Cacilda!! Estrela Brazyleira a Vagar

Críticas   |       |    1 de dezembro de 2009    |    7 comentários

Vagando pelo teatro

Cinco minutos antes de começar o espetáculo, as pessoas aglomeradas no hall do Teatro Oficina abrem um corredor pra um velhinho sorridente com uma mala na mão, aparentemente atrasado, que quase entrando grita:

РUm grande viva ao p̼blico!

E todo mundo responde:

– Vivaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!

Se eu fosse um jornalista do EGO diria:

Pessoalmente, Zé Celso, antes de entrar em cena, parece muito com aqueles tios-avôs solteiros, que foram professores ou bancários a vida inteira, que moram nas casas de nossas avós e só têm três preocupações na vida: escolher uma meia que combine com o cinto, folhear o Estadão e decidir qual disco de vinil colocará pra tocar na hora do almoço.

Olhei bem nos olhos do Zé Celso e joguei uma maldição, pra ele perder a voz temporariamente caso começasse um dos seus famosos monólogos de meia hora. Não sei se funcionou, o fato é que durante a apresentação ele não abriu muito sua boca.

Então, com dez minutos de atraso (o que no saldo final faria com que a apresentação terminasse dez minutos a mais do horário previsto, preocupando esse mineiro que tem medo de andar de madrugada por São Paulo) as portas da esperança se abrem, revelando os atores se preparando com umas malinhas abertas, lembrando pequenos camarins individuais. A excitação de um iniciante naquele espaço, que esperava ser recebido por um monte de gente nua, cantando e bebendo vinho, como reza a lenda do imaginário teatral brasileiro, foi nula e se restringiu a correr para pegar um bom lugar em uma cadeira com estofamento.

Se eu fosse jornalista da Revista Casa Vogue diria:

As cadeiras de madeira, hiper-mega-desconfortáveis, da ilustre italiana apaixonada pelo Brasil Lina bo Bardi, recheadas de intenções de discurso, são um luxo para o seu Living, mas garantem um design nada agradável pro seu glúteo após seis horas de espetáculo.

Na platéia uma turma que estacionou o ônibus na Jaceguai com a placa de Brasília se animou quando, no prólogo, depois de todas as recomendações básicas de como assistir um espetáculo naquele teatro (não bater palmas durante as músicas, fazer alguma participação voluntária, não reprimir os desejos mais obscuros, etc.), agradecimento às empresas que patrocinaram o espetáculo e depois do evoé do Zé Celso, uma atriz falou que era permitido fotografar, desde que sem flash. Nesse momento, milhares de jovens sacaram máquinas digitais de suas mochilas e começaram a registrar cada momento do espetáculo. Pra não ficar de fora, saquei minha maquininha humilde perto das revoluções tecnológicas dos coleguinhas vizinhos de poltrona, e fiquei boa parte do tempo fazendo fotos que não vão servir pra nada, com uma máquina ruim pra caramba, perdendo um monte de coisas que aconteceram enquanto ficava regulando o flash, zoom e lente. Por um lado, as minhas brigas com a câmera permitiram outro tipo de experiência: se em determinado momento a atenção se desviava, perdendo parte do texto cheio de barroquices que saía freneticamente da boca dos atores, ganhava em detalhes que no meio de uma profusão de coisas só seriam notados se eu voltasse ali mais umas quatro vezes.

Se eu fosse a Lenise Pinheiro diria:

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Assistir um espetáculo num espaço carregado de história como o Teatro Oficina, cheio de cantinhos e coisas pra descobrir fez com que minhas primeiras três horas de espetáculo tivessem um ar nostálgico de “saudade de um tempo em que não vivi”. Em meio àquelas cenas, com uma dramaturgia marcada por uma poesia rebuscada, cheia de metáforas, figuras de linguagem, sinestesia, enxertos e referências mil, que refletia sobre o teatro brasileiro pela ótica da vida da diva Cacilda Becker, me coloquei a imaginar aquele espaço durante as apresentações de O Rei da Vela, os militares invadindo as apresentações no período da ditadura, as viagens de ácido num espaço abandonado quando o Zé Celso volta do exílio, a italiana Lina bo Bardi entrando no galpão da rua Jaceguai não para fazer um cenário, mas pensar um espaço onde pudesse acontecer uma teatralidade calcada na antropofagia oswaldiana.

E entre aquelas cenas metalingüísticas, que misturavam a história do teatro brasileiro, a história da Cacilda e a orgia evoé-baco-teatral, o Zé ficou sentado no primeiro pavimento dos andaimes, mexendo o tempo inteiro no seu computador, rindo das piadas e fazendo careta quando um ator deslizava em alguma cena. Será que ele estava seguindo o texto, como aqueles pontos de antigamente, ou só estava vendo um site pornô, fazendo compras no Mercado Livre ou falando no msn com o Antunes?

Minha bunda, que estava dormente por ficar sentado tanto tempo agradeceu quando os atores iniciaram o intervalo.

Durante o intervalo, se eu fosse da família Amorim, o Senhor Dinheiro do Fantástico diria:

Cacilda é uma atriz que influencia a bolsa da NASDAQ. Com seu nome no novo espetáculo do Oficina, os comes e bebes vendidos na porta do teatro foram hiperinflacionados, chegando uma taça de vinho a custar R$5,00 e um saquinho de pipoca R$3,00. Como você já gastará R$40,00 no ingresso (numa peça com o patrocínio da Petrobras, é melhor economizar no lanche e levar de casa um marmitex com algum lanche bem reforçado, pra poder agüentar as seis horas e meia de teatro.

O público pôde enfim entrar no meio da bagunça e dançar funk, carnaval, gritar, xingar, beijar os atores, tirar fotos com flash, lógico que tudo muito controlado. Não sei se a platéia no dia era meio tímida e ninguém resolveu ir contra as ordens e interagir com a cena quando bem entendesse, mas eu fiquei com uma vontade enorme de ter aberturas para esse tipo de intervenção e ver a galera tirando a roupa quando Cacilda dá a luz ao teatro, ver gente correndo pra fora do teatro quando todos os atores saem do prédio e vão pra rua (e as imagens são transmitidas por câmeras), ou até mesmo pegar um microfone e começar a cantar junto com a banda.

E depois de seis horas, quando a Cacilda pariu, todo mundo tirou a roupa e os tambores tocaram, o público se olhou e pensou: “Pronto acabou, né, hora de aplaudir?”. E as palmas foram interrompidas por um Hamlet que descia de um andaime por uma escada. Se aquele não tinha sido o grande final pensado pelo grupo, pra mim já tinha dado. Eu já era a própria caveira do Hamlet e mais meia hora de espetáculo poderia acabar com todas as experiências do dia. Subi as escadinhas, passei pelo camarim e saí silencioso pela escada caracol.

Se eu tirasse o Zé Celso no amigo invisível do Oficina com já saberia qual presente dar pra ele: uma tesoura.

182 pessoas descendo até o chão. chão-chão-chão

'7 comentários para “Cacilda!! Estrela Brazyleira a Vagar”'
  1. Roberto disse:

    Quem é Emiliano Freitas?
    E COMO vcs deixam passar um post deste?

    Por favor, foi um despazer ler isso. Colocar alguém que não entende nada de teatro, mas é pretencioso ao achar que entende demais por conhecer nomes de, no máximo, meia dúzias de títulos de peças antigas, é uma grande falha do site.
    Escritor arrogante e, acima de tudo, ruim.

    Vcs precisam baixar guarda. Leiam um pouco mais pra saber do que falam.
    Vcs tem potencial, até dá pra perceber.
    Só é preciso cuidado nos julgamentos sobre peças. Mas tbm é necessário apresentar a crítica, julgar, e não ficar preso a detalhes rídiculos (“Será que ele estava seguindo o texto, como aqueles pontos de antigamente, ou só estava vendo um site pornô, fazendo compras no Mercado Livre ou falando no msn com o Antunes?”… Oi?)
    Chego aqui para ler sobre Cacilda e me deparo com um monólogo sobre a bunda da pessoa que escreveu o texto.
    Por favor, poupem os leitores.

    Obrigado.

  2. Emilliano Freitas disse:

    Oi Roberto, Emilliano Freitas sou eu! Satisfação!
    Isso não diz muita coisa, mas tb não era pra dizer, afinal eu tb não sei quem é vc e isso não faz muita diferença pra mim. A única coisa que pode fazer alguma diferença é a troca de informações e como essa troca se potencializa.
    Não sei como vc tira conclusões assim de que eu não entendo nada de teatro. Será mesmo? Esses julgamentos nos comentários da Bacante já tão parecendo as desculpas do Quico que acabava com a brincadeira do Chaves e da Chiquinha gritando: “Você não vai com a minha cara!”.
    Se eu fosse o Seu Madruga diria “Nem eu com a sua”, mas o fato não é esse. É mais fácil falar que a gente não entende nada de teatro a discutir qualquer coisa.
    Quanto a ler sobre o que falo, se quiser mande uma bibliografia pro meu potencial ir às alturas. A gente podia até trocar livros. Além dos de teatro tenho ótimos de ficção cientifica, arquitetura, psicologia, sexo, HQ. E a cada dia percebo que aprendo até mais de teatro com eles do que vc possa imaginar (no Kama Sutra então nem se fala!).
    O que seriam detalhes ridículos? A peça está contida no texto que sai da boca dos atores ou aquele espaço fantástico que é o Teatro Oficina recheado de surpresas, como as cadeiras duras e o Zé no computador, deve ser desprezado?
    Quer uma crítica normativa, onde há julgamento, vc sabe onde encontrar.
    Como deixaram passar um post deste já é outra coisa. É quase como dizem por aí, tenho amigos influentes, fiz um teste do sofá, sou um rostinho bonito, conheço umas pessoas no ministério da cultura, tomo cerveja com gente que sai na Bravo, essas coisas inexplicáveis.
    Prometo que da próxima vez faço um monólogo sobre outra parte do corpo menos obscena. Quem sabe não atrapalho o potencial, que ATÉ dá pra perceber.
    Obrigado!

  3. Juli =) disse:

    Pô, Roberto, ninguém deixou esse palhaço postar aqui, não! Acontece que essa “grande falha” do site é, justamente, a nossa proposta: todo mundo e qualquer um pode escrever aqui, sem ninguém ter que deixar “passar”. Todos que estão envolvidos na Bacante dão sugestões nos textos e também qualquer pessoa tem o direito de fazer um texto que rebata o primeiro, como já aconteceu por aqui muitas vezes. Isso causa alguns deprazeres e outros muitos prazeres. A idéia, aliás, é expandir essa diversidade o máximo possível. Espero que tenhamos sucesso nessa ampliação pra que isso fique mais evidente e espero também que, no meio dessa mistura, você também encontre algum prazer, alguma identificação. E, se vc mesmo quiser participar, bem-vindo!

    Abraço,
    Juli =)

  4. Carlos disse:

    Concordo, na maior parte, com o Roberto.
    Os detalhes, como disse Emiliano, não devem ser desprezados. Mas a peça em si foi deixada de lado, o escritor, ao se colocar demais no texto, deixou o espetáculo de lado para vomitar seus achismos.

    Particularmente eu não gostei de Cacilda. A peça está confusa e exaustiva. E gostei menos ainda desse post. Enfim.

  5. Emilliano Freitas disse:

    Olá Carlos,

    Não querendo justificar, mas já justificando, achismos são diferentes de impressões. Às vezes as impressões (e piadas) sobre o momento podem refletir muito sobre a peça (mesmo não falando tim tim por tim tim dela). Pode parecer ego trip fazer um monólogo sobre minha bunda, como disse o Roberto, mas pra mim diz muito mais do que adjetivos como confusa e exaustiva. Tem muita gente que não deixou a peça de lado pra escrever sobre, mas deixaram tantas coisas…São pontos de vistas, e a diversidade de olhares sobre o espetáculo gera diferentes conversas.
    A Bacante está aberta a novos olhares. Sinta-se convidado!

    Enfins.

  6. Astier Basílio disse:

    Eita, primo.
    Vontade de uma boa digressão.
    Como o mundo está ficando um lugar careta.
    Os caretas venceram.
    Estão no poder, fazendo leis.
    Colocando placa de pare no carnaval dos outros.
    Não fumam? Não se contentam em
    vangloriar-se de tal façanha saudável.
    Querem impor o bem estar e a saúde
    na marra por meio de leis.
    Quem não sai na noite,
    quem não frequenta bares é quem quer
    regular essa atividade.
    Como o século XXI está se parecendo com o século XIX.
    Como a pedra de toque de muitos artistas é o parnasianismo;
    é a arte pela arte, a alienação do que não seja
    um observação do objeto em si.
    E o discurso é de terra arrasada: tudo já foi dito,
    tudo já foi vivido, tudo já foi falado.
    É uma cartilha repleta de demarcações,
    de fronteiras.
    Quem assiste a um filme vê todos os filmes que viu
    antes e estabelece a sua relação de diálogo,
    valoração, gosto.
    Quem lê uma crítica, traz dentro de si um modelo,
    uma expectativa. É incômodo quando se estabelece
    uma ruptura numa cadeia produtiva em que a crítica
    ocupa o lugar da valoração, algo como o inmetro,
    em que a peça de teatro é produto
    e os críticos nada mais do que pessoas dotadas
    de saber livresco e poder de assinatura
    para emitirem seus juízos de valor.
    Possibilidade de explodir com isso?
    É o que se faz aqui. É o exercício de errar junto,
    de comemorar o acerto. Ou. O de não se buscar nem um nem
    outro, mas o de se congraçar no diálogo.
    Na festa que é deixar que o espetáculo peça sua abordagem.
    Na possibilidade de fazer da crítica
    um lugar inventividade e de criação.
    Exigir da crítica, como disse o Graieb na Veja um tempo atrás,
    o mesmo papel de: destruir reputações, revelar talentos
    ou causar polêmicas, é algo que a Bacante passa ao largo.
    Acho que é o que se quer aqui, de acordo com alguns comentários
    muito comuns. É o que o Graieb defende (http://www.revista.agulha.nom.br/graieb05.html)
    Um retorno à figura do século XIX. Expectadores do século XIX,
    leitores do século XIX, críticos do século XIX…
    É tão difícil entender que é opção e não falta de leitura, de cultura,
    Prescindir de um receituário técnico, estilístico
    que vise a satisfazer leituras conservadores
    que se por um lado cumprem o seu papel na cadeia
    produtiva – ou melhor, cadeia alimentar –
    são exercícios.
    É tão fácil enganar quem espera da crítica
    os lugares de sempre. Os discursos de sempre.
    É tão difícil conseguir compreender que leitura,
    cultura não são códigos fechados e previsíveis,
    algo como receita de bolo ou ementa de curso.

  7. Mateus Schimith disse:

    Começo dizendo que o conhecimento em Arte é algo muito subjetivo para se julgar se alguém pode ou não escrever uma crítica, como feita a cima. Dizer que somente uma pessoa “especializada” pode criticar uma obra é situar o conceito de estética a um período muito restrito que não é tão vasto quanto a arte, principalmente no fazer artístico contemporâneo (me refiro, no teatro brasileiro, do período da ditadura à atualidade).

    Sigo dizendo que de fato o texto proposto não cumpre com o que o Roberto veio buscar: o de saber sobre o que e como a peça é. O que ele precisa entender é que a ausência de uma narrativa que ele notou na crítica é um reflexo da ausência da mesma no espetáculo. Fato que para uns é exaustivo e etc… de fato é. É porque tem que ser assim.

    O que Emilliano fez, talvez um pouco exageradamente piadista, foi o que acredito ser o caminho atual da crítica estética do espetáculo: o da subjetividade. Essa é a opinião dele e pronto. E por falar em Bunda, tem o famoso ditado: opinião e bunda cada um tem a sua.

O que você acha?

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