“O mundo é uma bola, ora bolas” e “Exotique”

Críticas   |       |    26 de março de 2010    |    1 comentários

E o palhaço o que é ora bolas?

Quando vejo foto de palhaços em folders de festivais meus olhos já arregalam e fico igual criança esperando o dia da apresentação deles chegar. Lógico que isso se repetiu quando vi os programas da “Mostra Nacional de Teatro SESC-ATU” e do Festival de Teatro de Curitiba. O primeiro trazia a foto de dois palhaços anunciando o espetáculo “O mundo é uma bola, ora bolas”, no segundo o destaque era “Exotique” onde o número de palhaços era muito maior, todos vestidos com um figurino luxuoso. Alguém duvida que essas foram minhas primeiras opções sobre o que assistir nesses dois festivais?

O mundo é uma bola ora bolas. Foto = divulgação

Tenho uma teoria que foto de divulgação de teatro, em alguns casos, é igual ao Shapewear aquela bermuda que o Dr. Ray vende pras mulheres perderem centímentros. É uma comparação machista pra S&%$#@, mas digamos que aqui a gente não vai entrar em discussões como mulheres objetos, micaretas, canalhas e por aí vai. Um cara encontra a garota na balada, fica se perguntando “o que essa mulher viu em mim” quando percebe que ela está olhando pra ele. Então leva a garota prum lugar mais íntimo e quando ela tira o Shapewear o cara não pensa duas vezes em apagar a luz. Mesmo a gente sabendo que não dá mais pra confiar, a gente sempre quer pagar pra ver, e sendo assim, muita coisa vem no lugar da lebre.

Mas o que tem a ver o milagroso Shapewear com os espetáculos citados? Simples, me venderam palhaços e o que levei pra casa foram os clichês e estereótipos que o palhaço foi transformado no decorrer do século passado, graças a uma profusão de enventos econômicos, sociais e midiáticos.

Em “O mundo é uma bola, ora bolas”, dos cariocas da Cia. Teatral Língua de Trapo, dois palhaços (que se desdobram em quatro personagens) são utilizados para contar às crianças o malefício de uma guerra, com todo aquele caráter didático do Barney, aquele dinossauro roxo que prega a paz, o amor, e o “vamos ser amiguinhos”.  A primeira impressão que se tem é que o espetáculo fugirá a esse tipo de “pecinha infatil com uma grande moral”.  Eles entram cantando um hino de guerra (qualquer semelhança com o início de WWW Para Freedom é mera coincidência) e o jogo que se estabelece lembra o que deveria acontecer entre uma dupla cômica (brancos e augustos). Mas só lembra. As vozes, ações, expressões (todas artificiais) e tudo o que rodeia o palco é um jogo entre dois personagens numa distância que beira à quarta parede. Peraí, o palhaço é um personagem?

Antes de responder a essa pergunta, vamos aos palhaços de “Exotique”, do Novo Circo de Pelotas/RS. Quando as luzes da Ópera de Arame começam a fazer rodopios no palco, anunciando o início do show, entra um palhaço pela plateia, com um figurino luxuoso e desproporcional e uma maquiagem a la Cirque du Soleil, carregando uma mala e fazendo gracinhas com o público.

(Abre parênteses)
O duro de se ter algumas referências que fazem automaticamente algumas pontes, como o Ésio Magalhães falando da guerra utilizando para isso o palhaço, é que a cobrança quando se irá assistir outros espetáculos com a mesma linguagem, não conseguimos esquecer do referencial. Palhaços com mala sempre vão me remeter ao Ricardo Puccetti do Lume. E isso pode ser um problema, nesse caso, não porque minhas duas referências são  é hors concours (longe disso) mas porque o mostrado pelos palhaços cariocas e gaúchos citados é tão raso e sem personalidade que não estabelece a relação entre público e ator logo no início.
(Fecha parênteses)

Quando enfim consegue chegar ao palco, entra uma multidão de palhaços com roupas nas cores vermelho, branco e preto, em movimentações que artificiais. Todos estão diferentes do mostrado nas fotos do programa, sem o tracional nariz vermelho (a menor máscara do mundo que faz a ponte entre ator e segunda natureza).  Então fica bem definido, o engraçado será o cara da mala e o restante vai fazer os números circenses de virtuosismo.

Exotique. Foto = divulgação

Exotique. Foto = divulgação

Como os números circenses não fogem muito à regra dos já vistos milhares de vezes nos últimos anos em milhares de circos e programas de auditório, querendo fazer a linha “circo contemporâneo”, vou me deter ao ator que teria a função de palhaço e costura todo o espetáculo.

Tenho a impressão que sua movimentação é inspirada no mestre de cerimônias do Alegria, mesmo que esse não seja um palhaço. Não há nariz vermelho, o que faz algumas pessoas a pensarem que portanto não há compromissos em se intitular: é um clown. Mas quando se propõe a tirar risadas e interagir com a platéia ele toma a posição de palhaço. E tudo soa estranho, porque o figurino e a maquiagem ao invés de humanizar o palhaço, o transforma em um ser longe da nossa realidade. E todo o resto é tão artificial quando a fumacinha que insiste em tomar o palco o tempo inteiro, mesmo sem ter sentido nenhum.

Então, pra quê falar desses dois espetáculos num mesmo texto? Porque são dois espetáculos para todas as idades (e portanto tomados por crianças na platéia) e usam de tudo o que se pensa que é o palhaço de forma banalizadora. Por que o palhaço tem que ter uma voz estranha e infantiloide? Por que a maquiagem tem que ser exagerada? Por que todos são iguais, sem personalidade? Por que as referências pros atores fazem lembrar palhaços de porta de loja, animação de festa, e amiguinhos fantasiados de canal religioso?

E o palhaço o que é? É ladrão de mulher e pronto! E pra roubar mulher tem que ser muito astuto, inteligente, fracassado, perdedor, verdadeiro e humano. Uma cara branca e um nariz de borracha não faz de qualquer um ladrão de mulher. Mas pode deixar um monte de gente acreditando que é, e aí vira um personagem, e não a extensão ridícula de um ser. Infelizmente.

21 crianças dormindo na platéia

Quando vejo foto de palhaços em folders de festivais meus olhos já arregalam e fico igual criança esperando o dia da apresentação deles chegar. Lógico que isso se repetiu quando vi os programas da “Mostra Nacional de Teatro SESC-ATU” e do Festival de Teatro de Curitiba. O primeiro trazia a foto de dois palhaços anunciando o espetáculo “O mundo é uma bola, ora bolas”, no segundo o destaque era “Exotique” onde o número de palhaços era muito maior, todos vestidos com um figurino luxuoso. Alguém duvida que essas foram minhas primeiras opções sobre o que assistir nesses dois festivais?
Tenho uma teoria que foto de divulgação de teatro, em alguns casos, é igual ao Shapewea aquela bermuda que o Dr. Ray vende pras mulheres perderem centímentros. É uma comparação machista pra S&%$#@, mas digamos que aqui a gente não vai entrar em discussões como mulheres objetos, micaretas, canalhas e por aí vai. Um cara encontra a garota na balada, fica se perguntando “o que essa mulher viu em mim” quando percebe que ela está olhando pra ele. Então leva a garota prum lugar mais íntimo e quando ela tira o Shapewear o cara não pensa duas vezes em apagar a luz. Mesmo a gente sabendo que não dá mais pra confiar, a gente sempre quer pagar pra ver, e sendo assim, muita coisa vem no lugar da lebre.
Mas o que tem a ver o milagroso Shapewear com os espetáculos citados? Simples, me venderam palhaços e o que levei pra casa foram os clichês e estereótipos que o palhaço foi transformado no decorrer do século passado, graças a uma profusão de enventos econômicos, sociais e midiáticos.
Em “O mundo é uma bola, ora bolas”, dos cariocas da Cia. Teatral Língua de Trapo, dois palhaços (que se desdobram em quatro personagens) são utilizados para contar às crianças o malefício de uma guerra, com todo aquele caráter didático do Barney, aquele dinossauro roxo que prega a paz, o amor, e o “vamos ser amiguinhos”.  A primeira impressão que se tem é que o espetáculo fugirá a esse tipo de “pecinha infatil didática”.  Eles entram cantando um hino de guerra (qualquer semelhança com o início de WWW Para Freedom é mera coincidência) e o jogo que se estabelece lembra o que deveria acontecer entre uma dupla cômica (brancos e augustos). Mas só lembra. As vozes, ações, expressões (todas artificiais) e tudo o que rodeia o palco é um jogo entre dois personagens numa distância que beira à quarta parede. Peraí, o palhaço é um personagem?
Antes de responder a essa pergunta, vamos aos palhaços de “Exotique”, do Novo Circo de Pelotas/RS. Quando as luzes da Ópera de Arame começam a fazer rodopios no palco, anunciando o início do show, entra um palhaço pela plateia, com um figurino luxuoso e desproporcional e uma maquiagem a la Cirque du Soleil, carregando uma mala e fazendo gracinhas com o público.
(Abre parênteses)
O duro de se ter algumas referências que fazem automaticamente algumas pontes, como o Ésio Magalhães falando da guerra utilizando para isso o palhaço, é que a cobrança quando se irá assistir outros espetáculos com a mesma linguagem, não conseguimos esquecer do referencial. Palhaços com mala sempre vão me remeter ao Ricardo Puccetti do Lume. E isso pode ser um problema, nesse caso, não porque minhas duas referências são  é hors concours (longe disso) mas porque o mostrado pelos palhaços cariocas e gaúchos citados é tão raso e sem personalidade que não estabelece a relação entre público e ator logo no início.
(Fecha parênteses)
Quando enfim consegue chegar ao palco, entra uma multidão de palhaços com roupas nas cores vermelho, branco e preto, em movimentações que artificiais. Todos estão diferentes do mostrado nas fotos do programa, sem o tracional nariz vermelho (a menor máscara do mundo que faz a ponte entre ator e segunda natureza).  Então fica bem definido, o engraçado será o cara da mala e o restante vai fazer os números circenses de virtuosismo.
Como os números circenses não fogem muito à regra dos já vistos milhares de vezes nos últimos anos em milhares de circos e programas de auditório, querendo fazer a linha “circo contemporâneo”, vou me deter ao ator que teria a função de palhaço e costura todo o espetáculo.
Tenho a impressão que sua movimentação é inspirada no mestre de cerimônias do “Alegria”, mesmo que esse não seja um palhaço. Não há nariz vermelho, o que faz algumas pessoas a pensarem que portanto não há compromissos em se intitular: é um clown. Mas quando se propõe a tirar risadas e interagir com a platéia ele toma a posição de palhaço. E tudo soa estranho, porque o figurino e a maquiagem ao invés de humanizar o palhaço, o transforma em um ser longe da nossa realidade. E todo o resto é tão artificial quando a fumacinha que insiste em tomar o palco o tempo inteiro, mesmo sem ter sentido nenhum.
Então, pra quê falar desses dois espetáculos num mesmo texto? Porque são dois espetáculos para todas as idades (e portanto tomados por crianças na platéia) e usam de tudo o que se pensa que é o palhaço de forma banalizadora. Por que o palhaço tem que ter uma voz estranha e infantiloide? Por que a maquiagem tem que ser exagerada? Por que todos são iguais, sem personalidade? Por que as referências pros atores fazem lembrar palhaços de porta de loja, animação de festa, e amiguinhos fantasiados de canal religioso?
E o palhaço o que é? É ladrão de mulher e pronto! E pra roubar mulher tem que ser muito astuto, inteligente, fracassado, perdedor, verdadeiro e humano. Uma cara branca e um nariz de borracha não faz de qualquer um ladrão de mulher. Mas pode deixar um monte de gente acreditando que é, e aí vira um personagem, e não a extensão ridícula de um ser. Infelizmente.
21 crianças dormindo na platéia
'1 comentário para ““O mundo é uma bola, ora bolas” e “Exotique””'
  1. Marcelo disse:

    arrasou!

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