de obra criado e a comunicação desta obra com o público revelam essa maneira de organização/ produção, ou seja, o resultado é distante.

Algumas questões sobre identidade e contemporaneidade

Após duas perguntas pedindo que se debruçassem sobre essa questão, os dois palestrantes se complementaram nas respostas. Eduardo deixou muito claro que não acredita em uma identidade do sujeito, do indivíduo, que componha uma suposta essência (é… e a gente nem falou de alma…); acredita, sim, em uma pressão social pela construção/ imposição de uma identidade que distingüe e que, por outro lado, é muito fácil de perder – basta estar distante dos vínculos sociais que a produziram, por exemplo.

Óscar comenta afirmando que a contrução de uma identidade pode ser muito útil, mas que muitas vezes pode ser ainda mais coerente não construir identidade nenhuma. Ele explica que há muitas circunstâncias que nos obrigam um posicionamento ou uma reação e que muitas vezes a maneira de reagir é assumir uma identidade e defendê-la, mas isso depende da situação vivida. Ele ressalta que o mais importante é identificar a situação diante da qual é preciso reagir, identificar o inimigo, para depois definir a tática. Com relação ao contemporâneo, ele mantém a mesma lógica, ou seja, a construção do contemporâneo depende diretamente da construção da identidade do sujeito que está definindo o que é ou não contemporâneo. em outras palavras, as circunstâncias determinam a identidade que, por sua vez, determina o contemporâneo.

Descobrimos a justificativa para a existência do Prêmio Shell

Eduardo Losicer_Próximo Ato 2009_foto1 Cia de Foto

As colocações de Eduardo foram em um sentido muito diverso das de Óscar, mas bastante interessante – principalmente depois que ele parou de ler e começou a conversar com espontaneidade. A idéia de seu trabalho é comparar as observações feitas no cotidiano de plataformas de petróleo e o funcionamento de coletivos teatrais. Para o bem ou para o mal.

Entrevistando os trabalhadores destas plataformas, depois de a empresa ter constatado alta evasão desta frente de trabalho, Eduardo chegou a diversas conclusões. Pra começar, a angústia produzida nos funcionários não se devia ao isolamento ou ao tempo em que ficavam na plataforma – somente quinze dias – mas a um sistema onipresente de pressão pela produção perfeita e ininterrupta. Era como se, por serem reconhecidos como os melhores profissionais em suas áreas e portanto terem adquirido importante responsabilidade estivessem absolutamente o tempo todo sob pressão, ao mesmo tempo em que precisavam estabelecer regras de convívio com seus colegas que dividiam também as angústias e a cobrança. É o que ele nomina grupo total, um grupo que não protagoniza, não age, é somente sujeitado às condições e se adapta a elas prontamente. Ele aponta ainda para o fato de que, como nos campos de concentração nazistas, os que voltam das plataformas tem imensa dificuldade de contar o que se passe lá, ainda que, à primeira vista, não seja nada demais. “Só quem vive isso entende”, é uma afirmação recorrente.

Ao jogar essa mesma lógica para os coletivo teatrais. Eduardo levanta diversas crises e a principal delas, a meu ver, deve ser a pergunta: somos um grupo total ou um grupo sujeito? Para responder a isso é preciso pensar quais são os focos de ação do grupo e o quanto ele se sujeita a pressões e circunstâncias alheias. Um excelente exemplo nesse caso é a verba, citada pelo próprio palestrante como um possível fator desagregador dos coletivos – por incrível que pareça. “Aparece a verba… ninguém vai negar, né? Mas pode ser justamente o princípio de corrosão do que há entre os integrantes do grupo”. Isso porque, segundo ele, pelo menos antes de se submeter a outras lógicas – como cumprimento de prazos, pagamentos, vendas, etc – os grupos são permanentemente instituintes, ou seja, agem sem se submeter a lógicas ou exigências institucionais de quaisquer tipos.

E, só para dar mais base às semelhanças possíveis entre coletivos e plataformas de petróleo (!), pense em quantas vezes você já não ouviu de algum artista que é parte de um coletivo de criação que é impossível explicar o que se sente ao fazer arte dessa maneira… “só quem vive isso entende”?

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