A Brava

Críticas   |       |    19 de agosto de 2008    |    8 comentários

Joana D’Arc também, e pela última vez num título, é pop

Foto: Daniel Isolani / Clix

25% da Brava Companhia já havia participado de maneira involuntária e discreta de uma crítica publicada na Bacante. Coincidentemente, foi num espetáculo de rua que vi pela primeira vez o ator e diretor Fábio Resende quando ele intercedia por um mendigo. O ébrio morador de rua, no seu direito, vociferava por e contra uma peça que acontecia no seu pedaço. Essa é a boa impressão inicial que fez com que eu fosse assistir A Brava, montagem de rua da Companhia de mesmo nome, em cartaz no CCSP.

Sim, digno leitor, shame on me. Os caras se apresentaram na rua em tudo quanto foi lado e eu fui assistir no CCSP. Pode chamar de burguesia falida. Mas a real é que eles se apresentavam no alvorecer e esse horário é proibitivo pra mim e pra quase todos que aqui colaboram. O que não deixa de ser uma idéia legal. A cena inicial inclusive tinha relevância muito ampliada quando o espetáculo acontecia na rua. Constato isso ao ver as fotos no blog dos caras e também pensando no que passaria pela cabeça se visse alguém acorrentado num poste ou numa árvore de um canto da cidade. Vale registrar também que flertamos com o grupo (ui!) no Fringe, ao final de um dia de muitas peças (desculpem a redundância) – outra estratégia de divulgação do espetáculo.  Afirmam, na voz de Ademir de Almeida em entrevista para a Revista Cultural Humbalada, que “fazemos o melhor teatro possível que possa ser assistido no Valo Velho e ao mesmo tempo possa ser feito e entendido lá no Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro, aonde só vai burguês, que ele entenda também e ache bom. Esse é o nosso desafio: criar uma linguagem que seja acessível para todos os públicos, que seja universal, que não seja simplista…”. E que desafio!

Tentando ser “universal”, o grupo faz uma peça com linguagem bem específica e característica do nosso tempo. Dizer que é pop costuma pegar mal com o povo do teatro, mas não consigo definir de maneira sucinta com outra palavra. Eles não têm vergonha de cantar, dançar de maneiras bizarras, fazer personagens caricatos e piadas fáceis (a do Sócrates é impagável) pra recontar aquela história da Joana D’Arc que o povo “burguês” do CCSP já deve conhecer daquela montagem da Cristiane Torloni (sério mesmo, alguém viu essa montagem da Cristiane Torloni na pele de Joana D’Arc no Tuca, antes da reforma?). Justamente o que parece mais estranho ao ambiente do CCSP é o que mais cativa e aproxima a platéia dos atores.

Todo o blablabla indispensável à contação da história (?) – quase sempre na voz de Joana D’Arc – fica em segundo plano quando nos deparamos com cenas como a da batalha entre França e Inglaterra. Faço o pedido ao distinto leitor, que há pouco me xingou de burguês falido, que pense como faria para encenar as agruras e as tragédias da guerra numa única cena, com apenas quatro atores. Esse exercício foi feito pelos atores da Brava Cia. e o resultado inesperado é o do uso da comédia e do teatro popular.

Todas as cenas em que fazem uso da comicidade parecem mais complexas, talvez por serem mais irônicas, distanciadas, usarem de menos texto de mais imagens. Definitivamente, se fosse falar de uma vocação do grupo a partir dessa primeira impressão seria mais para o humor, do que para a música e outros aspectos do teatro popular. Vemos ali ecos do movimento do teatro de grupo de São Paulo, cantorias que nos remetem à Cia. São Jorge, mas vemos também algo de Três Patetas, de Monty Python, de Brecht. Aspectos que prevalecem.

A movimentação das cadeiras é uma outra adaptação ao espaço hostil do CCSP que é prontamente desrespeitada pelos próprios autores. Na segunda vez em que assisti, era muito engraçado ver as pessoas, inclusive velhinhos, tendo que se movimentar nas horas mais inesperadas, levando suas cadeiras nas mãos. Vale dizer, no entanto, que as transições e algumas músicas parecem passar do ponto na duração, o que torna alguns momentos do espetáculo arrastados.

Assistir a Brava no CCSP é como embarcar numa experiência de teatro de rua com proteções em excesso (não tem jeito, não é rua). Minha sugestão é usar mais fogo, pra ver se o grupo consegue fazer mais estrago que o balão que caiu por lá (melhor parar com as piadas de fogo por esses tempos). Essa é a imagem que fica: gente que gosta do fogo e não tem medo de se queimar na hora de se apresentar, mesmo que seja na casa da burguesia.

3 cirandeiros tímidos em cada apresentação

'8 comentários para “A Brava”'
  1. Olá, Fabrício

    Sou eu quem publica no Blog da Brava.
    Em primeiro lugar: valeu pela crítica. O mais bacana do seu texto são as ironias e sarcamos… Alguns aqui na Companhia ainda não conseguiram entender se vc gostou ou não do espetáculo e se a crítica é positiva ou negativa… Eu acho que vc curtiu, mas não tenho certeza. O trecho “…eles não têm vergonha de cantar e dançar de forma bizarra…” gerou muitos risos e é o meu favorito. Se a gente tá conseguindo mesmo ser bizarro no meio de tanta mesmice, acho “du caralho”. Pop bizarro!
    A galera aqui provavelmente também vai querer comentar o seu texto. Essa troca é realmente lega!
    Abraço a todos da Bacante.

  2. Fábio Resende disse:

    Olá Fabrício, li, ou melhor lemos sua crítica sobre “A Brava”. Achei uma crítica bastante dinâmica e diferente dos habituais tratados feitos sobre a cena paulistana.
    Algumas coisas me chamaram a atenção: o trecho sobre “piadas fáceis” e sobre “o popular”. Sobre as piadas fáceis, e agora digo como ator, diretor e um dos criadores do espetáculo, não achamos nada fácil nos apropriarmos de uma história tão conhecida e fazer pontes com outras histórias e disso tirar um humor que chamamos de “anárquico” . Realmente você matou a charada, a dificuldade que tivemos em montar esse espetáculo foi transformada em possibilidade criativa (ex. cena da batalha)…Sobre o conceito de popular: lendo sua crítica e rememorando pensamentos meus ao longo de nossa trajetória teatral (Brava Companhia), tenho sérias dúvidas sobre o que é o popular de hoje? O que é universal? O que realmente chega a todas as pessoas? Para mim, é como se tivéssemos que criar códigos, quebra-los e requebrá-los para obter o riso, o entendimento, a distância e a crítica da platéia…mas isso certamente virá em nosso próximo espetáculo que já estamos trabalhando.
    Obrigado pela atenção e até…

  3. Fabrício disse:

    Oi Ademir e Fábio
    Valeu pela visita e por darem um retorno. É sempre legal ver a forma como lêem o que a gente escreve por aqui.

    Ademir, acho ótimo que você e outras pessoas do grupo não saibam se eu gostei ou não. Expor essa questão é muito menos relevante pra mim, na hora de escrever um texto. Compreendo que boa parte da crítica se paute pelo que gostou ou o que não gostou e é ok para o que se propõem. Mas os gostos, pra mim, valem menos do que o encontro e o diálogo.

    Sobre ser “bizarro” no meio da mesmice, é disso mesmo que falo. Você sabe, em alguma medida, o impacto que vai causar no público quando, interpretando um sacerdote, dança um “cha-cha-cha” meio estranho, fazendo o sinal da cruz e grita “Pro inferno com a donzela”, ao som de um rock pesado. São muitos universos extremamente distantes, reunidos por vocês na mesma cena e isso produz um estranhamento muito bem-vindo.

    Fábio, quando escrevo “piadas fáceis” tem uma ambiguidade mesmo implícita. Ao mesmo tempo que é extremamente difícil chegar a uma cena tão despretensiosa como a da entrada de Sócrates (o corintiano) é também, em outra cena, uma piada popular, fácil e em alguma medida previsível a queda de jesus da cruz. São investidas que vocês fazem que podem ser ampliadas. Não julgo. Não acho que uma é mais válida que a outra. Cada um ri de uma coisa. Acho que ir por esse caminho promove um distanciamento com relação à história e complexifica a mensagem, portanto é legal. Mas não deixa de ser “fácil” como piada.

    Aliás, humor anárquico é um ótimo nome.

    Sobre o que é o popular hoje, é difícil responder, hein. Eu vejo o grupo de vocês, a São Jorge, o Ventoforte e outros como grupos que procuram trabalhar com temáticas e histórias populares. Ou seja, histórias que já são conhecidas de alguma maneira (ou que podem estar sendo esquecidas nesse momento) e que são reapropriadas para expor angústias artísticas do grupo. Não consigo desenvolver mais esse tema. Precisaríamos de um especialista em cultura popular.

    Sobre o universal e o que chega às pessoas, chegamos a outro quiprocó. A citação do Ademir não é por acaso. Quando escrevia, queria realmente que vocês relessem o que disseram pro Humbalada, quase como uma tentativa de fazer ver a impossibilidade do que vocês propõem. É um quiprocó porque quase todo mundo, sobretudo na academia, fala que o teatro é universal. Eu acho besteira. Não acho que exista nada nem sequer “mundial”, quanto mais universal. Um texto pode ser apropriado em qualquer cultura, mas deixa de ser o texto original, portanto não é o texto que é universal, mas sua apropriação. Uma montagem pode ter recepções absolutamente distintas de um bairro pra outro, portanto não dá pra dizer de uma mensagem universal, pois essa apreensão também pode tender ao zero, ao nada.

    O Antônio Araújo falou numa palestra essa semana que talvez essa seja a graça do teatro: o componente de imprevisibilidade que se chama público.

    Apareçam aí e vamos continuar a conversa, se for o caso.
    Abraço e boa sorte com o novo processo.

  4. Anderson Dionísio disse:

    Olá Fabrício, já assisti “A BRAVA”, quatro vezes (na rua) com puro prazer, esse espetáculo prende atenção do público do começo ao fim. E o que mais me impressiona além da dinâmica da peça, é a criatividade que os atores tiveram para contar a história de Joana D’arc para pessoas do M Boi Mirim e outras regiões periféricas com a mesma clareza não deixando decair o espetáculo pelo lugar de apresentação.
    O espetáculo é de se impressionar pela forma que chega as pessoas, garanto que a maioria das pessoas que assistiram “A BRAVA” conheceram de fato Joana D’arc, isso eu percebi pelos comentários que colegas me fizeram quando assistiram “A BRAVA”. Genial a proposta desses atores, genial e inspirador para quem também quer fazer Teatro.

  5. henrique disse:

    é ate meio redundante dizer o qual importante é o espaço que você escolhe para contar sua história , como o espaço pode modificar completamente uma peça .
    O que a brava conseguiu foi um otimo espetaculo de rua que ao ir pruma sala fechada (mesmo que burguesa) eles conseguiram manter o esperito do teatro de rua reduzindo suas proporções , é claro , a interpretação na rua exige procedimentos especificos pra chamar e prender atenção do espectador e ja na sala os procedimentos são outros .mas enfim , a brava é um excelente expetaculo pois consegue manter o espirito do teatro de rua ao mesmo tempo que consegue utilizar bem os recursos que só o teatro pode oferecer, mesmo que esse teatro seja um estacionamento adaptado , mesmo que o teatro seja burguês.

  6. caio disse:

    A brava é uma peça muito boa, mesmo! Conheço o trabalho dos meninos da brava desde quando eles tinham outro grupo e eles sempre tiveram a caracteristica de se comunicar bem onde quer que estejam .

    Mas a brava… Eu vi a peça nos dois espaços o da rua e o do ccsp . quando fui ver no ccsp eu tava curioso pra ver como eles modificariam a peça pro espaço do ccsp e ao mesmo tempo com um certo receio por quase duvidar que o espetaculo pudesse se manter no mesmo nivel no ccsp que tinha na rua . Mas ó ! a peça no teatro conseguiu ganhar muito com os recursos que só a sala fechada pode oferecer ,e , ao mesmo tempo algumas coisas parece que não ficaram bem resolvidas , como por exemplo o espaço da plateia , o que vc comenta sobre a interpretação só discordo quando vc fala que tem cena que é arrastada .
    O que me deixou feliz em ver e pagar 12 reais foi ver que a encenação no ccsp consegue manter o espirito do teatro de rua com os recursos de luz e de espaço uma atmosfera que veio pra somar a peça .

  7. […] apresentações nas tardes de domingo – semana passada, a Brava Companhia esteve por lá com sua peça de mesmo nome, e teve a chance de contracenar com um bêbado, deixar sua marquinha de fogo no meio do asfalto e […]

  8. isabella disse:

    fui sozinha, sem expectativas e (confesso!) até com um certo preconceito ver esta peça e saí de lá encantada. claro, é uma opinião completamente pessoal e leva muito em conta o que senti ali, muito envolvida na história, no ambiente e entregue aos atores: foi a melhor peça que já vi. “burguesa falida” que sou, foi no ccsp também! pretendo ver em outros lugares.
    achei as “piadas fáceis” fantásticas, o grupo intercala a narração forte, pesada, envolvente com as piadas, tudo muito dinâmico. adorei a expressão corporal dos atores (aliás, adorei todos!), assim como as soluções da direção… meu deus… sou fã deste grupo. mesmo.

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