O teatro do futuro

Blog   |       |    19 de julho de 2010    |    12 comentários

O futuro bate a porta e o teatro não podia ficar pra trás.

Só mesmo uma grande empresa como a ‘Nextleader – The future is now’ para tirar a representação cênica de seu atraso grego.

Agora, pelo site: http://cennarium.com/ todos podem ver teatro pela internet.

Já diz o velho ditado: “se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai a montanha”… Pois então, a Cennarium pensou – por derivação obviamente lógica – “se imensa maioria da população não tem como ir ao teatro, a solução seria levar o teatro até a população, usando a tecnologia” (copiado daqui). Mais do que isso, como grandes empresas sabem sempre matar dois coelhos (ou populações inteiras de coelhos) com uma única paulada, eles tiveram a “visão” de que poderiam ganhar dinheiro com isso, afinal há um mercado imenso a ser explorado:

“apenas 40% dos moradores de 9 regiões metropolitanas (Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém) consomem cultura” (aqui)

Portanto:

“O uso de recursos digitais permitirá a socialização dessa arte no Brasil, devido aos preços altamente atrativos” (aqui) [Nós da Bacante ficamos sem entender se o ‘altamente’ atrativo é uma ironia sofisticada ou um ato falho freudiano].

Então, pra nossa sorte evolutiva, agora o dia 27 de março não é apenas o nome de um movimento subversivo, mas também a efeméride do futuro no teatro:

“Com muito trabalho de equipe, dedicação e muito amor pelo que se faz, no dia 27 de março – Dia Internacional do Teatro – nascia a Cennarium” (aqui)

Agora só resta exterminar a pirataria (“”temas como a pirataria são fatores críticos para o sucesso da empreitada”) porque os artistas mesmo já tombaram:

“”adesão de boa parte da categoria foi instantânea“; “depoimento positivo e […]  apoio entusiasta de vários importantes nomes do cenário teatral brasileiro como o diretor Zé Celso…” – (aqui)

Evoé

'12 comentários para “O teatro do futuro”'
  1. A contradição de que eu mais gosto é que eles estão prontos pra lutar contra a pirataria, mas ao mesmo querem fazer um papel de registro audiovisual histórico.
    Ou seja, ao fim teremos uma série de vídeos com parte da história do teatro brasileiro em formatos fechados pra consultar, provavelmente por pay-per-view, no esquema que estão propondo agora.
    E, mais complexo que isso, aos governos interessa dizer que estão levando teatro a todo o Brasil pela internet. Assim, pra virar parte de programa governamental é um estalar de dedos.
    E ainda pior, as peças brasileiras que já eram bancadas via lei rouanet praticamente sem retorno pro público (já que esse paga duas vezes), agora ganham um circuito comercial de circulação pela internet, onde poderão ganhar uma graninha extra. De novo sem retorno pro público nem pro governo (que é público, lembremos). Mas o Artista, ah o Artista, esse precisa ser valorizado.

  2. Lucas Pretti disse:

    Caras,

    Este projeto é um dos maiores absurdos que já vi. Além de tudo que vcs já apontaram, acho que a coisa mais maquiavélica desses “empreendedores” é nivelar por baixo a noção que as pessoas têm de internet. Digo isso porque qualquer pessoa raciocinando pelo senso comum acha genial a ideia de pagar 10 paus pra ver uma peça pela internet. Ainda mais com atores globais (atores de verdade!). Fora a ideia de que a web é um celeiro para “novos negócios”. Nojo disso.

    Por outro lado, acho linda a contradição de o Zé Celso estar transmitindo ao vivo quase toda apresentação do Oficina, de graça. Isso me parece acidental, que nem a Cennarium nem o Oficina sabem direito o que estão fazendo. Só mais uma prova de que o desconhecimento sobre a lógica da rede é muito grande.

    Quem usa Internet Explorer põe o dedo aqui!

    Bjos

  3. roberto lima disse:

    Caro Paulo,Fabricio e Lucas, obrigado pelas criticas, nós da Cennarium agradecemos o espaço dedicado a nós, com “opiniões” tão “válidas” de pessoas de “grande conhecimento” da Internet, e principalmente “altamente capacitadas” para escrever, se manifestar e analisar o Teatro Brasileiro. É realmente “brilhante” as colocações e as observações de todos vocês, principalmente do nosso querido “critico” Paulo, aluno de “grande atuação” do CAC da ECA. Tenha “certeza” absoluta que nós da Cennarium e da NextLeader estaremos atentos a tudo que foi dito e trabalharemos arduamente para não nivelar “por baixo” a noção que as pessoas tem de internet, e principalmente tentaremos não abandonar o público e os artistas. Ah, só para o conhecimento de vocês, não que isto vá mudar alguma coisa : a Cennarium, em dois meses teve 300 mil visitantes únicos, foi acessada em 432 cidades do Brasil, teve mais de 25 mil cadastros efetuados, e conta hoje com 78 peças captadas e tem contrato com 73 companhias de teatro. Realmente vocês tem razão, precisamos trabalhar mais junto aos artistas, e claramente temos que estudar um pouco mais sobre o mundo da Internet. Novamente muito obrigado, vocês “são demais”.

    Roberto de Lima
    diretor geral da Cennarium

  4. Paulo Bio Toledo disse:

    Caro Roberto Lima,

    é uma grande honra receber vossa ilustríssima presença em nossa humilde revista. Mais honra ainda saber que o senhor usa de vosso precioso tempo empresarial a pesquisar sobre nossas reles vidas no mar da internet.

    Obrigado pelos espantosos dados sobre o crescimento exponencial da empresa. Mas faltaram alguns dados, se me permite:
    Quantos desses 300 mil “visitantes únicos” já pagaram/assistiram uma peça no site? E, portanto, qual o faturamento mensal de vocês?

    Desculpe-me se a pergunta é indelicada, mas é que pressinto que sem essa informação há a impressão que o revolucionário projeto é filantrópico – pelo bem da democratização da cultura – e receio que não seja o caso…

    Até porque menos de 1/4 dos domicílios brasileiros tem acesso a internet. Então do que jeito que está hoje, dificilmente a “tecnologia” virtual promoveria democratização cultural. Ao menos que se afirme que democratização cultural é ampliação de público teatral nas classes favorecidas. (e cá entre nós, ‘democratização’ nas classes exploradas não seria lá muito financeiramente atrativo para a “Nexleader – The future is now”, certo?)

    Também devido a isso nós aqui da revista bacante achamos por bem evidenciar as contradições do projeto. Eu particularmente sou ingênuo e inocente o bastante para acreditar que o teatro, bem como a arte, não deve – ou não deveria – ser deliberadamente uma mercadoria de consumo para uma ‘fatia do mercado’ ainda inexplorada.

    Mas não nos leve tão a sério. É nossa maneira de lidar com contradições – das quais, ainda bem, ninguém está livre.

    Obrigado pela visita, jamais esqueceremos
    entrará para os anais da Bacante – o dia em que um grande empresário sentou em nosso velho sofá.
    (ah… se quiser fazer uma doação pra nós, poderíamos usar a grana em publicidade predativa e quem sabe atingir 300 mil visitantes únicos … Mas garanto que ao invés disso torraríamos tudo em cerveja…)

    Hasta la vista!

  5. Oi, Roberto, tudo bem?

    Queria acrescentar que ficamos felizes com seu esforço de usar uma linguagem “descolada” aqui no site. Vemos que de fato o senhor procura se comunicar melhor com cada público específico.

    Quanto aos números que você nos informou dizendo que não mudariam nada… menino!, claro que mudam! Primeiro, eles indicam melhor quais são os seus objetivos. Depois, eles apontam para um possível caminho de sucesso do site e um ótimo faturamento para vocês.

    Não se preocupe, em momento nenhum dissemos que a sua iniciativa não teria sucesso comercial – é bem provável que tenha, assim como a Broadway, referência no site de vocês.

    O que dissemos e reafirmamos é que, infelizmente, o senhor e a sua empresa subestimam o público da Internet quando fazem uma iniciativa de conteúdo fechado e restritivo financeiramente e se comprometem com o “combate à pirataria” – ou seja, caminham na exata contramão do que há de mais potente na internet – a troca, o compartilhamento, a criação colaborativa.

    E, finalmente, o senhor subestima todos os cidadãos ao falar em “problema da falta de cultura” ou em “democratizar a cultura”, idéias contraditórias e absurdas em si, não porque não queiramos que todos tenham assegurado seu direito de PRODUZIR e VIVENCIAR cultura, mas porque seu projeto considera que quem não pode assistir a espetáculos da Broodway está desprovido de cultura e precisa da sua ajuda por um custo altamente atrativo de no mínimo 10 reais.

    Não custa enfatizar que, como já disse o Paulo nos comentários, menos de 1/4 dos domicílios brasileiros tem acesso à Internet. É verdade que alguns mais “famintos” pela cultura que o senhor escolher pra eles, podem corer para lanhouses ou locais públicos de acesso, mas talvez eles pensem duas vezes antes de gastar cinco porcento de sua renda mensal ou mais para ver espetáculos no site do senhor.

    Talvez seja só um caso simples de deixar de usar termos como “democratização”, “socialização”, ou frase como “a solução seria levar o teatro até a população, usando a tecnologia” e ficar só com essa idéia de “consumir cultura” mesmo, (as aspas até aqui foram de citação) que é mais coerente com a proposta “revolucionária” de vocês. (Essas últimas aspas são de ironia, igual às suas).

    Sorte na empreitada inovadora e até a próxima!

    Ah, e uma perguntinha em homenagem ao Lucas: o senhor usa Internet Explorer?

  6. cgsmoura disse:

    Uma guerra de aspas! Nunca imaginei as aspas sendo usadas como arma, cruzando os céus como mísseis!
    Adoro a Bacante quando fala de teatro. Fico meio perdido com as opiniões de vcs quando falam de política cultural (deveria pôr aspas aqui porque não sei se o termo seria este, mas não vou entrar nesta guerra aí em cima na qual as aspas passam zunindo de lado a lado como balas).

    Não tenho formação nenhuma em teatro, apenas sou apaixonado por assistir. Não tenho nenhuma relação com este famigerado site, apenas o vejo como amante da arte. Esta não é uma frase pretensiosa, que assume que alguém aí tem interesse em saber algo a meu respeito. É uma afirmação para defender a credibilidade ou neutralidade do que vou dizer, porque parece que este debate virou uma guerra pessoal em que argumentos se misturam a descredenciamento dos opinantes (ai!, como precisava das aspas, mas vou resistir!).

    Galera, como público (é o que sou) pagante (pago sempre inteira, até quando a Cibele me deixa decidir quanto pagar) frequente, acho que a experiência de estar no mesmo ambiente com os atores é insubstituível! É a característica básica do teatro desde os gregos: é presencial. Diversos espetáculos até tornam isto essencial, pois são interativos (os do próprio Zé Celso são exemplo disto).

    Isto não quer dizer que a possibilidade de assistir pela net não seja uma enorme vantagem! Há outra característica básica do teatro: é único. Não se podem distribuir cópias por 600 salas. Então, pensem comigo:

    Caso A: Vou a uma peça em São Paulo e adoraria discuti-la com uma amiga, que está em Brasília. Vou esperar meses e contar com a sorte da Cia ter Brasília na agenda e estar lá depois de muitos meses! A conversa esfriou, é inútil.

    Caso B: Estou viajando a trabalho e tenho de dormir num hotel. Em vez de me envenenar com a programação da TV, poderia assistir a uma peça!

    Caso C: tem uma peça no Rio muito bem falada pela imprensa e estou em São Paulo, sem idéia sobre se um dia vou poder assisti-la.

    Caso D: Alguém comenta uma peça que vi há muito tempo e quero rever para repensar a opinião.

    Caso E (o mais importante!): Uma pessoa de poucos recursos no interior do Acre que adora teatro NUNCA terá a chance de ver as peças que estão em São Paulo.

    Pensem nas vantagens disto para os próprios profissionais de teatro, ao divulgarem seu trabalho para mais pessoas, receberem mais convites para atuar ao vivo em mais cidades…

    Não é o mesmo que assistir ao vivo, mas como plano B me parece fantástico. Se vcs deixarem de lado todos os dogmas conservadores (tenho certeza de que nenhum de vcs jamais pensou em ser rotulado assim, heim?) com que vcs especialistas insistem em involucrar a arte, vão se dar conta das vantagens para a sociedade de um pouco de pragmatismo neste caso.

    Se alguém vai ganhar dinheiro com isto, bom para ele, parabéns.

    Abraços a todos.

  7. Paulo V. Bio Toledo disse:

    Caro Cgsmoura,

    obrigado por você acompanhar a Bacante e valeu pelo comentário.

    Eu tenho a impressão de que esta divisão que você propõe não existe realmente (entre ‘falar de teatro’ e ‘falar de política cultural’ – as aspas são só pra demarcar a citação)

    Primeiro porque há uma diferença bem grande entre as pessoas que escrevem aqui (quase não conseguimos usar o ‘nós’ pra falar da Bacante). Então desconfio que tem pessoas aqui que sublinham a questão da política cultural e outros que não.

    Eu, particularmente, creio que não há diferença substancial. Porque, pra mim (que sou um tanto materialista), falar de teatro é necessariamente falar dos meios de produção que o antecede. Eu acredito que não há descolamento de como a obra foi produzida – e os caminhos escolhidos para circulação – e ela em si mesma (como se manifesta).

    Além disso, vejo o teatro como absolutamente relacionado com seu tempo (pra não dizer ‘expressão do seu tempo’) – no conteúdo e na produção.

    Eu acredito que se abster do debate produtivo (que envolve políticas culturais, modo de produção, vias de circulação, financiamento etc.) é deixar de lado uma parcela fundamental de apreensão da manifestação teatral.

    Por isso, não é uma condenação moral quando questionamos o lucro de determinada empresa como a cennarium. É sim uma tentativa de evidenciar uma contradição intrínseca a prática teatral. Pois se o teatro passa a ser pensado (e produzido) como a fabricação de uma mercadoria destinada a gerar valor para seus produtores; ele perde – na minha opinião – seu caráter público e social e passa a não ter mais nenhuma função crítica na sociedade a não ser criar mais fantasias de consumo. (o tema da obra vira mera justificativa para ‘venda’ da mercadoria)

    Obviamente, no mundo de hoje acaba que tudo vira uma mercadoria. Mas eu tendo a diferenciar aqueles que DELIBERADAMENTE vêem o teatro assim (como uma atividade comercial como outra qualquer, portanto, necessária de ser gerenciada (e lucrativa) como uma empresa) e aqueles que tentam lidar com a contradição de forma crítica e produtiva.

    Por isso, não é de maneira alguma uma crítica à tecnologia (até porque a Bacante é uma revista virtual!). Mas a maneira de lidar com ela.

    Então, não creio que a cennarium seja um ‘plano B’ mas sim uma concepção ideológica a respeito da arte. E é isso que queremos ironizar e, tentando usar do humor, ressaltar as contradições.

    Não pra condenar à fogueira. Mas pra pensarmos na coisa ao invés de tratamos como natural e um avanço democrático na cultura etc.

    pois pra muitos de nós aqui na Bacante fazer crítica é olhar o teatro historicamente e em relação imediata com a sociedade que o envolve. E pra fazer isso, alguns de nós crêem que não dá pra deixar de lado os fatores materiais do modo de produção e circulação.

    abraços

  8. Oi, Moura!

    Sim, talvez fique um pouco confusa a nossa posição sobre política cultural, porque cada um de nós tem a sua. Eu tento incluir a minha em todos os textos, porque faz parte das obras.

    Mas tem uma coisa no seu comentário que é uma percepção muito importante e eu quero comentar. É o caso D, o caso do cara do Acre que vc colocou como o mais importante. Acho que aí está a principal contradição desse projeto da Cennarium: Naturalizar a idéia de que esse cara NUNCA poderá ver as peças que estão em São Paulo. Sim, é verdade que HOJE ele não pode. E nem nós, que estamos em São Paulo, podemos ver as do Acre, certo? Isso não é normal, você está certo, isso é um grande problema brasileiro que é a circulação das peças. Os custos são altíssimos (especialmente no Acre, onde tem até nome: “custo amazônico”) e os incentivos governamentais são mínimos, incipientes. Isso é muito grave. E levantar essa questão é um mérito do seu comentário. Porém, não é o projeto da Cennarium que vai resolver isso. Infelizmente, é muito mais complexo, né? E o pior é que o projeto se colocando como solução pra democratização do teatro, ele maquia, esconde essa demanda de circulação, em vez de evidenciá-la. “Ah, já que tem a Cennarium, pronto, não precismos mais pensar nisso”. Aí fingiremos que não há mais problema? Depois, porque não tenho tanta certeza de que o cara do Acre vai querer/poder pagar pra ver a peça pela Internet, entende? Se ele sequer teve acesso ao plano A (ou seja, o teatro presencial, o ENCONTRO) – e não só porque não vão peças de SP pra lá, mas porque a produção local também é pequena – o que vai levá-lo a procurar este site e pagar para assistir uma peça via Internet?

    Enfim, esse texto, independentemente da guerra de aspas com o senhor diretor, era pra mostrar isso. Que existe um problema de circulação e de acesso à produção cultural no Brasil que é um problema de política cultural PÚBLICA e que temos que pensar nele e batalhar pela sua solução. E não acreditarmos que a solução caiu do céu graças à tecnologia.

    A Cennarium pode ter muitas utilidades – como essa de rever uma peça que você já viu, que vc apontou (e porque vc pode pagar pra isso) – mas o discurso de solucionar o “problema da falta de cultura”, esse é que a gente não pode engolir, né?

    Era mais ou menos isso.

    Volte sempre! Fico feliz que vc comenta sempre por aqui, porque pra mim o objetivo primeiro da Bacante é possibilitar o diálogo.

    Abraço,
    Juli =)

  9. cgsmoura disse:

    Paulo, Juliene,

    Já que vcs são tão educados, muito obrigado por se darem ao trabalho de responder ao meu post. Eu que deveria agradecer por terem posto este site e o blog no ar, sem ganharem nada (material) com isto. Poderia falar mais, mas chega de rasgação.

    Paulo, não consigo ser tão abstrato e abrangente a ponto de entender porque não se pode separar crítica teatral da análise de política cultural. Acompanho as suas críticas nas infelizmente poucas vezes que coincidem com espetáculos que vi e acho que na maioria delas vc consegue analisar apenas a peça e, talvez, a obra e características do diretor, sem ter que citar o Planalto Central. Então, na minha visão simplória, dá para separar as coisas. Se eu estiver errado, então por favor me explique: sua crítica de “In On It “ foi fundamentalmente positiva. Se a peça for veiculada no Cennarium, vai se tornar uma peça ruim?

    Muito mais interessante no seu post é a forma como vc chegou a um acordo (ou seria uma tênue trégua?) com a realidade. Nem citou a possibilidade de uma vertente “asceta” no mundo teatral. Admite a todos como lidando com o teatro como mercadoria, apenas uns focados explicitamente nisto e outros mais ambivalentes com a contradição, o que certamente tem maior potencial criador. Legal, gostei disto aí!

    Juliene, eu não acho que aprovar que haja uma forma da pessoa do Acre ver uma peça de SP via net (paga ou não) seja considerar a impossibilidade dela ter acesso à obra pessoalmente natural e irrelevante. Acho que nem o cara da Cennarium acha isto. É mais um jeito, uma possibilidade, só isto. E nunca subestime a fome deste pessoal pela cultura que se produz nos grandes centros, a capacidade que eles têm de grudar numa telinha de celular para se sentir parte (o que no fundo é o serviço que a industria cultural presta). Uma parte deles vai, sim, buscar esta via. Mesmo que poucos, é uma vitória.

    O que me preocupa é quando os formadores de opinião qualificados como vcs resolvem criticar alguma forma de acesso à arte, seja ela qual for. Numa sociedade inculta como a nossa, toda a ajuda deveria ser bem vinda. Vcs me lembram muito os intelectuais escandalizados que criticavam as exposições lucrativas da Brazil Connects de mais de 10 anos atrás, sob alegações semelhantes, ou de que a ambientação era produzida demais por fins comerciais, concorrendo com as obras. Eu via aquelas filas imensas de adolescentes na frente da Oca e pensava na maravilha que era terem sido tirados do shopping por uma tarde que fosse para verem Picasso, mestres russos ou relíquias chinesas.

    De qualquer forma, neste caso os dois têm posição parecida. O que me parece é que as críticas dos dois à Cennarium são como um comentarista de Fórmula 1 detendo-se longamente a avaliar o serviço de uma concessionária de automóveis. Me dei ao trabalho de ler os textos institucionais do tal site por causa de vcs. Me parece óbvio que vcs e eles estão em esferas completamente diferentes. O discurso deles é tão escrachadamente grandiloquente e clichê-marketeiro que se torna despretensiosamente pretensioso. A missão dos caras passa até por integrar vídeo-game na parada! Covenhamos, vcs acham mesmo que esta iniciativa de negócio merece ser levada tão a sério por vcs? É um negócio que gira em torno da cultura, nada mais, não tem nada de ideologia. A classificação não é muito diferente da dos sites de compra de ingresso.

    Relaxem, pessoal. Eu confesso que ainda vou dar uma olhadinha 😉

    Abraços.

  10. Paulo V. Bio Toledo disse:

    Lembrei de uma coisa, que marcou minha formação:
    logo que entrei na faculdade, o MV Bill (o rapper) fez um evento lá no teatro que tinha a ver com o documentário que ele produziu num morro carioca.

    Ele fez esse doc. (Falção – meninos do tráfico) com produção independente com ajuda de cooperativas da favela e tal, mas conseguiu veicular o vídeo no Fantástico.

    Então, nesse evento na faculdade, tinha um pessoal da Sociais que começou a falar. E eles metiam o pau no fato de ser veiculado pelo Fantástico. Diziam, respeitamos vc pra caralho (como rapper e líder comunitário), mas veicular no fantástico é esterizar todo o potencial crítico do documentário… etc.

    Na hora eu achei isso muito estranho. E quando o Bill respondeu: “eu escrevi um livro ano passado, e ele teve 30.000 exemplares vendidos. Em meia hora de exibição no Fantástico minha mensagem chegou a 90 milhões” eu achei correto…

    Mas isso nunca saiu da minha cabeça.
    Hoje acho que o pessoal das sociais tinha completa razão.
    Porque ao ser veiculado pelo fantástico a ‘obra’ passa a ser absolutamente mediada pelo que aquilo significa.
    A potência produtiva do documentário se esvazia toda e passa a ser disseminada como mais uma reportagem sobre os horrores do crime. O ponto de vista – independente, comunitário – desloca-se para o ponto de vista burguês. E o que era contestação passa a ser ideologia (ideologia aqui na acepção materialista, que significa os instrumentos que nublam a apreensão das estruturas sociais e naturalizam o sistema produtivo do capitalismo).

    É um exemplo de algo que acredito hoje. Ou seja, as ideias e a cultura de um tempo estão intimamente relacionadas com as forças produtivas que o possibilitam (no caso, o sistema de troca de mercadorias, a propriedade privada e a produção infinita de valor, tendo como base a sucção de mais-valia da classe trabalhadora) . Ou você lida com essa contradição – de forma crítica – ou a aceita passivamente e passa a, sem saber, fazer propaganda delas.

    O que não significa que sempre devemos ler as obras a partir dessa perspectiva (denotaria um determinismo cego, um sociologismo vulgar). Mas sim que é um fator essencial de ser sempre levado em consideração para encontrar as ferramentas de leitura que consigam enxergar a obra e o seu tempo refletido nela, pra que aí consigamos focalizar exatamente o ponto de contato que a arte dialoga com a sociedade de seu tempo. E ela sempre dialoga! mesmo quando quer fugir, o diálogo esta dado como ideologia! Se dizemos: “não estou falando de política, de nada de mais” estamos compactuando com a ideologia dominante … E isso é o mais perverso no mundo da cultura. Pois a arte não é inocente. Pelo contrário, é um dos maiores instrumentos de dominação ideológica que se conhece. E não porque os artistas são soldados do capital. Mas, porque, como diria Marx “não o sabem, mas o fazem”. São fantoches.

    E essa é a grande diferença. Percebe que quando afirmamos isso é que fazemos o contraponto? Pois todo o resto diz exatamente o contrário – só importa o conteúdo da obra, precisamos achar os meios mais ‘eficientes’ de circular, pois só importa o que a obra é em si etc. etc.

    Isso tudo, no fundo, valida um lugar da arte que como universal, natural da espécie. O que é mentira. A arte, assim como toda instituição social, é uma CONSTRUÇÃO HISTÓRICA. É preciso LER o que se precipita na obra, para compreender o contato intrínseco que ela tem com a sociedade.

    Portanto, não se trata de citar o ‘planalto central’, mas de compreender política como “relação imediata que o homem tem com sua sociedade”.

    Então, “arte”, pra mim, não é algo positivo (e sublime), a priori. Mas sim, invariavelmente, algo histórico.

    Não sei se fui claro, mas sei que fui longo.
    Abraços!

  11. cgsmoura disse:

    Paulo,

    Seu comentário me obriga a usar neurônios dormentes desde meu tempo de faculdade, e já lá se vão 30 anos. Pelo pouco que me lembro, sua concepção é mais Gramsci do que Marx. Esta coisa de cultura em relação paritária de força com política e produção econômica era clara nele.

    Mas Gramsci também enxergava a cultura como instrumento de questionamento e transformação do senso comum. E, portanto, de transformação social. Sob esta ótica, MV Bill não estaria certo? Não é mais eficaz um documentário veiculado para 90 milhões, ainda que admitindo perda de 90% de sua legitimidade pela associação ao establishment, do que 30.000 livros, com toda a munição legitimante que sua independência possa prover? Faça as contas…

    E não consigo resistir a mais uma pergunta: se vc realmente acredita na impossibilidade da análise (stricto sensu) do conteúdo da produção artística de seu ambiente histórico e político, por que “c…” foi fazer parte de um site/blog de teatro? Não deveríamos todos estar indo ao cerne e debatendo só política, sociologia, história?

    Eu sinceramente reconheço uma boa dose de verdade em suas duas posições citadas acima, mas me recuso a adotar posição tão cínica com relação ao indivíduo, ao emocional, à poesia.

    O contraponto ao seu contraponto é que, na minha opinião, este conceito “sociológicocêntrico”, se levado à prática diária, ao contrário do que vc imagina, leva à massificação de idéias tão cara ao fascismo.

    Fico com o indivíduo. Fico com o livre arbítrio. E festejo a ambos, semanalmente, com o teatro.

    abraço.

  12. Paulo V. Bio Toledo disse:

    Talvez, mas não creio que eu seja um ‘sociológicocêntrico’, só acho mais do que necessário marcar posição no contraponto.

    Sobre Gramsci e Marx, decerto o Gramsci fala de cultura e o Marx bem pouco. Mas é que ele é de uma geração de marxistas onde a cultura virou tema central (seja pela imensa burocratização dos PC na Europa, seja pela cultura ter ganho papel de destaque na conjuntura global). Então, além de Gramsci, Lukács, Adorno, Benjamin, Althusser, Marcuse … Ou seja, é um tema frequente nessa geração, mas o ponto de vista é materialista.

    Agora, eu também enxergo a cultura como questionamento, também creio em poéticas potentes que resignificam o entorno social. Não estou negando isso, estou dizendo que a pura ênfase no valor ‘sublime’ da arte vira ideologia (como se toda cultura fosse positiva simplesmente por ser cultura). Pois então, acredito que devemos ter de encontrar esse ponto fundamental (que é diferente em cada obra) onde o teatro encontra-se com o mundo. Onde a arte, na forma e no conteúdo relaciona-se com a sociedade (seja objetivamente, seja transformando o senso comum).

    É essa busca que acredito ser a função da crítica.

    Sobre a equação que você propõe. Creio ser incomensurável. Lógico que pode ser potente, a despeito do Fantástico para alguns (como pode não ser, jamais saberemos).
    Mas é dever do pensamento crítico LER as contradições do fato.

    A contradição não desaparece pelo fato de ter sido revolucionário para UM. Não se faz crítica com base no desdobramento subjetivo da obra no indivíduo.

    Por exemplo, quando saímos de uma peça e alguém diz “Maravilhoso, lembrei de minha mãe e transformou minha vida” eu acho legal ouvir isso e conversar sobre isso. Mas esse depoimento não faz da obra algo positivo. Pois o argumento é puramente subjetivo…
    A crítica tem que lidar com a leitura material da obra. (Infelizmente não é o que fazem a quase totalidade dos críticos)
    O Hegel fala melhor que eu, segue aí um fragmento:

    “O sentimento é a forma mais inferior em que qualquer conteúdo pode estar; nela existe o menos possível. Enquanto permanecer apenas no sentimento, está ainda encoberto e totalmente indeterminado. O que se tem no sentimento é ainda de todo subjectivo e só existe de um modo subjectivo. Se alguém disser: “sinto assim”, fechou-se então em si mesmo. Qualquer outro tem o mesmo direito de dizer: “mas eu não sinto assim”; e abandonou-se o terreno comum. Em coisas totalmente particulares, o sentimento está inteiramente no seu direito. Mas querer asseverar, a propósito de qualquer conteúdo, que todos os homens o têm no seu sentimento contradiz o ponto de vista do sentimento, em que alguém no entanto se colocou, contradiz o ponto de vista da subjectividade particular de cada um […] Se alguém afirma que possui a religião no sentimento, e se outro diz que no sentimento não encontra Deus algum, ambos tem razão”

    Não sei se eu já respondi a tua pergunta com as considerações acima. Mas eu faço crítica numa revista virtual, por dois motivos. Um porque creio ser o ambiente (meio aleijado hoje) da crítica um espaço do pensamento muito importante – tanto para ressaltar esse tipo de discussão que estamos tendo agora, como para demarcar um contraponto na ‘naturalização’ subjetiva e ideológica do modo de ver (e fazer) teatro. Segundo porque, eu (e nós da Bacante) não creio que internet e tecnologia sejam algo negativos. Foi o que disse respondendo ao diretor da Cennarium. Não somos contra a tecnologia, mas sim ao uso arcaico e ‘enquadrador’ que se faz dela.
    Eu aprendi aqui na Bacante (entrei bem depois do início da revista) que a internet é um mar de potencialidades crítica e de transformação de paradigmas sociais. Haja vista o compartilhamento livre, a esfera coletiva etc. Claro que é um instrumento ainda cheio de contradições, mas estamos tentando lidar com elas.

    Eu, particularmente, não creio que a Internet já seja algo revolucionário em si mesma. Mas tem uma potência fora do comum para tornar-se, principalmente quando deixar de ser um instrumento de classe (nem 1/5 do mundo tem acesso). Por isso é uma batalha de resistência também. Todo dia tem notícias das corporações que querem encerrar o aspecto libertário da internet e transformá-la em mais uma ‘fatia de mercado’ (vide a Cennarium).

    por fim, não é cinismo em relação ao indivíduo ao emocional e a poesia. Mas é uma tentativa de compreender que tudo isso é histórico e não universal!

    O indivíduo, por exemplo, antes do renascimento na Europa não tinha-se ideia deste conceito (vários autores falam da ‘construção do indivíduo’). É um conceito surgido com o advento da burguesia. Um conceito da onde, aliás, derivam-se as categorias de liberdade (no sentido comercial), livre-arbítrio e propriedade privada. Ou seja, um conceito chave para entender historicamente o capitalismo.

    Emocional e poético são esferas subjetivas e sua definição varia tanto historicamente quanto regionalmente. O conceito de emoção jamais será algo universal…

    Portanto, não é negar, mas ler materialmente.

    Não sou um robô sociológico. lógico que me emociono (muitas vezes), acho coisas lindas.. fico encantado etc etc.
    Só não acho que isso seja o universo da crítica…

    Abraços (foi insuportavelmente longo… não sei o que fazer, desculpe)

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