Bate Man

Críticas   |       |    20 de fevereiro de 2009    |    1 comentários

Relato de um espectador com medo da fumacinha

Esta é a segunda parte de uma crítica sobre o espetáculo Bate Man. O objetivo inicial da primeira crítica nem era falar da peça, já que tanta coisa aconteceu antes e depois do espetáculo que a atenção foi desviada daquilo que deveria estar o tempo inteiro no foco. Ficou, entretanto, ao final do primeiro texto, uma porta aberta para que os leitores pedissem (ou não) uma crítica sobre a peça.

E sabem o que aconteceu? O número de e-mails pedindo esse segundo texto foi recorde. A caixa de e-mails lotou e a maioria dos usuários recebeu uma mensagem de erro após o envio do e-mail. A procura e o trânsito de informações foi tão relevante que a rede mundial (aquela www, saca?) entrou em pane por 17 segundos na quinta, dia 05 de fevereiro. O FBI abriu um processo de investigação, desconfiando que esse papo de Bate Man tinha algo de subversivo ou anti-americano por trás. A Warner Bros e a DC Comics querem nos processar por acharem que estamos de alguma forma lucrando com algum tipo de associação indevida com a marca do Homem Morcego. A Globo tentou entrar em contato com a gente, mas nós esnobamos e nem quisemos dar entrevista (estamos tentando preservar a nossa imagem pro próximo Big Brother, afinal de contas, pode ser a única chance de ganhar uma grana preta, já que a gente não teve a idéia brilhante de produzir um filme contando a vida da Rita Cadillac).

Depois de toda essa confusão, o resultado é que vou ter que escrever uma crítica sobre Bate Man. Justo eu, que fiquei encolhidinho de medo no teatro, tentando não respirar aquela fumacinha estranha e receoso que o Gerald não parasse de aterrorizar a platéia. Contra mim ainda estava o fato de que três meses se passaram desde que vi a peça. De qualquer forma, encarei o desafio de frente: recorri a algumas sessões de hipnose, de regressão, sessões kleinianas de psicanálise, arterapia e até feng-shui (numa tentativa desesperada de que as palavras se ordenassem sozinhas). Depois de tudo isso…

BATE MAN – UMA CRÍTICA

Bate Man é, antes de tudo, um espetáculo para suscitar sensações e reflexões em seu publico. Múltiplos elementos são apresentados de maneira quase desordenada, gerando diversas possibilidades de leitura.

Esta multiplicidade de elementos é vista logo que o espetáculo se inicia. Pequenos focos de luz vão revelando partes do cenário: uma cadeira, baús, garrafas e mais garrafas de vinho. Quando finalmente vemos Marcelo Olinto (o único ator em cena), ele está imóvel, de cabeça para baixo. Ouvimos um som de chicotadas e este som começa a reverberar no corpo do ator, como se a personagem estivesse sendo submetida a uma sessão de tortura. Quando ele se endireita e fica de pé, vemos que seu corpo está coberto de um líquido vermelho. Seria este o vinho que preenchia parte daquelas garrafas que estão por parte? Ou seria o sangue proveniente da tortura? A personagem revela um pequeno desejo “Um champanhe agora não cairia nem um pouco mal” e em seguida bebe champanhe e se divide entre o prazer que surge do fato do champanhe borbulhar e a dor que se espalha pelo seu corpo, conseqüência da tortura que lhe havia sido infligida há pouco.

Ele começa então a analisar as garrafas que estão no cenário e uma série de paralelismos começam a ser efetuados. A primeira garrafa analisada é de uma safra de 1933, do “ano da ascensão”, como nos é informado. A personagem bebe um gole da garrafa para exclamar em seguida, horrorizada, que não se trata de vinho, mas de sangue humano. É a deixa para que entre em ação uma forte luz vermelha, deixando o ator e todo o cenário com uma coloração avermelhada e tentando causar um forte efeito dramático. Na seqüência, uma outra garrafa é identificada como pertencente a uma safra de 1945 e o paralelismo se completa: 1933 e 1945, “a ascensão e a queda”, como diz a personagem.

Em seguida, um baú cheio de latinhas de caviar é encontrado, o que leva à conclusão de que a tortura vale a pena, pois nas palavras da personagem “vale a pena se calar e ter os seus direitos castrados, raptados e seqüestrados pois, ao final de um regime filho da puta, você sempre tem comidas e bebidas ótimas”. Trata-se de uma conclusão bem polêmica e que tira a platéia do seu conforto, forçando-a a refletir sobre o que está ouvindo.

Outros momentos, por outro lado, parecem bem duvidosos: em uma cena, um vestido cai do teto. A personagem analisa a peça de roupa e revela, extasiada: “Gente! Isso é um John Galliano! Isso é Couture!” Ela coloca o vestido, pede ao “DJ” uma música e começa a desfilar ao som de uma batida eletrônica, fazendo pivôs que são recebidos com gargalhadas pela platéia. Entra então, em off, a voz de Gerald Thomas “Rápido, Olinto! Anda Rápido, Olinto! Corre!” e Marcelo Olinto corre enlouquecidamente de um lado para o outro. Em determinado momento, o estímulo sonoro se abranda e passamos a ouvir Gerald pedindo “Corre Bonitão!! Corre Bonitão!!”. Marcelo corre mais e mais, enquanto a iluminação cria um efeito de luz estroboscópica no palco. Por fim, depois de muito correr, a personagem cai no chão, exausta. Fico sem entender se essa cena tem por intuito gerar alguma associação entre Gerald Thomas e um ditador, entre o fazer teatral e alguma forma de tirania ou de submissão, ou se o intuito é somente fazer a platéia dar risada e criar um momento discothèque na montagem.

Como dito anteriormente, Bate Man é, antes de tudo, um espetáculo para suscitar sensações e reflexões em seu público. A montagem não se apóia em uma linha dramatúrgica linear, uma vez que inúmeros elementos são lançados sem que haja uma ordem natural ou qualquer relação de causa ou efeito. O resultado é que, enquanto parte da platéia tem o seu imaginário e o seu inconsciente estimulados pelo que está vendo, outra parte parece se desconectar completamente da peça. São tantos os elementos que compõem a montagem que, enquanto muitos surtem efeito e geram reflexões importantes, outros parecem estar ali de maneira artificial e forçada. De qualquer jeito, é bem provável que todos tenham saído do teatro com ao menos uma reflexão para ser digerida durante as horas seguintes.

1 monte de garrafa de vinho sem safra definida (enquanto outras vão esquentar nossas noites)

'1 comentário para “Bate Man”'
  1. Lúcio Jr disse:

    Oi, Marcelo. Gostei bastante, principalmente a questão da voz do autor, que ficou em aberto.

    Talvez GT conceba o autor como um ditador “do bem”, não sei…

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