O Grande Inquisidor

Críticas   |       |    23 de setembro de 2008    |    0 comentários

O Primeiro Peter Brook a gente nunca esquece – Uma crítica deslumbrada

Fotos: Fernanda Chemale / Divulgação PMPA

Tenho que começar esta crítica com uma confissão vergonhosa: nunca tinha assistido um Peter Brook antes. Diversos fatores sempre me impediram de ver suas montagens quando estas vinham pra São Paulo: ou eu estava fora da cidade, ou as datas coincidiam com as datas em que eu estava em cartaz, ou até algo mais prosaico acontecia, como 5000 ingressos se esgotarem em alguns minutos.

Depois de tantos fracassos eu tive que jurar a mim mesmo, tendo Dionísio por testemunha, que nunca mais eu perderia uma outra peça do Peter Brook, mesmo que eu tivesse que mentir, trapacear ou até mesmo matar (dramático, não é mesmo? Me inspirei no juramento que aquela mocinha fez lá naquele filme sobre a guerra sulista). Conseqüentemente, assim que eu soube que a nova montagem do Peter Brook fazia parte da programação do Porto Alegre em Cena e que a venda seria pela internet, já comecei a bolar planos maquiavélicos pra conseguir os ingressos. Felizmente, em prol da ética, da moral e dos bens costumes, eu só precisei passar alguns minutos de um domingo à tarde na internet pra conseguir os desejados bilhetes (que se esgotaram minutos após a minha compra, mas isso, sinceramente, não é problema meu… da próxima vez eu recomendo a você, que não conseguiu seu ingresso, fazer um juramento parecido com o meu, ou então ler aquele livro da energia positiva ou encontrar logo uma simpatia que resolva o seu problema).

Algumas semanas depois, devidamente munido com o meu ingresso, me sento na primeira fileira (era demais esperar que fosse um lugar bom, não é mesmo?) do Teatro da CIEE em Porto Alegre e aguardo o início da apresentação de O Grande Inquisidor. Uma olhada pra trás revela um teatro lotado com os típicos representantes da classe teatral (parecia o mesmo público que assistiria esta montagem em qualquer uma das unidades paulistanas do SESC).

O Grande Inquisidor é um trecho retirado de Os Irmãos Karamazov, do escritor russo Dostoiévski e conta o embate entre o inquisidor, poderoso comandante da Igreja Católica que já havia mandado uma centena de homens para a fogueira na noite anterior, e ninguém menos do que Jesus Cristo, renascido em plena Espanha do século 15.

O embate ocorre porque Jesus Cristo é preso por realizar algumas peripécias e marotices (como ressuscitar uma menina ou fazer um cego voltar a enxergar) e se tornar uma ameaça à Igreja Católica. O Grande Inquisidor deve então considerar medidas extremas para manter a ordem das forças atuantes naquele momento específico da história espanhola (que poderia muito facilmente ser deslocado para diversos outros momentos da história da Igreja Católica). Entre estas medidas está inclusive a possibilidade de, novamente, executar Jesus, desta vez na fogueira.

No papel do Grande Inquisidor, o ator Bruce Myers domina o palco e é impossível desviar os olhos dele. O monólogo de Myers (que divide o palco com um Jesus Cristo que apenas fita o Inquisidor, mas cujo silêncio é repleto de significados) aborda a essência da fé, a atuação histórica da Igreja Católica e sua relação com o poder, o livre arbítrio dos seres humanos e como a Igreja e Cristo influenciaram o homem por intermédio de 3 forças (definidas como o milagre, o mistério e a autoridade), entre outros temas. Reflexões detalhadas e profundas são geradas por cada palavra, por cada inflexão de voz. Os perdigotos são muitos, mas até estes vêm carregados de significado (deu pra perceber que eu gostei mesmo da montagem, não é?).

Depois de me deleitar com este espetáculo dirigido por Peter Brook, só me resta lembrar do meu juramento e aguardar as próximas montagens do diretor. Espero poder contar com um golpe de sorte (ou seria um milagre?) pra conseguir os próximos ingressos.

55 minutos sem piscar (nem mesmo pra desviar dos perdigotos)

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