Prêmio APACEPE de Teatro e Dança

Especial   |       |    24 de fevereiro de 2010    |    8 comentários

Muito tango e ópera, em noite de ar condicionado e vale-água

Noite de gala. Atrizes, atores, dançarinos, diretores, músicos, cantores e produtores chegam cheirosos e elegantes ao salão de festas do Sesc Santo Amaro, no Recife. Nos olhares, sorrisos e abraços é difícil notar qualquer sinal de que algumas daquelas pessoas estão, na verdade, em pleno duelo sangrento por uma estatuetazinha que pode significar uma peninha colorida a mais na hora de exibir sua cauda de pavão para editais públicos, festivais, empresas patrocinadoras, Sescs e afins. Ou mesmo pra botar no currículo de vendedor, chapeiro do Mac Donalds, patinador no gelo, enólogo, ascensorista – porque prêmio é prêmio, né, gente? Abre as portas, as janelas, os sorrisos, as… possibilidades, enfim.

Dezenas de mesinhas de plásticos daquelas de colocar em volta da piscina estão dispostas informalmente no salão. A iluminação do ambiente é feita pela mesma moça que vai ganhar quase todos os prêmios de iluminação da noite. No palco, a projeção do vídeo do festival, ressaltando os patrocinadores e produtores, estes últimos: Relicário Produções Culturais e Editoriais Ltda; Paulo de Castro Produções – a mesma produtora do musical O Encontro de Capiba e Nelson Ferreira no Céu, apresentado no pomposo teatro Santa Isabel como parte da programação oficial do festival – e Remo Produções Artísticas – a mesma da peça Carícias, grande campeã da noite na categoria Melhor Espetáculo (Júri Oficial) apesar do favoritismo de bastidores da peça Encruzilhada Hamlet. A Paulo de Castro Produções estava representada por… Paulo de Castro, o mesmo que ocupa o cargo de presidente da APACEPE, a mesma que escolheu o Júri Oficial que concedeu os prêmios da noite. Já a Remo Produções estava representada pela atriz e produtora Paula de Renoir, a mesma que concorreu também ao prêmio de melhor atriz pela peça Carícias, aquela mesma obra que foi premiada como Melhor Espetáculo (Júri Oficial – aquele que é escolhido pela APACEPE – aquela que é presidida por Paulo de Castro…). Bem, acho que estou sendo repetitiva.

“Assim informal é bem melhor do que no Teatro Santa Isabel, né?”, ouço inúmeras vezes e me pego a imaginar como a entrega dos prêmios naquele teatro dourado devia ser ainda mais parecida com o Oscar, em seu pseudo-luxo. De repente, um tango. Combinando a dança com aquele ar condicionado desproporcional – característica do Recife, aliás – pude me sentir no inverno em Buenos Aires embora estivesse no verão no nordeste do Brasil. (Certo, suor não combina com Oscar) De repente, uma ária. Volto de Buenos Aires e me sinto meio pairando, sem lugar definido. Será que é assim que aqueles artistas se sentem? Melhor pegar uma cerveja.

No bar, funcionários simpáticos te mostram um cardápio que está colado na mesa e virado para dentro – ou seja, você não consegue ler. Mesmo assim, com um pouco de esforço, é possível pedir desde batata frita com carne de charque até cerveja barata e whisky caro. Isso sem contar que cada convidado recebe dois vale-bebida, que podem ser refrigerante, água ou cerveja – mas você tem que decidir logo na entrada, não vale prometer que vai tomar água, depois ficar puto que não ganhou o prêmio e querer trocar por cerveja. E é isso aí, nada de ostentação com dinheiro público! A maior demonstração ética dessa premiação e desse festival está nesse preciso controle das bebidas, porque a prefeitura do Recife, o governo de Pernambuco, a Caixa Econômica, a Chesf, a Funarte e o Ministério da Cultura não deram dinheiro pra bancar bebedeira de artista enquanto escuta show de samba. Ah! E teve show de samba no final. E, aliás, festa com dançarinos é um pouco constrangedor, o negócio é manter-se longe da pista de dança. Ou comprar outra cerveja.

“Isso aqui não tem nada a ver com arte, isso é antropológico”, ouço em off essa afirmação genial e volto a pensar na pena do pavão. Afinal, qual o sentido de um prêmio como esse? Ou, por outro lado, qual o sentido de um encontro de peças teatrais e artistas deixar de ser uma troca para se tornar uma disputa em que os mesmos que premiam também competem?

“A própria classe artística reclama se acabarem com o prêmio, todo mundo espera o prêmio o ano todo”, ouço, em outro off, no banheiro quentinho – o ar condicionado não consegue nos congelar no banheiro, é o espaço de fuga. Assim sendo, será que dá pra chamar isso de classe? Categoria? (Ou qualquer outra palavra que aponte para a união de pessoas que têm realidades semelhantes e objetivos profissionais em comum e por isso se unem para beneficiar este coletivo?)

“Quem nos escolheu para este prêmio não está aqui”, diz a atriz Cátia Cardoso ao receber o prêmio de Melhor Espetáculo (Júri Popular) por A Dona da História. “É estranho, mas obrigada”, diz a atriz e produtora do festival Paula de Renoir ao receber o prêmio de Melhor Espetáculo (Júri Oficial) por Carícias. As pessoas se entreolham com toda a discrição que conseguem manter. É, é tudo muito estranho mesmo. Menos a cerveja, que depois da terceira sempre fica melhor.

***

E pra quem adora prêmios e faz mesmo questão de saber quem ganhou uma  pena nova pra sua cauda bonita, aí vai a listinha de premiados:

Comissões Julgadoras do Prêmio APACEPE de Teatro e Dança de 2010

Categoria Teatro Adulto: Antônio Cadengue, Breno Fittipaldi, Fátima Pontes, Magdale Alves e Thiago Liberdade

Categoria Teatro para a infância: Edjalma Freitas, José Francisco Filho, Kyara Muniz, Patrícia Mendes e Quiercles Santana

Categoria Dança: Cláudio Lacerda, Daniela Santos, Giordani Gorki, Luiz Roberto e Heloísa Duque


Prêmio Especial da APACEPE (Destaque na Produção)
Musicata Cia. de Arte, pela produção da ópera “Dido e Eneas”

Premiados na Categoria Dança:

(Equipe de Leve, aclamada por júri oficial e popular) Foto de Wellington Dantas

Melhor Espetáculo (júri oficial):
Leve (Renata Muniz e Maria Agrelli)

Melhor Espetáculo (júri popular):
Leve (Renata Muniz e Maria Agrelli)

Melhor Bailarino:
André Vítor Brandão (De Dentro)

Melhor Bailarina:
Maria Agrelli (Leve)

Melhor Trilha Sonora:
Leve (Isaar)

Melhor Iluminação (empate):
Leve (Luciana Raposo)
Sobre Um Paroquiano (Eron Villar)

Melhor Cenário:
Leve (Isabella Aragão e Luciana de Mari)

Melhor Figurino:
Sobre Um Paroquiano (Júlia Fontes e Suzi Queiroz)

Melhor Coreografia:
Sobre Um Paroquiano (Raimundo Branco)

Prêmio Especial do Júri:
Ao elenco da Qualquer Um dos 2 Companhia de Dança, pela qualidade do trabalho em grupo no espetáculo “De Dentro”.

Premiados na Categoria Teatro para a Infância

Melhor Espetáculo (júri oficial):
Guerreiros da Bagunça (Pedro Portugal)

Melhor Espetáculo (júri popular):
Peter Pan – Em Mas Uma Aventura na Terra do Nunca (Capibaribe Produções)

Melhor Direção:
Rudimar Constâncio (Guerreiros da Bagunça)

Melhor Ator:
Não houve indicação

Melhor Atriz:
Célia Regina (Guerreiros da Bagunça)

Melhor Ator Coadjuvante:
Neemias Dinarte (Guerreiros da Bagunça)

Melhor Atriz Coadjuvante:
Ana Souza (Pinóquio e Suas Desventuras)

Ator Revelação:
Não houve indicação

Atriz Revelação:
Não houve indicação

Melhor Trilha Sonora:
Guerreiros da Bagunça (Demétrio Rangel)

Melhor iluminação:
Pinóquio e Suas Desventuras (Luciana Raposo)

Melhor Cenário:
Pinóquio e Suas Desventuras (Luciano Pontes)

Melhor Figurino:
Pinóquio e Suas Desventuras (Luciano Pontes)

Melhor Maquiagem:
Guerreiros da Bagunça (Célio Pontes)

Menção Honrosa:
A Saulo Uchôa, pela preparação corporal do elenco de Guerreiros da Bagunça

Premiados na Categoria Teatro Adulto:

(Equipe de Carícias) Foto de Wellington Dantas

Melhor Espetáculo (júri oficial):
Carícias (Remo Produções Artísticas)

Melhor Espetáculo (júri popular):
A Dona da História (Trup Errante & Pé Nu Palco Grupo de Teatro)

Melhor Direção:
João Denys (Encruzilhada Hamlet)

(O apresentador Mateus (Ivan Leite) entrega a João Denys sua pena nova) Foto de Wellington Dantas

Melhor Ator:
Marcelino Dias (Carícias)

Melhor Atriz:
Auricéia Fraga (PLAYDOG)

Melhor Ator Coadjuvante:
Henrique Ponzi (Encruzilhada Hamlet)

Melhor Atriz Coadjuvante:
Cira Ramos (Carícias)

Ator Revelação:
Não houve indicação

Atriz Revelação:
Raphaela de Paula (A Dona da História)

Melhor Sonoplastia:
Rodrigo Cunha, Rafael Barreiros e Allison Castro (PLAYDOG)

Melhor Trilha Sonora Original:
Naná Vasconcelos (Encruzilhada Hamlet)

Melhor Iluminação:
Saulo Uchôa (Encruzilhada Hamlet)

Melhor Cenário:
João Denys (Encruzilhada Hamlet)

Melhor Figurino:
O Grupo (PLAYDOG)

Melhor Maquiagem:
Marcondes Lima (Encruzilhada Hamlet)
***


Outros textos sobre o
16º Janeiro de (Super-Mega-Hiper) Grandes Espetáculos na Bacante:

Meu, que não estava no festival, mas estava no contexto da cobertura

Histórias de Além-Mar

Greta Garbo Quem Diria…

Começar a Terminar

Encruzilhada Hamlet

Invasão

A Dona da História

'8 comentários para “Prêmio APACEPE de Teatro e Dança”'
  1. Henrique disse:

    Juliene, seu texto tem um humor refinado e fala, por um olhar estrangeiro, mas muito aguçado, as impressões de todo um festival que se refletem na confraternização de encerramento do mesmo. É importante esse tipo de abordagem , mas não se pode generizar e falar da classe artística de um lugar ou o coletivo de artistas de um determinado local por aquela amostragem de artistas alí representados, então o trecho que fala:

    “Assim sendo, será que dá pra chamar isso de classe? Categoria? (Ou qualquer outra palavra que aponte para a união de pessoas que têm realidades semelhantes e objetivos profissionais em comum e por isso se unem para beneficiar este coletivo?)”

    Pode parecer um julganeto e uma generalização que é fraca em sua bases de argumentação, porque quando se fala “realidades semelhantes” eu acredito que é impossível de se afirmar, pois numa cidade como Recife, ou em muitos outros centros as realidades são na verdade muito distintas e diferentes, e isso em Recife é muito forte, desde as condições de trabalho, pensamento político, formação e diferentes referências de nossa cultura. Os objetivos são os mais diversos possíveis, existem particularidades em cada coletivo, grupo, produtora ou artista independente. Portanto uma ou duas frases de banheiro, mesas ou qualquer outra via, ouvidas num contexto dentro do referido festival, que não abrange toda a produção da estado e sequer da Cidade, não pode ser referência a uma crítica generalizada da classe local.

    No mais tenha certeza que muitos que estavam ou não alí, tem tambem esse olhar sob o pavão com suas peninhas.

    Grande Abraço.

    Rique

  2. Neto disse:

    É, eu concordo com o Henrique, não se pode generalizar achando que a classe teatral pernambucana estava ali presente, pois a classe artística pernambucana é muito grande e tem muita gente que não se presta a participar desse evento.
    Vejamos bem, esse prêmio é bastante questionado todos os anos, e concordo em número, gênero e grau com a Juliene quando diz que o “prêmio” é uma pena para se colocar na cauda do pavão.
    Esse festival não é o parâmetro para se medir a qualidade da produção cênica do estado uma vez que a forma de escolha da grade é sempre muito questionada, são três comissões, uma de Teatro Adulto, uma de Teatro para Infância e uma de Dança, e em cada uma tem um representante da Apacepe (Paulo – Teatro Adulto, Paula – Teatro para a Infância e Carla – Dança) os produtores do festival, reza a lenda que isso é para “controlar” quem entra e quem não entra na programação, evitando assim que os desafetos (que são muitos) entrem e sejam premiados, isso já foi dito inclusive por quem participou das referidas comissões.
    Muita coisa boa não entra na grade e muita coisa ruim entra para ser referendado pelo júri oficial e ganhar uma “pena para a cauda”. Logo a qualidade da produção pernambucana não pode ser medida a partir desse festival. Algumas peças precisam ser referendadas como “melhores em alguma coisa” com um troféu, já que não vem tendo aceitação do público e da “crítica”, sim da crítica. E para continuarem a ganhar, pautas, prêmios e editais, nada como um “trofeú” mesmo que o ator/produtor faça um festival para concedê-lo.
    Enfim, me divirto muito lendo as críticas da Bacante.
    Mas Santo Amaro agora é um território de paz, não é mais “tão perigoso” ir lá não viu?
    Inclusive porque a Apapece fica por ali, nas imediações do Teatro do Sesc rsrsrsrsrsrs.

  3. Thiago disse:

    Só uma pequena correção. Não foi só a Apacepe que escolheu o Júri Oficial. Ela foi elegida numa reunião aberta a todos os artistas que souberam ou quiseram estar presentes, votaram em tal júri até aqueles que não participariam do festival.

  4. Henrique disse:

    Do juri oficial, apenas (dois) eram indicados pela classe e (três), ou seja, a maioria era indicada da APACEPE. Então, como a maioria vence, os jurados indicados da APACEPE fizeram a FESTA! Pelo menos nas categorias de teatro, quem viu as apresentações discordou dos resultados de melhores espetáculos.

  5. Juli =) disse:

    Olá, Henrique, Neto, Thiago.

    Desculpem a demora pra responder.

    Primeiro, quanto ao julgamento da “classe artística” do Recife ou de Pernambuco, me desculpem se pareceu que eu estava fazendo isso. Era para ter ficado claro que essa celebração é um recorte e que, dentro desse recorte, somos obrigados a saber que “boa parte” da “classe” artística gosta de se degladiar por um prêmio em vez de abrir mão dele em prol de lutar por reconhecimento coletivo e conquistas conjuntas. Assim, o que eu quis escrever, mas acabei me comunicando mal, foi a questão: “dá pra considerar que pessoas que pensam assim formem ou façam parte de uma ‘classe’, qualquer que seja ela?”

    Sim, eu vi outras manifestações de união e movimento no Recife. E isso interessa muito mais do que essa lista toda de premiados. Mas, por outro lado, é importante as pessoas saberem que essa lista toda de premiados existe e que o sistema que gera isso está levando bem mais grana pública do que todo movimento mais interessante e alheio (ou paralelo ou nem tão paralelo assim) a ele.

    Quanto à APACEPE, são informações importantes, Thiago e Henrique. Mas acho que talvez a questão ética vá além do número de jurados escolhidos pela classe ou pela instituição – o prêmio é da instituição. Isso é pressão suficiente ainda que jurado tenha sido escolhidos pelos artistas que souberam-quiseram estar presentes. E, fique claro, não estou dizendo que, necessariamente, aconteceu qualquer tipo de “marmelada” – pra usar um termo da minha avó – estou dizendo que com esses pequenos-grandes descuidos éticos, fica-se sujeito a isso e a desconfianças mil. Com dinheiro público.

    Beijocas a todos! Valeu por comentarem aqui…

    Juli =)

  6. Juli =) disse:

    PS: Ei, Neto! Eu andei tranquilamente por Santo Amaro! Não aconteceu absolutamente nada de anormal. E, a propósito, que bom que vc se diverte por aqui. Quando quiser escrever tb, fique a vontade.

    Bjo,
    Juli =)

  7. Neto disse:

    Sim Juli,

    Claro eu também ando em Santo Amaro tranquilamente, foi o que eu disse “ali agora é um território de paz” do Governo do Estado. O único perigo que ali é a Apacepe!

  8. biu disse:

    sem texto sobre ocometario do neto sobre a apacepe

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