Hamlet
Hamlet
Foto: Divulgação
Como comentamos no nosso texto de abertura do FIBA, tivemos algumas horas para definir quais espetáculos assistirÃamos no Festival. Esse tipo de escolha raramente é feita ao acaso e envolve quase sempre indicações de amigos (o que também pode servir como contra-indicação), pesquisas no google, listas rabiscadas, análises superficiais das minúsculas fotos da programação (sim, uma foto feia pode tirar um espetáculo da lista em menos de um segundo)… Afinal, dispender algumas horas na poltrona de um teatro para assistir um espetáculo que tem 50% de chance de ser bom (sendo muito otimistas) é algo que, vamos e venhamos, dá uma preguiça imensa.
O diretor e dramaturgo Rafael Spregelburd, em uma conversa sobre teatro e literatura que assistimos nas semanas do FIBA (fora da programação deste), comentou que o teatro, devido à sua relação presencial e direta, em geral, produz no espectador reações exageradas, em comparação a outras artes. E de fato, uma peça ruim faz o tempo, a fome e o sono ganharem proporções que beiram o insuportável, quando no cinema, por exemplo, é mais fácil sair para comprar uma pipoca ou dormir sem o olhar inquisidor dos atores ou da equipe. Felizmente o contrário também é verdadeiro, um espetáculo de teatro pode fazer o tempo voar.
Estávamos, portanto, bastante em dúvida em assistir ou não a versão alemã de Hamlet do diretor Thomas Ostermeir. Bom, sendo assim decidimos pesar os prós e os contras…
Prós:
– Era uma versão de Hamlet. E como “pessoas de teatro†rola uma obrigação moral de assistir algumas versões de Hamlet ao longo da vida;
– Era uma versão de Hamlet alemã. E isso poderia ser um bom sinal. Ou não, mas ainda estamos na lista dos prós;
– Os ingressos estavam mais baratos do que pensávamos, então, não ia doer no bolso.
E basicamente era isso. Não nos lembrávamos de ter alguma referência do diretor e da companhia, então nossos argumentos a favor não eram dos mais convincentes.
Contras:
– Era uma versão de Hamlet. E isso sempre pode ser sinônimo de uma montagem careta e entediante;
– Era uma versão de Hamlet alemã. E isso significa um empenho extra para acompanhar as legendas e provavelmente o sinônimo de “peça longaâ€;
– A foto do programa era bem feinha.
E basicamente era isso. Meio a meio. Três pontos para cada lado. Mas a nossa sede de teatro venceu e no dia 24/09 lá estávamos na sala MartÃn Coronado do Teatro San MartÃn, sentando nas nossas poltronas para ver Hamlet.
E o que vimos, já de entrada, foi uma sucessão de cenas impressionantes. O espetáculo começa com muita terra em cena, cobrindo todo o palco. É a cena do enterro do pai de Hamlet. Um ator produz uma chuva artificial com o esguicho de uma mangueira, todos os personagens se protegem em guarda chuvas, exceto Hamlet. Em seguida, os personagens estão em uma mesa de jantar, já no castelo, onde Gertrudes e Claudio celebram seu casamento. Câmeras e projeções dão um tom de celebridades decadentes em suas núpcias ostensivas. Os personagens, já conhecidos para grande parte do público, assim como a história, atuam sem pompa.
Um dos destaques da montagem parece ser justamente esse tom de “desrespeito†ao texto clássico e ao próprio personagem de Hamlet. O diretor optou por desconstruir a imagem de herói romântico, em sua versão o prÃncipe dinamarquês ganha ares de perversidade (em suas atitudes de menino-mimado do-papai, sua relação cruel com Ofélia, a ironia com sua própria tragédia), fazendo jus ao tÃtulo que Rafael Spregelburd lhe concedeu em sua análise do espetáculo de “primeiro Hamlet idiota da históriaâ€.
O Hamlet criado pelo diretor Thomas Ostermeier e pelo ator Lars Eidinger mantém uma postura irônica com sua condição, com o universo do espetáculo e com a dramaturgia de Shakespeare. Um bom exemplo é a cena que Hamlet, após um momento de “curtição†com a platéia, em que cria uma espécie de rap coletivo, pede desculpas porque agora está na hora de “mais um de seus monólogosâ€.
Aliás, a reação da plateia é outra coisa que merece destaque em nossa análise, fazia muito tempo que não assistÃamos a uma peça em que o público tivesse tanta participação. Vale destacar que essa participação não tem nada a ver com o conceito de interatividade tão criticado pela outra peça alemã da programação. TÃnhamos a sensação viva e concreta de que teatro é isso, um jogo entre atores e platéia. Sim, a peça produzia identificação, reconhecimento dos personagens, entendimento da trama e tudo o que supostamente se “espera†de um Shakespeare. No entanto, o foco desta versão de Hamlet nos pareceu mais diversificado que tudo isso: propor à platéia que se interessasse não simplesmente em seguir a história – afinal, boa parte dos espectadores já a conhecia – mas, em vez disso, se ocupasse em descobrir o que aquele grupo de atores faria com ela.
Especialmente o que faria Lars, um verdadeiro atleta teatral, com seus malabarismos que a platéia, em suspensão, acompanhava quase de pé. Memorável o momento final em que a loucura de Hamlet confundia-se com a do próprio ator. Uma loucura que parecia de alguma forma, como denunciava a expressão de seus colegas de cena, imprevisÃvel, e que culminou na ameaça a uma velhinha da primeira fila com a sua própria bengala depois de arrastar a força um espectador fugitivo de volta ao teatro (aquilo que um Hamlet do cinema jamais poderia sonhar fazer).
O resultado era a sensação de que enfim Hamlet e esse grupo de atores estavam falando conosco, com o nosso presente, o que gerava uma espécie de identificação crÃtica. O diretor, em entrevista à Revista Ñ, diz que a nossa geração tem sido chamada por alguns sociólogos de geração-Hamlet porque, como o personagem de Shakespeare, sabemos que há algo de podre no reino da Dinamarca, mas não reagimos, não encontramos os atos, os meios e a coragem para enfrentar tais problemas e intervir de fato nessa realidade. E o que fazemos quando nos identificamos com o mito de um idiota?
Cotação: 3 horas, 33 minutos e 33 segundos, 1 ator que chora, come terra, peida e ameaça a platéia em cena
Fiquei com vontade de assistir. E agora?!
http://www.schaubuehne.de/en_EN/program/calendar
olha, a partir do dia 26 de janeiro estará em cartaz no Schaubühne em Berlin… hahaha.
seria legal se algum dia viesse a algum festival no Brasil!
Puxa, também me deu muita vontade de assistir.