Ele precisa começar

Críticas   |       |    23 de março de 2009    |    2 comentários

Diário de um carnaval de três meses – capítulo 2

Ainda um pouco ego-trip, mas já curando.

Fotos: Divulgação

Prólogo do Prólogo
Eu gostaria de radicalizar com essa crítica a forma “nelson-de-sá” de escrever, relatando só a minha experiência pessoal no contato com os trabalhos de Felipe Rocha. Mas com o tempo, fui notando que isso seria somente um subterfúgio pra não colocar minhas impressões sobre Ele precisa começar. Então vamos parar de falar da forma e partir logo pra crítica.

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Prólogo
Sabe aquela coisa de você procurar uma forma que dialogue com a peça? Pois é, numa peça (num espetáculo) que trata de um autor à procura de um começo… Bem, é esse o clichê dessa crítica. Entendeu?

Crítica
No riocenacontemporanea de 2007, participei de uma oficina com Tim Crouch, autor e diretor de My Arm e An Oak Tree. Na mesma oficina estava Felipe Rocha, ator que eu conhecia pelos trabalhos na Cia. dos Atores, mais especificamente Ensaio.Hamlet e Gaivota РTema para um conto curto (esse ̼ltimo um quase-off-cia-dos-atores).

Felipe disse, ao cabo da peça, que o texto começou a ser escrito há um ano e meio. Pelas minhas contas, o ator estava começando a escrever Ele precisa começar no período dessa oficina.

E esse filtro me impede de pensar a peça atual de Felipe sem ser em relação com a obra de Tim Crouch. Isso porque muito do que ele coloca no trabalho cênico atual também está relacionado com a incompletude proposta por Tim Crouch. Novamente somos recepcionados por um ator que não parece estar “preparado” para a peça. Sabe aquele coisa stanislavski-grotowskiana? Sabe espetáculo de mímica? Então, meio que a aura do ator que fica horas antes da peça ajustando seu corpo para interpretar um personagem, tem isso não. Talvez também porque Felipe tenha que adaptar um pouquinho a peça a cada público. Também porque fica claro que naquele personagem escrito e interpretado por ele tenha MUITO dele mesmo.

Algumas das lógicas dos jogos se repetem. Tim Crouch brincava com o fato de um ator não saber o que acontecerá na seqüência, usava objetos da platéia como personagens. Felipe prepara xaradas, faz acordos de participação com o público, convida a participar, não a interagir.

E a história é tão, mas tão maluca, que não dá pra dizer que aqui haja influência direta de Tim Crouch. Isso porque a dramaturgia do inglês tendia à catarse (sim, aquela mesmo). Felipe coloca pausas grandes em que revela as entranhas de sua própria montagem. Momentos em que se espera, simplesmente, aquela pessoa ali na frente arrumar tudo, porque uma cena será apresentada na seqüência.

O que guardo dessa montagem é o tempo presente. O encontro ali mesmo. A sensação de que estamos acompanhados no momento em que Felipe coloca sua história pra acontecer. Dá até pra esquecer que estamos no Sesc Consolação de vez em quando. O que não quer dizer que ele próprio não vá te lembrar.

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Simplicidade. Menos é mais (adoro um clichê do mundo da moda). Enfim, essas coisas que a gente procura pra encontrar verdade nas palavras do ator no palco. Senti falta, no entanto, de que essa proposta formal deixe de falar do indivíduo, mas dê conta de um tempo. A peça do Felipe me levou diversas vezes à pergunta “mas o que ele quer com isso?” (se me lembro bem, ele mesmo faz essa pergunta ao longo da peça). Por sorte, na maior parte das vezes a resposta foi inexata. Mas essa presentificação, que tantas vezes vemos em espetáculos de rua, ou de palhaço, parece estar voltando ao teatro da caixa preta, da sala fechada e lugar demarcado. Sinal de alguma variação, ao menos. Mas definitivamente alguém, talvez o próprio Felipe, tem que experimentar essa forma pra pensar alguma contradição do nosso tempo e não do tempo do indivíduo, que não existe, que é uma abstração, uma imaterialidade. Alguém tem que começar.

4 participantes involuntários na platéia

'2 comentários para “Ele precisa começar”'
  1. Felipe Rocha disse:

    Oi Fabrício,

    adorei o texto, muito obrigado!

    De fato, eu comecei a escrever a peça umas duas semanas depois daquela oficina, totalmente contagiado pelo encontro com o Tim Crouch, não só (e muito) no campo estético (nas suas experiências sobre o diálogo entre narração, ação e imaginação),mas também no campo pessoal, quando ele falava do ponto em que chegou, aonde precisou ser autor dos seus trabalhos.

    Um abração,

    Felipe.

  2. Fabrício Muriana disse:

    Po, agora lembrei dessa conversa também.
    Algo sobre como ele não acreditava mais naquele teatro que ele próprio estava fazendo antes de partir pros trabalhos solo. O lance da ultra-preparação física e a desconexão com a platéia.
    Realmente há uma série de semelhanças entre as carreiras. Mais até do que tinha pensado qdo escrevi a crítica.
    Muito legal ter seu comentário aqui, Felipe.
    Apareça!

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