Lição sem data ou Só pra fechar

Blog   |       |    19 de julho de 2009    |    1 comentários

O Festival de São Caetano, o Cena de Teatro, terminou hoje, mas algumas coisas ficam e eu faço questão de apontar quais. Tomei a liberdade de chamar tais coisas pelo autoritário termo “lição” no título desse post, espero que isso não espante os leitores.

Estive em dois debates no Festival e, para mim, a curadoria dos encontros/ mesas-redondas foi o diferencial deste evento. O primeiro de que participei teve como tema Lutas recentes dos coletivos teatrais. O segundo era mais uma provocação: Fronteiras do teatro. No primeiro, o Fabrício também estava e, para contar um pouco do que se passou, parto de uma conclusão comum entre nós dois: “porra, todo mundo devia aprender isso na escola”. Pois bem, vamos aos pormenores.

O debate contou com a presença de Iná Camargo Costa, do Luiz Carlos Moreira, do Pedro Pires e da Kelly di Bertolly e acabou se concretizando em uma aula de políticas públicas e história do teatro principalmente sob o ponto de vista comercial. E quando eu digo aula não estou falando da sua professora de matemática que te ensinou função logarítmica, tô falando do mundo ideal, ou seja, das aulas – ou encontros, momentos de produção de conhecimento ou como vc quiser chamar – que são “manuais de sobrevivência” no mundo.

Tudo começou com o Moreira e sua fala muito clara sobre a evolução do teatro como “modelo de negócio” falido (Sim, esse é um post realista – artistas cardíacos devem evitar lê-lo). Ele começa contando brevemente sobre o TBC e assumindo esse teatro como o marco do “teatro moderno brasileiro” – assim definido: teatro mercantil, com linha de montagem vertical baseada em uma hierarquia e em especialização de funções, cujo objetivo é gerar um produto. Pode ser comparado, portanto, à organização fabril. Nesse ponto, para tornar a apreensão mais precisa, Moreira nos lembra que, ao falar de mercadoria, não está falando do produto, mas das relações: investidor + dono + mão de obra especializada + trabalho = produto/ bilheteria. E, claro, uma relação que, em essência, contrapõe posse e trabalho.

Esse modelo faliu entre as décadas de 1950 e 1960.

Os profissionais continuam procurando maneiras de serem economicamente viáveis, ou, como acrescentaria a Iná mais adiante, “quando a burguesia se retira do teatro [1950 na Europa; 1958 no Brasil], ficam todos correndo atrás de um substituto pra pagar a conta”. Então, Flávio Rangel teve a idéia de agregar profissionais que, em vez de serem pagos previamente, dividiriam os valores da bilheteria.

Este modelo também faliu.

Em 1979, nasce a Cooperativa Paulista de Teatro. Em paralelo, Paulo Pontes, à frente da ACET (Associação Carioca de Empresários Teatrais), conseguiu exigir uma postura da ditadura militar e arranjou um financiamento com juros subsidiados, via Nossa Caixa, que durou até os anos 1990.

Este modelo também faliu.

Eis que surgem os coletivos teatrais. Agora havia uma nova proposta de organização, assim definida: um grupo é união de artistas, não um ajuntamento, em que todos participam das decisões coletivas; a especialização do trabalho se torna desnecessária; a obra não nasce mais como constatação das habilidades dos artistas contratados para aquele trabalho, mas é fruto das idiossincrasias daquelas pessoas ali reunidas e de um projeto que dá unidade ao coletivo. Não tem dono. Não tem divisão rígida do trabalho. Não é eficiente. Pelo contrário, as pesquisa costumam durar anos até gerar produtos.

Ainda segundo o Moreira, essa nova organização em grupos não é necessariamente uma escolha, mas falta de opção, já que esse modelo se estabeleceu como fruto da incompetência dos modelos anteriores.

Muito bem. Na verdade, este modelo também já nasce falido. As produções não pagam as próprias contas e, então, surge a necessidade de recorrer ao dinheiro público. Baseados na Constituição Nacional, que coloca arte e cultura como direito do cidadão, a classe artística corre para se estabelecer como defensora desse direito. A briga passa a ser por políticas públicas.

Nesse momento, a reflexão de Moreira chega a um ponto extremo e muito interessante para obrigar os próprios artistas (pensadores, militantes, críticos e fãs de teatro tb podem se incluir) a repensar sua própria “existência”. Partindo do princípio que o conceito de profissional é aquele que vende sua força de trabalho para poder atender as suas outras necessidades, há que se perguntar: “Se, historicamente, eu não consigo vender a minha mão de obra, eu sou profissional?”. E isso não é um “chora, seu fracassado!”, isso é exacerbar uma contradição e buscar um olhar mais consciente sobre si. O que, afinal, os artistas do teatro estão tentando ser, sem sucesso, há décadas? Por que estão tentando isso? Por que não deu certo até agora?

Há, então, a partir do movimento Arte contra a Barbárie, que culmina na Lei de Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo, uma ruptura, a sugestão concreta de um novo modo de produção. No entanto, pro Moreira, a fratura estética foi até um ponto e parou, assim como a consciência da necessidade de se estabelecer outra relação com o público. Essa busca desacelerou – se é que não andou pra trás – e, com isso, Moreira afirma: “reproduzimos um modelo mercantil que faliu nos anos 1950”. Como? Procurando uma relação de produção diversa entre os artistas, mas, em descompasso com isso, não procurando alternativas para se relacionar de outra maneira com a sociedade, ou seja, esperando, ainda, que o público venha “prestigiar” a obra do artista e, muitas vezes, que ele pague o ingresso (é como dizia a Cacilda Becker, né? “Não me peça para dar a única coisa que tenho para vender” – citação esclarecedora de um modelo falido de outro tempo). Outro problema, além desta incoerência de não buscar construir de fato outro paradigma, surge novamente no bolso: “o cobertor fica curto”, ou seja, o Estado não dá conta de financiar todos os coletivos de pesquisa e tem início a competição ou, para usar palavra que deixa mais clara a natureza do processo, a “concorrência”, elemento intrínseco à lógica do mercado, logo: incoerência.

Em seu momento com a palavra, Iná revela um olhar menos otimista-elogioso que o que se costuma ouvir/ler dela com relação aos coletivos. Aliás, bem menos. “Cachorro que caiu da mudança” e “esquizofrenia”, assim é como ela define a situação atual do teatro de grupo. Não pra que tudo se acabe, mas pra que todos vejam a necessidade de se orientar.

No parâmetro histórico, ela nos lembra que foi a Commedia Dell`arte que instaurou uma separação burguesa entre palco e platéia. “A burguesia estabeleceu a relação no século XVI e a rifou no século XIX”. E ninguém quis comprar a rifa. E ficaram os artistas órfãos, também porque, como afirma Iná, as próprias estruturas contribuem para o desconhecimento de outras alternativas de relação com o mundo e a sociedade. Ela, então, provoca: “quem disse que a sociedade quer VOCÊ como artista?”. Com relação à divisão entre amadores e profissionais, o posicionamento de Iná é bastante radical: “Estamos querendo viver de teatro em um contexto em que isso é impossível”. Por outro lado, ela cita exemplo de outros fazeres, como o de uma companhia alemã que se sustentava por meio de uma sociedade formada por pessoas interessadas em participar de e/ou assistir as montagens.

Volto à fala do Pedro Pires, da Cia do Feijão, que se manifestou entre o Moreira e a Iná, oferecendo um parâmetro interessante para compreender algumas coisas levantadas por ambos. Pedro fez um histórico breve sobre os incentivos desde a Lei Sarney, passando para as contradições da Rouanet (de que já falamos bastante por aqui, mas que podemos resumir, como ele fez, à distorção que condiciona dinheiro público ao interesse privado).

Entra, então, na discussão, de maneira muito clara, a Indústria Cultural e as diferenças na escala de produção. Pedro compara o trabalho dos coletivos teatrais ao trabalho artesanal, de manufatura, que, por questões muito concretas, não tem condições de competir economicamente com a produção em escala de mercado (característica de musicais da Broadway , do Cirque de Soleil, do Mac Donalds – tá, é comida, mas dá na mesma – entre outros). O trabalho artesanal preserva a importância de um tempo de maturação, de uma produção consciente e humana. “O trabalho de grupo só existe, de fato, se ele durar no tempo, se tiver possibilidade de se organizar no tempo.” Pedro também reforça a idéia levantada por Moreira: “todo mundo vira grupo porque passou a ser o único meio de sobrevivência depois da Lei de Fomento”. É por esse motivo, aliás, que ele defende que além de reivindicar mais dinheiro pro Fomento, haja também uma busca por lei complementares, capazes de constituir, enfim, uma política pública que assim possa ser chamada.

Chega, então, o momento: “Isso devia ser currículo escolar do ensino fundamental”. Moreira passa a explicar como se diferenciam as possibilidades de ação governamental com foco na cultura – o que, na verdade, se estende a qualquer área. Para começar a entender, é preciso saber o que o movimento que culminou na Lei de Fomento disse ao Estado foi: “Olá, Estado, sua função é ter um papel de estruturação por meio de programas públicos”, ou seja, não é gerar emprego e renda, é gerar estrutura. Para ir um pouco além na reflexão, é preciso diferenciar “Política de Estado” de “Política de Governo” (ok, essa é fácil, ma não custa repetir). Para isso, é importante lembrar que o governo, entendido como prefeitos, governadores e presidentes, é poder EXECUTIVO e a palavra executivo tem bastante importância nesse contexto. Executivo de executar programas de governo (já construídos historicamente) que respondam às necessidades estruturais (previstas) e planejar e executar ações de governo que respondam às necessidades conjunturais (imprevistas na lei).

Em outras palavras, quando o Poder Legislativo aprova uma lei chamada Lei de Fomento ao Teatro, que prevê a realização de um programa de incentivo à produção teatral, especificando detalhes de como o programa deverá funcionar (reserva de verba, periodicidade, composição da comissão avaliadora, etc), ele diz a qualquer Sr. Prefeito que venha a ser eleito: “Querido Sr. Prefeito, o Sr. vai executar “esse programa” “dessa maneira”, entendeu?”.

Assim:

1. programas concebidos, votados e aprovados no legislativo são estruturais;

2. ações governamentais concebidas e realizadas pelo executivo são conjunturais; e

3. fundos (como o Fundo Nacional de Cultura – FNC, por exemplo) são instrumentos (para garantir que haja verba disponível para as ações de governo quando elas se fizerem emergenciais).

Para fechar com um chacoalhão de ouro, Moreira lembra que nosso governo atualmente destina 0,6% da grana dos nossos impostos ao Minc e 30% ao sistema financeiro. Calma, ainda não acabou. O investimento no FNC está na casa de 200 milhões de reais, enquanto a verba destinada para que os departamentos de marketing tenham liberdade de escolher por que tipo de propaganda trocar o imposto (Lei Rouanet) está na casa de 1 bilhão e 400 mil reais. “Na expressão marketing cultural, é preciso lembrar que ‘cultural’ é apenas o adjetivo, o substantivo continua sendo ‘marketing’.

**

No seminário Fronteiras do Teatro discutiu-se muita coisa. Muita coisa mesmo – desde o sentido da vida; incluindo o porquê um artista plástico coloca um homem nu raspando uma gilete na parede em uma instalação; passando ainda pela incomunicabilidade da arte moderna, até chegar no clássico “o que é arte?”. Achou cansativo e superficial? Imagine agora que nessa roda entrou até a velha discussão sobre as contrapartidas sociais do Fomento.

O que trago sobre o tema central, que acabou ficando com pouco tempo para se desenvolver, é a idéia de que as bases de cada linguagem se dissolveram e, com isso, foi possível que as linguagens se misturassem e se integrassem. Além disso, ficaram as perguntas: “queremos mesmo a idéia de fronteira? Nos importa, como artistas, colocar cerquinhas em torna da propriedade da nossa linguagem?”. Para se pensar…

PS: Esse é um PS opinativo e revelador de que este post tem cunho pessoal. Revelo, então, que o número de linhas dedicado a cada um dos debates é proporcional a quanto transformador eu os considerei.

'1 comentário para “Lição sem data ou Só pra fechar”'
  1. Oseng disse:

    – one can’t help but to love the beach.The balance in the photo you craputed here is just breathtaking or well actually more of a calming nature in the breathtaking way if that makes sense.I can almost feel the rays 🙂 and it sure does make me want to go to the beach.Our trip took us to the beaches in Denmark but I guess as long as it is a beach there is just something about it 🙂

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