Veleidades Tropicais

Críticas   |       |    21 de setembro de 2009    |    7 comentários
Fotos: José Romero

Veleidades tropicaes - foto de JosÇ Romero (3)

De: Matheus Henrique Pichonelli
Enviado: segunda-feira, 31 de agosto de 2009 16:44
Para: Fabricio Muriana
Assunto: vc

chegou a ver essa? (só para assinantes)

Peça da Cia. do Feijão retrata donos do poder
GABRIELA MELLÃO COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A Cia. do Feijão construiu sua trajetória debruçada sobre o tema da identidade nacional. Há mais de dez anos o grupo investiga as questões sociais do país, aproximando o teatro da literatura. As anomalias da política brasileira já foram tema para “Pálido Colosso” (2007). A peça, que abordava os últimos 40 anos do Brasil, levava ao palco todos os presidentes desde Tancredo Neves, incluindo Lula. Em “Veleidades Tropicais”, nono trabalho da Cia., que estreia hoje, políticos são “promovidos” ao centro da história. O espetáculo faz um retrato dos detentores do poder. “Os políticos hoje são a retaguarda que luta pela manutenção da ideia única de que o futuro chegou, e dane-se quem não achou seu lugar ao sol”, diz Pedro Pires, um dos fundadores do grupo, que assina dramaturgia, direção e iluminação do espetáculo, ao lado de Zernesto Pessoa. Foi desnecessário explicitar no palco as identidades dos governantes: “As diferenças entre eles são insignificantes. São como produtos similares. Mudam de embalagem, rótulo e alguns detalhezinhos: os que preferem a cueca “X” ou “Y”, por uma questão de moda, conforto ou poder aquisitivo”. Cenas ácidas e trágicas sucedem-se em tom que passeia entre satírico, grotesco e bufonesco. A peça começa em 2010 e termina em 2014, não por acaso anos de eleição. Faz um percurso que parte do cibernético, um espaço virtual inspirado em Brasília, para o concreto, uma pequena cidade do interior, onde o poder influencia diretamente a vida de seus habitantes. As veleidades do título são inspiradas na entidade que dá nome ao conto “Dona Benedita”, de Machado de Assis, e nas bruxas de “Macbeth”, de Shakespeare. Elas conduzem o público pelos diferentes tempos e espaços da cena. São figuras um tanto vaidosas e presunçosas, que representam traços da alma dos políticos brasileiros. Além de Machado e Shakespeare, escritores e pensadores como Guimarães Rosa e Lev Vygotsky serviram de apoio para a criação do espetáculo, concebido a partir de uma pesquisa sobre utopia.

VELEIDADES TROPICAIS Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 25/10 Onde: Companhia do Feijão (r. Dr. Teodoro Baima, 68, tel.: 0/ xx/11/3259-9086); 14 anos Quanto: R$ 20, grátis às sextas

Veleidades tropicaes - foto de JosÇ Romero (16)

De: Fabricio Muriana
Enviado: segunda-feira, 31 de agosto de 2009 20:00
Para: Matheus Henrique Pichonelli
Assunto: Re: vc

Matheus, meu caro, que ótimo início pra essa conversa.
Estava precisamente agora pensando qual abordagem poderia fazer pra crítica dessa peça.
Pois bem, a Gabriela Mellão é velha conhecida da Bacante, sobretudo por conta da ingenuidade.
No geral, essa nota que ela fez pra Ilustrada não tem nenhum problema sério. No título, há uma informação que pode ganhar mais leituras, porque o exatamente nesse momento o Feijão está trabalhando na próxima pesquisa e parte dela trata do livro Os Donos do Poder, do Raymundo Faoro. Ou seja, o leitor desprevinido pode achar que o livro foi trabalhado na atual montagem, Veleidades Tropicais.
Fico com uma impressão de que a moça pegou uma legenda da boa com o Pedro Pires, diretor do Feijão. Nada contra. Temos mesmo que tentar nos apropriar ao máximo da obra. Eu mesmo não tinha sacado esse lance das veleidades também terem saído da obra do Machado de Assis, mas alguém (juro que não sei quem é) comentou comigo sobre a semelhança com as Bruxas de Macbeth (capaz que tenha sido você mesmo). Acho que uma crítica que desse conta dessa colcha de retalhos que o Feijão fez me interessaria “enquanto-leitor-em-si-considerado-na-sua-individualidade-de-si-próprio”.
Aí tenho que lembrar de como foi rever pela pela terceira vez com você. Aquilo que você sacou de cara, pra mim só chegou nesse momento: Esaú e Jacó, Pedro e Paulo, são PT e PSDB. Não foi por acaso que a coisa chegou assim. Você deve se lembrar da cena em que o personagem faz a piadinha “deu PT” e o outro reage “PT!”, como se fosse a pior coisa do mundo. E o primeiro explica “perda total, bobo”. Nessa cena, achei que o Feijão aliviava a barra pro PT. É muito mais potente colocar lado a lado PT e PSDB, como grupos profundamente concentrados na manutenção de tudo exatamente como está, custe o que custar (pra esse argumento, uso as informação publicadas na Revista Piauí, sobre Sérgio Rosa e Daniel Dantas). Então desse ponto eu parto.
A obra parece mostrar uma realidade sem floreios e que vai envelhecer muito rápido. Até o futuro que eles projetaram é logo ali. Bem legal essa idéia. Uma realidade virtualizada que não é o hoje, mas é o amanhã. Depois das eleições de 2010 a peça provavelmente estará no repertório do Feijão. Como será que ela será vista?
E bem, as referências que você trouxe nessa terceira vista. Como te disse, gosto demais da parte que o Pedro chama de os “revoluças”. Anacronia das formas de luta aliadas a um graaande conformismo. E a conclusão da cena colocando na boca da personagem travestida de che guevara a frase de Macabéa revela o vazio dos discursos. O não ter o que falar.
A cena em que se discute a grande quadra das artes é outra em que quero colocar no jogo. Como te disse, eu vejo essa grande quadra como a praça Roosevelt (o que vem depois do final de Avenida Dropsie). Você já viu a região da Sala São Paulo. Longe de querer uma conclusão, gosto da ideia da cena ter nos remetido aos problemas do progresso nos dois espaços.
Desisto de ir pela cronologia e fico com as impressões. O que é aquele poder dos nobres etéreos? E os 22 segundos de arte pela a barbárie bem nessa hora. Realmente acredito que, se quatro ou cinco dos principais empresários do Brasil concluírem que é necessário conter o regime democrático pela segurança do mercado, outra ditadura vai bater à porta.
Pra mim, discute-se ali o Brasil como essa forma bizarra de amálgama de público e privado. O argumento de que não enxergamos a diferença é míope. Desde o Brasil mais arcaico dos coronéis (“Não haveria prisão que bastasse no Brasil”) até os novos investidores. Ninguém quer saber de onde vem o dinheiro, desde que o dinheiro venha. E os donos das fontes de dinheiro não querem saber de onde vem o poder, desde que o poder venha.

Tentei escrever até aqui sem reler a dramaturgia nem revisar. Agora não me contenho mais. Mando em anexo.
Seguimos…

De: Matheus Henrique Pichonelli
Enviado: segunda-feira, 06 de setembro de 2009 11:10
Para: Fabricio Muriana
Assunto: Re: vc

camarada, acho que você resolveu tão bem a discussão, e a ideia que jogamos, depois da peça, na mesa de bar, que fica difícil, pra mim, pensar algo que já não tenha sido dito – seja no pós-espetáculo ou no último e-mail. Queria lembrar só que a estrutura da peça é um meio que ajuda a entender a mensagem. A peça é sobretudo sobre a ausência de alternativas, sobre a polarização de discursos raivosos, prepotentes e inoperantes por natureza, mas distintos na forma – governo e oposição, ricos e pobres, hipócritas e ingênuos, confortados e inconformados, mirando o mesmo núcelo (a rampa que leva ao centro e representa a República), mas atacando de lados opostos. Tanto que a peça se passa ao nosso lado, não à nossa frente. Do mais, sinto um pouco de preguiça quando vejo sátiras sobre política. Acho, por exemplo, Arnaldo Jabour um desperdício de tempo, espaço; acho que ele no fim acaba adotando um discurso perigoso, ora injusto, com suas figuras de linguagem, vulgaridades dispensáveis, hipérboles e adjetivos forçadamente construídos pra produzir grandiloquência; no fim o que caras como ele – e Ana Maria Braga e Regina Duarte e outros atores geralmente globais, outsiders da política, ignorantes de seus meandros (porque fora deles) e autoproclamados formadores de opinião – produzem é um perigoso discurso antipolítica que recai sobre soluções autoritárias; algo como: se há escândalos, por que não acabar com o Congresso? É, guardada a devida proporção, um discurso absolutista, que prepara terreno para a vinda de alguém indisposto a operar o jogo dos acordos, nem sempre vis, e resolver tascar as coisas à sua maneira e vontade. Daí nascem as ditaduras de fato, na impossibilidade de se enxergar no consenso, nos controles internos e externos de brigas de forças opostas, o caminho para uma sociedade democrática. Do início ao fim tive medo de a peça ter como acabamento esse niilismo, esse “tudo posso se não há juízes decentes para pôr ordem em nosso jogo”. Tento acompanhar o jogo político, e entendê-lo, mas vejo que escândalos, manchas, gafes e contradições são marcas frequentes e se sobressaem no debate público em relação a propostas, projetos, lutas por bandeiras. É dali, afinal, que nascem as leis; e boas leis, muitas vezes. Generalizar, ou ver o mundo dividido entre o ruim e o pior, é uma forma de pavimentar caminho para que o meio-termo (um Collor ou um Emílio Garrastazu Médici) se instale. Agora a boa notícia: a peça correu todos os riscos, mas saiu bem de todos eles à medida que me fez pensar na dimensão dos absurdos e ridículos de um meio impregnado por uma atmosfera noir, a que me deparo diariamente nos jornais, mas que só por meio da peça comecei a me dar conta. Ela me ajudou, por fim, a me indignar como deveria, a desprezar tudo aquilo que eles pretendem tratar. E tratam. Põe o pau na mesa junto com a questão e nos encheu a cara de tapa, mostrando, por meio de algum estereótipo, como fazíamos também parte daquil. Gostei sobretudo dessa coisa de solapar o que vier, de não deixar nada de pé; nem mesmo um diretor consagrado, que tem minha admiração, mas que me fez soar ridículo na cena em que liga para o papai rico banqueiro para pedir dinheiro para rodar o filme sobre os pobres do Brasil. É de uma acidez que escapa dos arrubos arnaldojabornianos e passa a figurar nas grandes obras de nossos tempos. Ainda que com data de validade a ser logo vencida, como você mesmo apontou.

De: Fabricio Muriana
Enviado: segunda-feira, 07 de setembro de 2009 15:30
Para: Matheus Henrique Pichonelli
Assunto: Re: vc

Matheus, camarada.
Acho que você pegou um ponto de fora da peça e explicitou algo que se manifesta dentro da peça também. Quando você fala dos globais abrindo terreno para um poder absolutista ou autoritário, eu te lembro daquela sugestão da Cia do Feijão do quarto ou novo poder. Aquele tomado pelo capital financeiro que é, em última análise, o que governa o Brasil. Talvez ali, naquela cena em que o Feijão mostra os nomes dos donos do bancos e empreiteiras haja também um esquecimento. Já que PT e PSBD se mostram como irmão gêmeos muito diferentes, nascidos juntos, seria interessante colocar ali também o poderio econômico que o governo Lula exerce por meio dos fundos de pensão a “reestatização” pelo lado de algumas empresa. Diggo reestatização porque essas novas empresas trabalham de maneira simbiótica com a gestão do PT, mas se, por uma razão qualquer, Dilma não se eleger em 2010, esses fundos voltam a ser geridos somente para fins privados. Acho que é uma discussão que não cabe aqui. Gostaria mesmo é que o governo ou o Lula discutisse a matéria que saiu na Piauí sobre o assunto. Na crítica, no entanto, acho que cabe dizer que faltam representantes desse novo capital (público) privado, que já estão no jogo do poder. Mas voltando, os globais abrem caminho para esse poder totalizante.
A outra questão que você aborda, da data de validade, também me interessa bastante. Parece que o Feijão fez uma opção tão radical por falar do nosso tempo que já sabe que a peça vai morrer. Acho uma loucura necessária. Um processo longevo pra criar uma peça que não durará mais de um ano e meio (pelo menos é quando acho que se define o resultado das novas eleições e o jogo político se altera).
Um comentário mais formal que vem é sobre a forma épica. Em tempos que todo mundo fala do teatro pós-dramático, o Feijão faz um espetáculo que pra mim se apresenta absolutamente épico. Há uma história, mas não é sobre ela que se quer refletir. Há cenas aleatórias que revelam simplesmente alegorias. Há citações, falas que não são do personagem que são coladas à sua boca (forçando uma polifonia que na maior parte da vezes vem numa chave cômica e da sátira). Não há, no entanto, nenhum elemento que me remeteria ao tão discutido (pra usar uma palavra bem chapa branca) teatro pós-dramático.
Outro aspecto que não me lembro se comentei contigo na mesa de bar é a contradição presente no próprio valor do espetáculo. Sextas de graça, sábados e domingos pago (20 e 10 reais). A diferença de reações do público é brutal. São duas peças diferentes que se apresentam e isso nos remete à verba pública que ele utilizam. Ou seja, discute-se também a gratuidade como maneira de quebrar com a forma mercadoria.
Matheus, jogo a batata quente pra você de novo.
Abraço

Veleidades tropicaes - foto de JosÇ Romero (10)

From: Fabricio Muriana
Date: 2009/9/18
Subject: Veleidades Tropicais – para pitacos
To: bacante

Gente

O formato é esse mesmo.
É uma conversa com meu amigo Matheus.
Leiam do começo pro fim.
Ele está pra me mandar a última resposta, mas como demorou, boto na roda pra edição.
Se alguém mais tiver visto, teje convidado pra conversa.

Leca, Julie e Maurício, se não der pra editar até amanhã, avisem.

Abraço

From: Astier Basílio
Date: 2009/9/18
Subject: [bacante] Re: Veleidades Tropicais – para pitacos
To: bacante

tenho q ver essa peça.
Fabrício,
a forma como vocÊs se trataram
“camarada”
me fez lembrar os tempos
em que eu andava com a turma da UJS,
meus efêmeros tempos
de militante estudantil,
naquela luta de foice entre PC e PC do B.
E me lembro de que em Goiânia,
inadvertidamente ,
apresentei Zé Maria
a um colega de outro estado.
O Zé Maria tinha uns 43 anos
e ainda era estudante.
Eu os anarquistas – com quem me entrosei logo –
o chamava de “a cara da União da Juventude Socialista”.
Eu disse, “esse aqui é o companheiro….”
Zé Maria me interrompeu, “companheiro não, ‘camarada….”

Veleidades tropicaes - foto de JosÇ Romero (14)

From: Maurício Alcântara
Date: 2009/9/18
Subject: [bacante] Re: Veleidades Tropicais – para pitacos
To: bacante

pitacando

From: Maurício Alcântara
Date: 2009/9/18
Subject: [bacante] Re: Veleidades Tropicais – para pitacos
To: bacante

poucos pitacos.
até pelo formato, nem sei se tem muito o que pitacar. até mesmo os erros de digitação dão um ar mais legítimo ao papo.
a única sugestão é a de inverter a cronologia, pra quem for ler acompanhar do começo ao fim mesmo.

From: Juliene Codognotto
Date: 2009/9/18
Subject: [bacante] Re: Veleidades Tropicais – para pitacos
To: bacante

O formato tá bem, bem bacana. Chega perto do que eu venho explicando que é a Bacante quando me perguntam: um coletivo pra discutir teatro.

A mim, duas questões parecem mais complexas do que vocês colocaram:

Uma é a dos globais. Claro que vocês estavam falando de maneira geral dos “auto proclamados” formadores de opinião, mas penso que está um pouco reduzido, já que esse lance de escolher entre o ruim e o pior aponta, sim, para um caminho perigoso de descrença no diálogo, mas, por outro lado, pode apontar a falência de um modelo democrático frágil porque se diz representativo e não dá conta de sê-lo de fato, que é um tema que me interessa como primeiro passo pra busca de novas alternativas – claro que não a volta ao autoritarismo.

A outra é a da mudança do público. Continuo achando leviano dizer que houve tamanha mudança na reação da platéia por conta do preço. Isso foi uma única experiência – uma sexta e um domingo somente – e, além disso, há outros fatores que podem causar a mudança das reações das pessoas na platéia. Apontar que possa haver diferença e dizer o quanto é contraditória essa opção de “meio-termo” não condiz com uma obra que definitivamente não opta pelo meio-termo e escancara tudo o que pode, acho bacana. Dizer que há uma diferença brutal entre a platéia que pagou e a que não pagou, acho complicado. Até porque eu e você, pelo menos, estávamos em ambas… podia haver mais gente. Paulo e Liz foram no dia de graça, mas poderiam pagar e pagariam pra ver se não pudessem ir na sexta ou se os convidássemos prum sábado, por exemplo. Enfim.

E, só pra lembrar mais uma questão que, depois do Festival de Brasília, ficou mais gritante pra mim, fico impressionada com a abordagem corajosa das ONGs controladoras da cultura e da própria arte na “quadra das artes”. Não há concessão nem pro próprio fazer artístico e cultural e isso legitima todas as outras críticas. Em uma das peças de Brasília, chamada Delírios de Grandeza, o cara propõe desconstruir heróis e um deles é o próprio artista… no entanto, justo na hora do artista é que a crítica fica menos radical. Isso me chamou a atenção para o trabalho do Feijão. Ainda que houvesse ainda muitas coisas a tratar sobre o fazer artístico – coisas do próprio trabalho dos coletivos e das políticas públicas mancas – que ficaram de fora, sinto que houve concisão, mas concessão não.

From: Maurício Alcântara
Date: 2009/9/18
Subject: [bacante] Re: Veleidades Tropicais – para pitacos
To: bacante

Eu somaria o pitaco da Juli como um último e-mail à conversa, ainda que não tenha sido endereçado a Matheus+Fabricio.

From: Paulo Bio
Date: 2009/9/22
Subject: Veleidades Tropicaes
To: bacante

Fabricio,

saiu o nome da peça errado na bacante

não é Veleidades Tropicais
mas Veleidades Tropicaes

Abs,
Paulo

'7 comentários para “Veleidades Tropicais”'
  1. pedro pires disse:

    Caros bacanautas,
    gostei da forma diálogo. Vamos nessa.
    Gostaria de levantar uma questão sobre o que foi dito anteriormente sobre a “data de validade” do espetáculo. Puxando a brasa para a minha sardinha. Sim o espetáculo fala bastante de hoje, do nosso aqui e agora. mas sua inspiração vem do século XIX de dois textos: Quase ministro de Machado de Assis e Assim se Fazia um Deputado de França Júnior. Estes textos, adaptados, correspondem às cenas dos primos que falam do acidente da ferrarri e dos recursos de campanha e à cena dos coronéis de cá e de lá (o busto de bronze e a cabeça na bandeija). O assunto é velho mas não deixa de ser atual com algumas mudancinhas, a nossa boa e velha modernização conservadora (para saber mais podemos ler Roberto Schwarz que identificou isso na virada dos anos 60 para os 70).
    Jogo então o tema na roda sem muito mais defesa, mas com algumas perguntas para reflexão. Será que até 2014, que é onde o espetáculo termina, as perspectivas mudam? O mercado do poder, ou o poder moderador do mercado vai largar o osso em nome da construção de um democracia mais próxima de uma ideal? O império do meu vai dar lugar para um pensamento menos individualista? Poderemos ter até 2014 uma oposição de fato (de idéias renovadas e arejadas e não de procedimentos)?
    Aproveito para colocar outras questões na prosa. A figura da república que apareçe várias vezes no espetáculo, uma república travestida, tem algum significado no jogo que o Veleidades Tropicais propõe? O tempo, que no espetáculo avança de 2010 para 2014 e os espaços pelos quais ele se desloca, que vai do espaço virtual do centro do poder (charneca federal) para o espaço do rincão municipal (a arcaica charneca municipal) significam alguma coisa?

    E Finalmente:
    O que este jogo de poder tem a ver com você, ou como diz a veleidade “Não confio em tua natureza. Está totalmente cheia do leite da ternura humana para que possas escolher o caminho mais curto. Gostarias de ser grande, pois não te falta ambição; mas falta-te o instinto do mal que deve secundá-la. Aquilo que desejas ardentemente, desejas santamente. Não gostarias de roubar no jogo, mas não te importarias em ganhar de modo ilícito. Quiseras possuir o que grita: “Faze isto para que possas conquistar-me”! E sentes mais medo de fazê-lo do que desejo de não poder fazê-lo. Vem aqui para que eu possa derramar minha coragem em teu ouvido e castigarei com a valentia de minhas palavras todos os obstáculos ao círculo de ouro com que parecem coroar-te o destino e um poder sobrenatural… ”

    Bom, provoco mais do que discuto, pois me interesso em saber mais sobre as leituras e as sensações (reflexões) que o espetáculo pode provocar.

    Uma última coisa: Fabrício não haveria um meio de pendurar o texto do Veleidades no site para que os interessados possam ter meios de se aprofundar na discução? Se houver me diga que eu te passo uma versão mais atulizada.
    Abraço a todos,
    Pedro Pires

  2. Juli disse:

    Opa. Ainda sem discutir as provocações já adianto que: sim! Há como publicarmos o texto no site com autorização de vocês! Seria ótimo! Pode enviar para o Fabrício mesmo ou para o contato@bacante.com.br que chega pra todos nós.

    Beijos,
    Juli =)

  3. Caceta, Pedro

    Que baita comentário. Muito obrigado por entrar na prosa. Acho que vou seguir a ordem cronológica, pra tentar não esquecer nada.
    Primeiro, sobre os textos do Machado e do França Júnior, foi legal você listar aqui. Servem como mais uma referência de leitura. Isso porque, não sei Matheus, mas eu não li nenhum dos dois, bem como muitos outros que estão na boca dos personagens de veleidades. Há, como disse entre os e-mails, o ruído que vejo em muitas obras de pesquisa (refiro-me aqui aos grupos fomentados que venho assistindo). O ruído pelo excesso, pelo turbilhão de referências. E acho que é possível prescindir da leitura de todos os textos e mesmo assim as cenas se materializam. Ou seja, uma experiência dramatúrgica dificílima de remixagem de textos.
    Talvez eu não tenha sido claro quanto a relação com o hoje. Acho que não só a aposta em 2014, mas colocar a obra para acontecer um ano antes das eleições de 2010 é que me faz ligar diretamente com os personagens desse Brasil real. Não estou dizendo que ali, em Veleidades, não se encontre parte do ciclo do capitalismo no Brasil. Mas a referência direta aos irmãos Pedro e Paulo (e indireta a PSDB e PT), o desejo deles pela república (“isso de quatro, huum!”), enfim, esses dois fatores me colocam num agora muito concreto. Revendo o que escrevi, talvez realmente seja um movimento interessante, como grupo, levar a montagem ao longo de 2010 e ver o que acontece imediatamente depois das eleições.
    Não, até 2014 as estruturas arcaicas não vão se alterar. Nem acho que haverá uma oposição de fato. Mas acho que em 2014 o jogo político pode ter se alterado, ao ponto de Pedro e Paulo não terem uma conexão tão direta com o real. E, aqui falando das coisas em que acredito, acho que teremos sim caminhado um pouco mais em direção à democracia, portante teremos mais vozes dissonantes (talvez elas não sejam fortes o suficiente para fazer frente às estruturas arcaicas de poder, mas vozes estão pintando e vocês são uma delas).
    À tua questão sobre a presença da república, vou ser sincero como fazia com meu grupo. A república, nesse movimento temporal que você sugeriu, de 2010 a 2014, e também pelo movimento espacial, da charneca federal à arcaica charneca municipal, não se formulou como uma imagem plena de sentidos pra mim. Não consigo fazer uma conexão mais rica que o que vejo: uma república decrépita, que todos querem comer (um corpo-objeto “isso de quatro”), mas com quem ninguém quer casar. Ok, forcei a barra, mas isso é como chega pra mim, das três vezes que vi.
    Cara, com essa última provocação você me coloca um desafio bem maior do que posso resolver nesse comentário. Talvez numa tese ou numa peça, rolaria… hehe. Essa fala que você cita das Veleidades, remixagem de Lady Macbeth, me remete num aspecto mais superficial à crítica de um teatro supostamente clássico (crítica que acho também presente na cena com os dois bonecos numa remontagem de shakespeare em inglês macarrônico, e também presente na cena em que vocês avacalham com hamlet). Mas seria legal conversarmos sobre as Veleidades pra depois falar dessa situação. Lembro que minha primeira leitura, também mega superficial, era de que as veleidades eram os três poderes. Se pensarmos por essa chave, a veleidades falariam esse texto aos dois irmãos, Pedro e Paulo, pressupondo que estariam na iminência do totalitarismo, mas que pra eles faltaria força pra tal. E, o que seria mais revelador, estariam prontos pra fazê-lo, mas lhes falta coragem.
    Isso respondo como uma primeira impressão. Não tinha parado pra refletir sobre isso a partir da cena. Mas, foda-se, saca? A obra reverbera onde for pra reverberar.
    Também por isso aguardamos o envio a última versão do texto de veleidades. Vai ser um prazer poder publicar e discutir também com base no texto de vocês.
    Abração e seguimos na conversa.

  4. astier basílio disse:

    acabei de ler o texto.
    Ainda estou atordoado com a leitura.
    Com o mónologo do fantasma do pai de Hamlet
    magistralmente encaixado dentro
    de outra conversa entre pai e filho,
    sob a escrita de Machado de Assis,
    em “Teoria do Medalhão”,
    conto em que o Bruxo do Cosme
    Velho já fazia uma citação ao Príncipe,
    de Maquiavel.
    Acabei de ler e fui na estante pegar
    o “Rei da Vela”.
    Não sei porque mas a todo momento eu lembrava
    do texto do Oswald

  5. astier basílio disse:

    Ontem mesmo, assim que li “Veleidades”
    tratei de, ato contínuo (re)ler
    de um take, o “Rei da Vela”.
    Me senti como Jorge Luís Borges no seu conto “O Outro”.
    Quando ele próprio, décadas depois, encontra-se consigo mesmo atravessando um rio. Exageros à parte, devo ter lido “Rei da Vela” a primeira vez
    há uns três anos. Lembrei de Heráclito, uma das obsessões de Borges. Nunca o mesmo homem atravessa o mesmo rio duas vezes. Na segunda vez, serão outros o rio e o homem.
    A leitura, dizia Borges, é o rio de Heráclito.
    Pude constatar isso.
    Ri muito e me deliciei com o “Rei da Vela”
    coisa que não aconteceu da outra vez em q li.

    Percebi vários pontos de comunicação entre “Rei da Vela” e “Veleidades” –
    falo dos textos, claro. Nunca vi montagens nem de um nem de outro.

    No momento em que Abelardo I, banqueiro que recebe na primeira cena
    as pessoas que lhe vêm pedir empréstimos,
    aparece o Pinote, escritor que aluga sua pena,
    uma devastadora crítica a relação subserviente dos escritores.
    Pois, bem dá-se o seguinte diálogo:

    PINOTE (…) não tenho idade para cultivar o romance, a poesia… O teatro nacional
    virou teatro de tese. Eu eu confesso a minha ignorância, não entendo de política.
    Nem quero entender.

    ABELARDO I – É um revoltado?
    PINOTE РAbsolutamente ṇo! Fui no col̩gio. Hoje sou quase um conservador! o que me falta
    é convicção.
    ABELARDO I – Tem veleidades sociais…. quer dizer, bolchevistas?
    (…)

    O binômio Pedro- Paulo, os irmãos, me lembrou os irmãos gêmeos
    de “Rei da Vela”, Abelardo I e Abelardo II.
    (…)
    ABELARDO I РDiga-me uma coisa, seu Abelardo, voc̻ ̩ socialista?

    ABELARDO II- Sou o primeiro socialista que aparece no Teatro Brasileiro.

    ABELARDO I РE o que voc̻ quer?

    ABELARDO II РSuced̻-lo nessa mesa

    (…)

    Outro ponto em que vejo uma ligação entre “Veleidades” e “Rei da Vela”
    é a ligação que ambos estabelecem com “Hamlet”.
    Em “Veleidades”, a citação tá muito clara
    e mistura-se com Machado de Assis.
    Em Oswald, é a linha da tragédia que se vincula a Shakespeare.
    Em “Rei da Vela”, simplificando, Abelardo II rouba e acaba matando o irmão
    para tomar posse do que é dele e desposar Heloísa, sua cunhada.
    A cena final de “Rei da Vela” é “Hamlet” puro:

    (…) Ouvem-se os acordes da Marcha Nupcial uma luz doce focaliza o par.
    Aparecem então em fila, vestidos a rigor os personagens do 2º Ato que,
    sem dar atenção ao cadáver, cumprimentam o casal enluarado, atravessando
    ritmadamente a cena e se colocando por detrás dele, ao som da música.
    O facista (personagem militar e dono de uma fazendo, primo da noiva)
    saúda à romana. O Americano é o último que aparece e o único que fala.

    O AMERICANO – Oh! good business!

    ….

    O espetáculo ainda reverbera, joga links e continua vivo em mim por um só elemento dele, o texto.
    Eu tenho que ver essa peça.

  6. astier basílio disse:

    Acabei de localizar
    as peças que o Pedro do Feijão
    cita como fontes.

    “Quase Ministro”,
    q a peça do MAchado
    q eu mais gosto – vou reler,
    li ano passado e ainda tá fresca na memória

    (http://www.biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://www.biblio.com.br/conteudo/MachadodeAssis/quaseministro.htm)

    e “Assim se fazia um deputado”

    (http://www.biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://www.biblio.com.br/conteudo/FrancaJunior/comosefaziaumdeputado.htm)

    que já baixei e imprimi.

  7. fabii disse:

    qual é o nome da queles negocios de ferro q eles ficavam subindo, descendo e se empemdurando??

O que você acha?

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