Paixão do Menino Deus

Críticas   |       |    24 de abril de 2009    |    0 comentários

O mocinho morre no final, mas ressuscita

Convenhamos, fazer crítica sobre Paixão de Cristo tem uma vantagem. Não preciso contar a sinopse. Todo mundo sabe que o mocinho morre no final, mas, em nome do happy end e dos bons costumes e, também, para seguir ao pé da letra o texto, Sagrado por sinal, volta pro bis e ressuscita.

Melhor abrir o jogo. Optei por abordar questões em vez de fazer uma a crítica propriamente do espetáculo A Paixão do Menino Deus, escrita e dirigida por Tarcísio Pereira. Dito isto, sigam-me os bons…

Desde que o prefeito Ricardo Coutinho (PSB) assumiu, após oito anos de reinado tucano, fez questão de romper com o modelo anterior de gestão e, eu acredito em metáforas, o modus operandi socialista da “Paixão de Cristo” emblematiza essa tomada de posição. Aqui, acho que rola um “antes e depois”, que nem os que são feitos no programa da Sônia Abrão.

Antes, então, como era? A Paixão de João Pessoa, no reinado dos tucanos, era um espetáculo na linha do que acontece em Nova Jerusalém, Pernambuco (pequeno parêntese sórdido: sinto que, culturalmente, a Paraíba tem uma relação simbólica com o vizinho Pernambuco que me remete à freudiana “inveja do pênis”). (tem esse link tb: http://www.youtube.com/watch?v=RQCJgnxw-ww) Então, o modelo era o seguinte: atores globais, grande elenco (diz a lenda que teve um ano que o Dado Dolabella, de Jesus, mandou um beijinho pras fãs enquanto tava crucificado).

Dentre os globais que interpretaram Cristo estão o imperador, digo, o ator Thiago Lacerda. Alguém aí se lembra do rolo da sunga falsa leiloada no programa do Gugu? Pois é. A sunga teria sido usada pelo moçoilo aqui, em João Pessoa, na Paixão de Cristo de 2000.

Desde então, na atual gestão socialista, nas Paixões de Cristo não há mais mais atores globais (só o Luiz Carlos Vascondelos, mas ele não atua, fica só dando apoio logístico como assessor). A cada ano, o texto e o diretor mudam, pois são motivo de edital público duplo: primeiro para escolha de um texto e, escolhido o referido por uma comissão, outro edital, pra direção calcada em cima da peça vencedora do edital.

Mas… vamos aos fatos. Ano passado foi ano eleitoral e parece que as coisas saem de rumo quando isso acontece. Exemplo? O festival feito pela prefeitura, o Outubro no Teatro, que já trouxe peças importantes pra cá como Hysteria, do XIX, e A Descoberta das Américas, solo do Júlio Adrião, deixou de ser feito devido às eleições. Mas, engraçado, a Paixão de 2008 aconteceu, Jesus morreu, Judas também… Mesmo sendo ano eleitoral.

Pra ficar mais claro. O edital para realização da Paixão de Cristo é expedido no final do ano anterior. Batendo ainda na tecla: ano passado, quando o prefeito se reelegeu para o seu segundo mandato, o edital pra Paixão não saiu. O que foi feito então? No final de janeiro foi lançado um “processo simplificado” no qual os postulantes apresentavam, para avaliação e em um mesmo projeto, a proposta de encenação e de texto, juntos.

Outra vez, vamos aos danados dos fatos (isso tá parendo papo de portuga: fato pra cá, fato pra lá). Eu fui à reunião para discutir Paixão de Cristo, na real a reunião foi pra apresentar o processo simplificado.

O que eu ouvi, naquela reunião da classe teatral (adoro esse termo) -  estava lá na minha versão Clark Kent -  foi o seguinte: uma série de confrontações entre os dois modelos, o tucano e o socialista, com exaltações e loas ao atual. “Antes um cába passava aqui no teatro Santa Roza, nem olhava pra gente, com um saco de pão e vinha outro com uma garrafa de Simba, agora tá muito melhor”, ouvi um ator dizer.

Juro que tive vontade de falar de volta: galera, vocês não podem falar do prefeito anterior, porque, se liguem, o prefeito anterior é o atual; o cara se reelegeu.

Pra mim o ideal seria, à classe teatral naquela reunião, enfrentar os problemas atuais; aperfeiçoar o modelo de edital; discutir suas limitações, falhas e, não subir no palanque de uma eleição que já foi ganha.

Aqui na Paraíba existem duas formas de financiamento público: o FIC Augusto dos Anjos (Fundo de Incentivo à Cultura = único meio de financiamento público para todas as áreas culturais do estado da Paraíba) e o FMC (Fundo Municipal de Cultura, da prefeitura de João Pessoa, também edital pra todo mundo). Fico de novo pensando cá com meus botões, se esse dinheiro, o gasto na Paixão de Cristo, não seria muito melhor aproveitado na aplicação de um fundo destinado a fomento para outras montagens teatrais?

Não tenho certeza absoluta porque não sei ler o “japonês em Braille” do economês no qual são escritos os relatórios de transparência dos gastos públicos da prefeitura que são disponibilizados na internet. Mas, pelo que li na página da “Secretaria  de Transparência”, no que se referia a “resumo dos programas por tipo (…) Funjope (Fundação de Cultura daqui), o custo, ou previsão orçamentária – já disse que não entendo economês – é de R$ 340 mil. (atenção assessores da Funjope, será de muito boa acolhida e obsequioso um comentário com o custo real e não especulativo como o que faço aqui, ok?)

Peguemos esse valor, por exemplo, mesmo que não seja o valor real. Vamos transformar esse número em estatística. O grupo Alfenim, segundo me informei com um integrante, recebeu do FIC Augusto dos Anjos R$ 15 mil (o que foi pedido foi R$ 29 mil e uns quebrados, mas aí rolou uma negociação tipo pechincha por parte do Governo do Estado). Tomemos como ideal a marca de R$ 30 mil, para valores daqui, como sendo um orçamento para uma produção teatral.  Um número maior de espetáculos do que estrearam em 2007 (foram 9, a maioria subsidiados pelos dois fundos) e o triplo do que aconteceu no ano passado (menos de 5), embora eu me baseie apenas na minha atividade como crítico do jornal que anota, em uma caderneta caramelo, todo ano, as peças que assiste.

Bom, sobre a Paixão do Menino Deus deixo com vocês esse vídeo aí:

1 citação da plateia: “isso é que é uma cabeça, nã, Tarcísio fez duas peças. É. Foi duas peças o que ele fez. Duas peças numa”

O que você acha?

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