FIT 2008 РFestival Internacional de Ṣo Jos̩ do Rio Preto

Especial   |       |    17 de julho de 2008    |    6 comentários

A saga de um veículo super-populoso

“Em julho, toda a atenção da mídia teatral está voltada para São José do Rio Preto, cidade do interior de São Paulo, a seis horas de distância de ônibus para alguns, ou uma hora de avião para outros.” Conhece esse começo de reportagem? Pois é, poucas coisas mudaram do 7º para o 8º Festival Internacional de Teatro de Rio Preto. Na sexta-feira, 11 de julho, “dois bacantes viajaram por terra, um pelo ar, e o outro ficou…” em São Paulo? Não, no Japão, mas isso é outra história e garantimos que a Leca estava conosco em nossos corações. Além de trocar Leca por Maurício e de São Paulo ter ficado sem ninguém de plantão “caso algum ator surte e resolva doar seu cabelo para a caridade ou um diretor, que não o Zé Celso, faça uma peça nu na Avenida Paulista”, mudou também que, dessa vez, a gente até tinha lugar no hotel, na van e nas peças. A gente, no caso, é o veículo, porque o credenciamento oficial – com casa, comida e roupa lavada (leia-se: hotel, comida, ingresso e van lavada) – é só pra um representante de cada veículo (a menos que você seja a WTN e inscreva um cinegrafista e um iluminador) e a Bacante é um veículo super-populoso, em que, felizmente!, mais de uma pessoa quer cobrir um evento de 11 dias e 39 peças, que conta ainda com performances diversas e muita gente pra dialogar, pra pensar teatro junto.

Já que todos somos, oficialmente, um, que seja um completo, um se matando pra cobrir tudo que pode. Democraticamente, por eleição realizada no palitinho às cegas, o Maurício foi eleito para tirar férias a trabalho e acenou pra galera do festival que cobrira TUDO. Tudo certo, poucos dias antes, ele é comunicado de que nenhum jornalista vai cobrir mais que cinco dias. “Puxa, bacana, a Bacante está mais a fim de cobrir do que todo mundo, ou somos os únicos que podem fazê-lo. De todo modo, legal!” Na verdade, não. “Maurício será que você poderia ir depois ou voltar antes?” Agora, num esforço para entender a situação, imagine que você gosta muito, mas muito mesmo, de cinema. Aí você, cinéfilo leitor, vai na locadora pra pegar a triologia de O Poderoso Chefão pra “encher a cara” na madrugada. O funcionário da locadora, com muita simpatia, informa: “olha, eu até tenho os três filmes, mas ninguém está alugando mais do que dois. O senhor não poderia levar só o 1 e o 2 ou só o 2 e o 3?”. A diferença é que, no caso de locadoras, você acha outra na próxima esquina, já os festivais, como o próprio teatro, é momentâneo, passa, é o encontro, que é só aquele momento e o que se leva dele. Então, se alguém te diz: “olha, você viverá dois ou três dias a menos desse encontro”, você disfarça e chora, porque não tem outro lugar em que você possa achar aqueles encontros.

Não, a gente não quer ser a WTN, embora seja uma iniciativa independente bem bacana, com a qual foi muito legal poder dialogar, ainda que por poucos minutos a caminho do hotel. A gente também não quer que o Festival nos sustente e é compreensível que, até por responsabilidade com o dinheiro público utilizado no evento, o número de jornalistas “bancados” seja restrito. Em síntese, nossa pretensão não é transformar o FIT no paraíso das maiores equipes de cobertura jornalística da história, mas é apontar para um Festival que seja mais política do que números – no sentido de ter foco na promoção de encontros potentes e não no retorno financeiro e midiático ao patrocinador (pensando, aqui, o patrocinador como a empresa que deixa de pagar impostos pra ver sua marca mais consolidada, não pensando no real patrocinador que é o brasileiro que paga impostos). Isso porque quando o encontro se torna o foco, então é mais relevante que três pessoas da WTN cubram o festival todo e o levem a muito mais pessoas em programas que duram de 8 a 10 minutos, do que o crítico do maior jornal vá até lá pra publicar uma ou duas críticas de uma ou duas laudas. Talvez, radicalizando a proposta, seja, inclusive, mais relevante que estudantes de artes cênicas do país todo possam estar lá do que a própria mídia (nós incluídos, mas nesse caso faríamos carteirinha de estudante falsificada).

Com tudo isso em mente, mais uma vez fomos para o FIT, Maurício dois dias depois do previsto, mas ainda com o privilégio de ficar até o fim do festival; Juliene e Fabrício para um curtíssimo fim de semana – tipassim só o trailer do primeiro O Poderoso Chefão. Como no ano passado, apesar de mais íntimos da cidade (muito graças ao Audiotour feito em 2007), “nada disso seria possível sem algumas almas generosas”, que nos deram abrigo, PF com preço justo, amizade, carona com excepcional trilha sonora incluindo Conga La Conga e Have you ever really loved a woman?, nossa primeira entrevista ping-pong, entre outros benefícios que potencializaram os encontros do FIT 2008.

Aprendendo o conceito de fila indiana com o Montanha e conhecendo seus discípulos

Nas profundezas do Sesc Rio Preto, lugar aparentemente pacífico, inofensivo e que “respira arte” (não é linda essa expressão?), vive um sujeito raro e facilmente reconhecível: o Montanha. Ele é uma criatura grossa por natureza, que não faz o que faz por falta de educação: é de sua essência ser assim, direto, estúpido e sem concessões – mesmo que seja o prefeito de Rio Preto que esteja na frente dele, o “dá licença” do Montanha vai continuar soando perfeitamente como um “sai da frente, porra”. O Montanha é grande, como diz seu apelido, e tem profundo conhecimento sobre a cultura oriental, especialmente a da Índia, adquirido no contato próximo com pessoas de lá, já que seu maior talento é para relações públicas, faculdade que pretende cursar no ano que vem. Desta tradição milenar, o Montanha traz o complexo conceito de fila indiana para compartilhar com o público anárquico que espera na fila para assistir Cachorro!, enquanto o prefeito, o elenco de Aqueles Dois e dois bacantes entram por debaixo do pano. “Fila indiana é um de cada vez”, ensina, com paciência de Buda que dissimula em sua voz máscula, “não é tudo em bolo assim, não”, reforça, compreendendo sabiamente que o ritmo de aprendizado é variado entre seus discípulos. A maior conquista deste abnegado educador de filas é ver as pessoas entrarem organizadamente, sem fazer zona, para ocupar o teatro – ainda que muitas tenham ficado pra fora enquanto uma fileira inteira vazia esperava por elas dentro do teatro.

Em outros espaços, há outros Montanhas, alguns que aprenderam com o lado interior do mestre (paciente, abnegado, solícito), outros que só levaram consigo os ensinamentos do exterior (um pouco menos delicado, digamos). O primeiro caso, dos pacientes, abnegados e solícitos, é o de praticamente todos os produtores, assessores de imprensa, anjos e coordenadores de espaços do FIT, com destaque para a Fabi, pessoa mais procurada do festival depois do Sr. Vermelho e forte candidata a funcionária do mês na categoria “quem menos dorme durante o festival”, e para a “produtora–veterinária” que ficava na porta do Sesi e pegou emprestados alguns salgadinhos do camarim daqueles quatro para alimentar uma cadelinha linda e grávida que zanzava pela rua.

Não-lugar, não-conversa, não-calor-humano, não-puff

Entre as mudanças do FIT está a localização do Não-Lugar, a baladinha-performática. Agora na Swift e, portanto, mais acessível ao público em geral, o local conta com iluminação do Guilherme Bonfanti e muito, muito espaço para ser ocupado por sons altos o suficiente para não permitir que ninguém converse. E, já que não dá pra conversar, que tal um bilhar-teatral?

Além da possibilidade de bater um papinho sem gritar, o que mais fez falta por ali foi um lugar para se jogar depois de andar de teatro em teatro, praça em praça, debate em debate. Só nos resta aderir ao movimento-dos-sem-puf, afinal, no sítio do ano passado os pufs-salvação foram eleitos por unanimidade o melhor local para esperar carona ou esperar para dar carona.

Filas não faltaram nos dois dias em que fomos ao Não-Lugar, embora houvesse espaço de sobra dentro da festa. Dizem que fila na porta atrai mais gente, pela perspectiva de que, “se tá bombando, deve tá legal”.

A aldeia se expande ou Pôncio Pilatos baixou em mim!

Até o ano passado, escolhia-se apenas um representante riopretense para fazer parte da festa. O espaço, considerado ínfimo pelos artistas locais foi motivo de manifestação com armas poderosas: apitos e panfletos esquisitos. Polêmica, a seleção do Aldeia FIT está entre os temas mais importantes para serem pensados a respeito do FIT, pois coloca em questão a relação de um festival internacional com o lugar/espaço que ocupa, uma relação que, se bem cuidada, pode ser de troca e diálogo intensos.

Ano novo, vida nova: em 2008, tudo mudou. Cansados de ouvir os resmungos da galera (ou por generosidade e tática pedagógica), os organizadores deram uma de Pilatos: “beleza, galera, decidam vocês!” Então, representantes de cada um dos 28 grupos inscritos tiveram que escolher, juntinhos, as dez peças que mereciam ir pra Academia do Fama, ups, pro FIT. Dizem que critério amizade não valia. Na prática, vai saber. O que o método tem de interessante é levar os artistas a lançarem um olhar crítico sobre suas próprias obras e, sobretudo, a conhecerem seus conterrâneos e o trabalho que realizam. Por outro lado, abrir mão de curar somente os espetáculos “nativos” é uma decisão arriscada, sobretudo num festival que pretende basear-se num conceito central, no caso: “TEXTuras”. Aqui vale pensar: Será que essa opção entra nas texturas da cidade ou será que eles somente correram com a coisa mesmo?

O mundo dos sonhos ou albergue teatral

A Bacante começou a conhecer melhor a etiqueta dos festivais e as especificidades de cada um justamente no FIT, há quase um ano. Evidentemente, a primeira ida a Rio Preto foi muito transformadora para as nossas visões do teatro e de suas manifestações no Brasil e, claro, para a Revista de maneira geral. Desde então, caímos na estrada: Porto Alegre em Cena, riocenacontemporanea, Festival Íbero-Americano de Teatro, Festival de Curitiba, Festival de Londrina, FIT-BH. Hoje, velhinhos e cansados, começamos a desenhar em nossas cabeças iludidas o nosso mundo dos sonhos, um festival que conseguisse unir as excelentes programações que temos acompanhado com a promoção de diálogo entre artistas e, sobretudo, a abertura deste diálogo a cada vez mais pessoas.

Para isso, concebemos uma idéia semi-genial, ainda incompleta, mas aberta a sugestões e patrocínio (não aceitamos nada menos que R$2.300.000,00). O Festival do mundo dos sonhos, provisoriamente chamado Andersen’s Festival, precisaria de, no mínimo, três semanas. A primeira, semana da confraternização e início das discussões; a segunda, de apresentações das peças; e a terceira, de novas discussões e novas confraternizações. Para a segunda semana, a cidade-sede precisaria disponibilizar muitos teatros. Para a primeira e a terceira semana, muitos butecos e muitas garrafas de cerveja (sucos de uva pros mais saudáveis) que substituiriam alegremente os gravadores e câmeras. O transporte para os teatros sairia de pontos específicos uma hora antes das apresentações e estaria aberto a todos, não só jornalistas e artistas, e nenhum atrasado jamais poderia xingar a Fabi. E, finalmente, para as manhãs de sono – hora de descansar depois de madrugadas filosófico-etílicas – o festival organizaria um gigantesco albergue teatral, onde ficariam instalados artistas e jornalistas (os que preferissem o hotel porque não abrem mão do conforto, teriam o isolamento bancado pela organização sem problemas, mas alertados de que seriam tachados de chatões por todo mundo do festival) e, sobretudo, estudantes e outros interessados em teatro, de preferência amadores (no melhor sentido da palavra), trazidos em felizes caravanas de diversas partes do Brasil e do mundo

Agradecimentos

Fabi, como era no princípio, agora e sempre.

Lú Romagnoli, agora sem bolachas integrais, mas com Chocookies.

Perpétuo Peralta, vulgo milagre.

Tio da barraca de cachorro quente que cura gripe, em frente ao Não-Lugar.

Organização do FIT, que nos convidou, mesmo sabendo os problemas que iríamos causar.

(Confira também algumas visões de Fabrício Muriana e Maurício Alcântara sobre o FIT 2008)

'6 comentários para “FIT 2008 – Festival Internacional de São José do Rio Preto”'
  1. […] (Leia também o especial de Juliene Codognotto sobre o FIT 2008) […]

  2. […] (Leia também o especial de Juliene Codognotto sobre o FIT 2008)  […]

  3. Perpétuo Peralta disse:

    Juli… rsrsrs adorei seu texto!
    Vou apresentar meu espetáculo no CEU de Campo Limpo dia 30 de agosto… se vc puder!
    me escreva no meu mail…
    Beijossss

  4. Juli disse:

    Milagre!
    Que bom que você apareceu por aqui. Venha sempre!

    Só vou até o CEU Campo Limpo se for ouvindo Conga, la conga. rsssssa

    Beijos.

  5. […] No ano passado, chegamos a pedir autorização de republicação do conteúdo do painel crítico na Bacante. Lembro que nos autorizaram, mas desistimos da republicação pois o período do FIT já tinha terminado. […]

  6. […] Em São José do Rio Preto, na primeira, na segunda e na terceira vez que fui, tomei muitos sorvetes, fui ao mercado municipal, à biblioteca municipal […]

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