Calígula

Críticas   |       |    24 de março de 2009    |    12 comentários

O imperador não está nu

Fotos: Henrique Araujo / CLIX

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Quando terminou o espetáculo Calígula, para um público que em sua maioria o ovacionava, Thiago Lacerda disse, “vida longa ao Imperador e viva o Festival de Curitiba!”. A pergunta que me pegou de jeito, quando eu voltei pro hotel, foi: quem é esse Calígula que Thiago Lacerda pôs em cena com direção de – ninguém menos que – Gabriel Villela?

Albert Camus escreveu Calígula em 1938, há sete décadas. No mesmo ano em que Hitler realizou a “noite de cristal” em que começou pra valer a barbarizar com os judeus. No ano seguinte, a França seria ocupada pelos nazistas. O recado de Camus era bem certo: havia um louco em busca do controle do mundo. Quando a peça termina (atenção, aqui tem um spoiler, prossiga se quiser, a responsabilidade é sua), após ser morto a pauladas, o imperador ergue sua face ensaguentada e diz: Calígula está vivo! Não é à toa que a primeira montagem seja de 1945, ano em que a Segunda Guerra Mundial termina e quando Hitler morre.

Eu não conhecia o texto de Camus. É uma peça com uma densidade política aguda. Mais que apresentar um louco babando, armadilha em que caiu a atuação de Tiago Lacerda, Camus escancara a pornografia do poder. A grande metáfora do espetáculo, ao menos pra mim, foi essa.

Agora, vem cá, Calígula está vivo segundo Camus, mas e segundo Lacerda/Villela, dá pra afirmar a mesma coisa? O que é que se diz com essa montagem? Vamos pensar no que seja vivacidade teatral, então. A resposta é sim, caso você acredite que vida para um espetáculo seja: a) exibição de cenas – a utilização diversificada do coro, com um grito de ópera em playback e os atores fazendo máscaras; b) virtuosismo- a pintura do corpo nu de uma mulher representando a deusa Vênus. Além de um figurino deslocado, encontrando elementos atemporais em roupas do dia-a-dia, um cenário imponente e, como diz a Bárbara Heliodora, uma “luz correta e adequada”.

Eu não posso falar por todo mundo e por mais que eu não queira cair em juízos de valor sem sentido, as questões que me vêm são as seguintes: um teatro vivo pra mim tem que estabelecer uma comunicação com o tempo em que se insere, tem de ir além de assimilação de elementos estéticos, tem de consorciar “o que dizer” ao “como se diz isso”.

Camus mostra que não havia apenas um doido de pedra controlando o mundo. Havia uma engendrada corrupção no senado. Uma conivência entre o tirado e os representantes do povo romano. O espetáculo Calígula surge num momento em que os escândalos no senado brasileiro estão a toda. É, ou ao menos era pra ser, o Calígula do período em que dobradinha Renan Calheiros/Sarney deita e rola na República de Brasília. Há alguma referência ao nosso senado, igualmente pornográfico como o senado do tempo de Calígula? Há umazinha só, mas tão sem cheiro e sem endereço certo que se perde e até parece atirar pra lugar nenhum.

Não lembro agora, me perdoem os leitores se falho na referência, mas tenho pra mim que François Truffaut escreveu em O Prazer dos Olhos uma série de artigos sobre Orson Welles no qual ele falava sobre a categoria do “ator Rei”. A alusão é à peça dentro da peça de Hamlet, em que um ator interpreta um monarca. A referência é tomada de empréstimo para situar a categoria de atores que tem a dimensão cênica de interpretar um rei, nela incluso Orson Welles, que fez Macbeth no cinema e que tem uma carreira no teatro obscurecida pelo seu talento no cinema. Tanto é que Truffaut analisa alguns enquadramentos de cima pra baixo, para realçar a realeza do ator rei. Thiago Lacerda não joga nesse time do Welles, mas inaugura outra categoria, a de ator-imperador. Toda a encenação – os atores todos são mais baixos do que ele – curva-se para fazer um boquete no global. Literalmente. O espetáculo é Tiago Lacerda. Vida longa ao Imperador.

1 citação da plateia: “ele mostrou que não é só um rostinho bonito

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Ps. Sim, o Tiago Lacerda não fica nu. Tem uma pagação de peitinho, mas é de uma tiazinha lá.

PPs: Leia também a crítica de Marco Albuquerque.

'12 comentários para “Calígula”'
  1. Só vc mesmo primo pra chamar a Magali Biff de “tiazinha lá”! hauahauahau

  2. tatyana disse:

    o thiago lacerda,com essa peça,está se achando ‘o ator’……voltou a dar entrevistas malcriadas pros jornalistas,do tipo,’eu nao sou gala’,’to cagando e andando pro que pensam da peça,’dentre outras coisas….

  3. jaime cruz disse:

    Não acho, o Thiago Lacerda, um bom ator.
    No teatro é um cumulu do absurdo….

  4. Ronaldo disse:

    Asisti ontem à peça Calígula , e , para mim , foi perfeita ! Faço um curso de teatro, e este ano estudo Brecht , aí , que foi mais maravilhoso ainda, pois o espetáculo é inteiramente Brestiano … A interpretação dos atores é suprema …todos ! E a simplicidade , educação e o carisma , pois pude conversar com todos do elenco , inclusive com o Thiago , falar sobre a peça , enfim, isso é um pouco raro, pois ultimamente, falo de Ribeirão Preto, todos que lá estão se apresentando , não estão recebendo ninguém…estão simplesmente indo embora …. então …foi realmente um dia muito bom para mim ….valeu Calígula!!!

  5. Astier Basílio disse:

    pô, Ronaldo,
    q bom q o Calígula recebeu vcs,
    então.
    E ruim qdo não se recebe, né?
    Mesmo que ir em sessão
    de macumba e o santo não baixar,
    rolar um problema de conexão.
    Mas, sério.
    Cê tá estudando Brecht?
    Bacana, então, vc deve estar ligado no contexto histórico
    em que a dramaturgia e a proposta dele tá inserida,
    q não é um mero jogo de assimilação de elementos,
    o teatro épico tem, claramente, um programa, um marcar de posição contra a burguesia…
    ih to falando demais, e talvez chovendo no molhado,
    até pq tu tá estudando o cara, então.
    E por falar em ser ou não ser brechtiano,
    outro dia eu tava assistindo no Fantástico aquele quadro do Evandro Mesquita e da Fernanda Torres, o Bicho Homem.
    Pô, e não q os caras tão são brechtianos?
    Engraçado, como o capitalismo é foda.
    Consegue assimilar e transformar em produto
    até aquilo que, em determinado momento, se voltou contra si próprio. Não vê os hippies, como movimento, cuja estética
    foi assimilada pelos caras. O mercado é foda.
    Mas esse papo tá chato,
    e aí, como foi o papo com os caras?
    O Tiagão deve ter até aceitado tirar foto contigo
    e tu, todo pimpão, deve ter até criado um álbum novo no orkut: “eu e o Tiago Lacerda”, ou “eu e o elenco de Calígula, tô podendo!!!!”.
    Na boa, abração e que bom q vc curtiu a peça, q ela falou pra vc, isso é o q é mais importante e merda pra vc no curso.

  6. Astier Basílio disse:

    correção:

    “Fernanda Torres, o Bicho Homem.
    Pô, e não [é] q os caras [s]ão [t]ão brechtianos?

  7. RR disse:

    Olha, estou me perguntando até agora, dez meses depois que via a peça, que diabos é aquela boca aberta do Thiago Lacerda? Ele não decepcionou, mas não é nada genial. Aliás, aquela história de colocar a mão na boca aberta toda hora é uma muleta sem nenhum sentido. Na infância me acostumei a visitar manicômios, onde tinha um tio internado. Nenhum dos doentes ficava chupando os dedos com a boca aberta. Certeza!

  8. astier basílio disse:

    Рe o q diabos ̩ aquela musiquinha da Piaf no final
    – o que é aquela saudação à la hay Hitler dizendo “Calígula está vivo!”
    Р̩ o que ̩ aquele ator gordinho com rosto pintado de verde fazendo brincadeirinhas pra chamar aten̤̣o.

    ***
    Ô sea… também tenho, ainda, perguntas.

  9. Cleomir Tavares disse:

    Simplesmente FANTÁSTICA a interpretação do Thiago Lacerda. Me surpreendeu e muito. Ele é uma mistura do Calígula, Hitler e o Coringa. Muito bom!!!

  10. cezar disse:

    Achei a atuação fraca: a mistura de texto declamado, antes que atuado, antinaturalismo e elementos circenses tornados pós-modernos acabam não constituindo a peça: boa parte das coisas aparece como gratuita. A única coisa que de fato é soberba é o texto, e quase tudo: vozes, atuações, cenografia, figurino, luz não agregam valor, ao contrário. Boa tentativa, resultado aquém…

  11. Cynthia Lopes disse:

    Adorei o seu comentário!!! Fui assistir ontem a peça que está em cartaz no RJ, foi exatamente o que senti, ai que bom ter este espaço de discussão! Porque todos os que foram comigo acharam a peça o máximo, menos eu, que já conhecia o texto de Camus e sabia das implicações históricas, filosóficas e políticas do drama. É interessante notar que o global da vez, Thiago Lacerda fez esta montagem agora, em 2010 e que, em 1990, o global Edson Celulari, representou o mesmo personagem, mas tenho impressão que pela polêmica que causou deva ter sido uma peça com muito mais conteúdo político e imaginativo. Vc tem alguma informação sobre esta montagem?

  12. LC disse:

    É um plágio barato de Heath Ledger com profundidade de um chafariz de praça.

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