Francisco Alves – Rei da Voz
Museu de tudo
Fotos: Divulgação
Alguém sabe o e-mail do vô Eric Bentley? É que eu queria perguntar uma coisa pra ele. O Bentley dizia que o crÃtico de teatro de jornal tinha de escrever sobre tudo mesmo que não fosse sobre teatro. Se eu conseguir escrever pra o Bentley que, apesar dos 93 anos, ainda está bem na fita (veja uma palestra dele aqui), eu queria perguntar se depois de assistir a uma peça, mesmo que não haja teatro lá, a gente deve escrever.
Bentley é autor de vários livros sobre teatro, entre os quais O Dramaturgo como Pensador. No tempo que era crÃtico de teatro, Paulo Francis o tinha como guru. Não sei se nas aulas que Francis tomou do Bentley foi mencionado algo como o que fazer depois de receber uma cusparada no rosto na saÃda do teatro. (Pequeno detalhe digressivo, mas nem por isso menos importante; no link que coloquei sobre o lance do cuspe, aà atrás, a matéria de Mary Persia da Folha diz que “Mais tarde, Francis, em sua autobiografia, afirmou que se arrependia de não ter feito as pazes com Autran. Sobre os textos a respeito de Tônia Carrero, porém, o crÃtico afirmou que, do ponto de vista jornalÃstico, ‘estavam corretos’ “. Bueno, eu li a autobiografia dele, Afeto que se encerra. Francis realmente escreve isso que a Mary diz, mas retirado do contexto, o trecho ganha um sentido beeeem diferente do que quis dar o autor da frase. Acho que a edição que a Mary Persia leu estava faltando a página 126, seguinte ao trecho que ela citou, onde Paulo Francis, continuando o raciocÃnio, escreve: “O artigo é sórdido, imperdoável, uma das mais pungentes vergonhas da minha vida, porque pessoal, mesquinho, deliberadamente cruel, sem que houvesse motivoâ€. É por estas e outras que dá até pra sugerir um acréscimo ao slogan do famoso jornal: Folha, não dá pra não ler sem consultar outra fonte).
Eu costumo dar voltas, dobras. Sou meio barroco. O pessoal da Bacante sofre pra editar, acho que os que me leem também sofrem pra ler. Mas é que minha cabeça é meio biruta (o instrumento, não o adjetivo) : é só perceber uma brisazinha já fica mudando de direção. Mas, voltemos. Fui assistir ao musical carioca Francisco Alves – o Rei da Voz e me lembrei do que Aristóteles dizia lá na sua Poética: o teatro é imitação de ações. Os personagens agem. Fazem alguma coisa. Fui à Wikipédia pra me informar sobre o que seja “teatro musical†e logo na primeira linha me dizem que: “Teatro Musical é um estilo de teatro que combina música, canções, dança, e diálogos faladosâ€. Eu não queria revelar logo de cara, queria manter um suspense, mas a peça tinha uma mulher falando sobre a vida e a obra de Francisco Alves e, logo em seguida, um cara cantando as músicas dele, sem combinação entre música, dança, nem diálogos falados.
Assim que cheguei, notei no público muito rostos desconhecidos. Pode parecer pretensão minha, mas tem até uma comunidade no Orkut que é assim “João Pessoa é uma vilaâ€. Logo, quem vai muito ao teatro em terras tabajaras como eu, meio que conhece algumas figuras que costumam dar as caras. Então, parecia que eu estava numa reunião do Clube da Melhor Idade. Tinha uma senhora, muito sorridente por sinal, que durante todo o espetáculo tirou fotos. Detalhe: a máquina dela tinha um poderoso flash. Duas pessoas na primeira fila ergueram o celular e ficaram filmando o tempo todo.
São três músicos em cena. Um ao piano, outro com clarinete e um com violão. A mulher entra. Parece cerimonial de formatura. Ou de concurso de miss. Parece propaganda de obras de governo. Ela imposta a voz e começa dizendo. “No ano dia 19 de agosto de 1898, o mundo via nascer…â€. A cerimonialista, ops, a atriz contextualizava as coisas que estavam acontecendo no mundo, co-relacionando-os à vida de Chico Alves, tipo a primeira guerra, Santos Dumont dando a volta na Torre Eiffel. Pouco tempo depois, entra o ator Eduardo Cabús – uma mistura de Mão Santa com Clodovil.
Daà pra frente o espetáculo seguiu uma linha irrepetÃvel: bloco de, mais ou menos, 5 canções seguido de plantão informativo da senhorinha. Até dentro dos blocos havia uma previsibilidade, Cabús repetia uns truques como cantar sem um microfone em agudos – algo meio como Agnaldo Rayol cantando Gioconda; ensaiava uma andadinha, parecida com aquela que o Dante Viana, personagem do Felipe Carmargo em Som e Fúria, dá pra dizer pros outros que é tantan; sair do palco e ir até a metade das fileiras – ele entregou duas rosas brancas na primeira vez que fez isso. Encerrava uma música, o Cabús abria os braços, teatral, jogava-se uma luz na plateia e… a deixa pra o povo bater palmas.
Parecia mesmo um show de música e não um musical. Tanto é que uma pessoa entrou no teatro meia hora depois que a peça tinha começado, sem problema nenhum. Um casal saiu no meio do espetáculo também. No final, a atriz, claro, noticiou a morte do Rei da Voz. Ela contou que Francisco Alves tinha medo de morrer “carbonizado como Carlos Gardel numa queda de aviãoâ€. Por isso que só andava de carro. Mesmo assim não escapou da indesejável que o levou num acidente automobilÃstico. Tudo contado com um tom a mais de dramaticidade, meio embargado, sabe? Quase um William Bonner lendo a notÃcia da morte do patrão.
No final, o Cabús agradeceu a presença de todos, falou alguma coisa sobre o teatro Santa Roza que era inúltil, algo da parte fÃsica, foi o que eu inferi, tentei entender, mas não consegui porque a dicção dele não ajudou muito. Em seguida, Cábus continuou reclamando, agora do piano do teatro, que precisar de reparos, por fim disse: “esse teatro precisar ser restauradoâ€. Na mesma hora eu pensei que não só esse teatro, mas muita coisa ali precisava ser restaurada também. Sim. Depois ele voltou, fez um bis que ninguém tinha pedido.
28 dias que essa crÃtica foi feita.
Meu pai diz que só o funeral do Getúlio levou mais gente às ruas do que o funeral do Francisco Alves, pai do Antônio Alves, o taxista. Ao que parece, por este texto, ele merecia uma homenagem melhor. Bom, ao menos contaram a história dele, o que é sempre alguma coisa no Brasil.
santinha vc é um amor beijinho