Mapeamento eternamente em constrṳ̣o РBate-papo com a Boa Companhia

Bate-Papos   |       |    3 de novembro de 2009    |    0 comentários

Boa Companhia РBaṛo Geraldo РCampinas РSP
Representante: Eduardo Osório

Na Bacante:

Críticas:
Esperando Godot

1. Financiamento: como o grupo financia seus trabalhos?

Bem, na verdade, todo mundo tem um trabalho paralelo, que geralmente tá ligado a dar aulas de teatro. O grupo vem funcionando com venda de espetáculos e agora, com essa avalanche de editais, a gente conseguiu alguns… E aí vai tentando manter a estrutura da companhia, o que a gente chama da parte de produção: se organizar pras coisas que estiverem acontecendo e, basicamente, a produção criativa é a gente que se banca pra estar lá trabalhando, improvisando pra criação dos espetáculos. Ganhamos o Myriam Muniz que é o que a gente está fazendo agora pro novo espetáculo, Caixa Econômica Federal, que a gente viajou agora pra Curitiba e pro Rio, aí tem as vendas de espetáculos, que geralmente o SESC é um dos prováveis compradores e Festival também, né? – agora, como a gente ficou um tempo sem produzir peças novas, faz uns dois anos que a gente não vai pra Festival. Mas é basicamente isso, né? Aquilo da bilheteria, na verdade, é uma briga de foice, porque tem os dois lados da coisa, que um é… Porque é muito difícil de qualquer forma viver de bilheteria, tem gente, por exemplo, que cobra 50 reais e fala que não paga as contas. Mas independente disso a gente não quer fazer um teatro de 50 reais, a gente tenta cobrar o menor preço para conseguir o maior número de público, que na verdade trata-se mais disso, já que nem quem cobra 50 reais não consegue, é melhor a gente se preocupar com outras coisas e não isso.

2. Diálogo com o entorno: como as questões da sua região estão presentes na obra do grupo e, por outro lado, como o grupo está presente nas questões de sua região?

Quando a gente fala de arte… Essa pergunta é meio complexa… Porque, por exemplo, a gente não tem uma preocupação de falar na nossa obra sobre problemas, temáticas que são regionais, mas ao mesmo tempo, a arte trata de temas universais, mesmo que você não queira e mesmo que você esteja fazendo uma coisa mais regionalista, você vai tocar no universal, então, na verdade, esse é um limite muito difícil de clarear, de dizer com exatidão e a gente acaba sendo movido – o que a gente quer falar o que a gente quer fazer – pelas agonias, pelos desejos dos próprios participantes, por exemplo, tem um espetáculo nosso que a gente fez uma oficina com a Luciana Castelo Branco, em que eu levei um conto o Kafka pra fazer uma pequena improvisação e depois não trabalhamos mais com a Luciana, não usamos o método que trabalhamos com ela, pelo menos diretamente, e fizemos um espetáculo que foi nosso carro chefe e que é um texto de Kafka. E que, ao mesmo tempo, onde a gente vai todo mundo se identifica, todo mundo se vê de alguma forma no espetáculo, porque o conto do Kafka é genial por essa universalidade dele porque fala da situação do homem na sociedade moderna. Eu falei tanto que até me perdi… Uma era se a região está presente outra é se a gente está ativo, né? Aí também é outra questão que é uma dicotomia complicada que é um artista criando uma obra que você apresenta onde você está, você tá interferindo politicamente, você já é uma intervenção. E isso também tá ligado muito à viabilidade da produção, né? Por exemplo, em Campinas, a gente tem uma política cultural que foi sempre muito aquém da cidade, que é uma cidade grande, de um milhão de habitantes, e muito rica, mas que culturalmente, apesar de ter muitos atores, inclusive, o distrito de Barão Geraldo nos últimos 20 anos, começou com o Lume, depois a gente, o Barracão Teatro, … tem vários grupos – tô fugindo de novo do assunto – … mesmo assim a gente tem dificuldade de viabilizar as apresentações lá, não tem apoio. O nosso espaço é um espaço que cabe apertado, com pessoas no chão, 45 pessoas. Então é difícil, a partir do nosso espaço, realmente integrar a comunidade ao que a gente faz ali diretamente. Então a gente fica um pouco a mercê disso e aí, por exemplo, quando a gente tem oportunidade, a gente tenta se apresentar em outros espaços, então ou na prefeitura ou em Barão Geraldo, como uma toca mesmo, os grupos acabam se ajudando e a gente vai tentando participar da vida desses outros lugares. Sobre isso, na verdade, acho que é isso.

3. Fator agregador: qual o fator agregador/ definidor/ de união do grupo?

Com certeza tem mais de um fator, não sei eu vou conseguir falar nenhum deles direito. Na verdade, isso tá dentro do nosso encontro aqui do Próximo Ato que é: o que faz a gente estar junto? E, no início, é a coisa do encontro, daquele grupo, no caso da Boa Companhia os “bons companheiros” e a vontade de estar criando alguma coisa e com o tempo isso vai se depurando e vai virando algo a se dizer mais objetivamente. Logo depois, tem uma frase que é do Moacir, um dos integrantes da Boa Companhia, Moacir Ferraz, ele fala que ele começou a fazer teatro pra mudar o mundo e hoje ele faz teatro pro mundo não mudar ele. Então tem um pouco essa qualidade interessante que é essa pequena conspiração que a gente faz, se junta num lugar, organiza um… né… uma… conspiração, baseada em algum texto, algum conceito, alguma imagem ou o que quer que seja e começa a organizar ela pra um dia sair lá fora e atacar, surpreender as pessoas. Eu acho que isso é um fator que une um pouco, porque a partir de um momento você se vê com a necessidade de estar fazendo isso, sabe, de você estar organizando um discurso em cima de alguma linguagem pra falar alguma coisa que você acha importante. E isso é uma resistência, né, em relação ao mundo lá fora, porque a gente acaba, dentro desse grupo tem uma organização que é particular, depende das pessoas que estão lá e dessas individualidades. E tratando-se de arte tem uma hierarquia que não é respeitada, tem uma anarquia necessária pra criação, que a gente não encontra nas outras organizações… grupais, vamos dizer assim. E isso tudo caracteriza uma resistência ao mundo lá fora, sem o qual a gente não estaria fazendo nada, então tem essa força, essa dualidade que é importante. E que eu acho que começa… Porque, por exemplo, a gente tá há 17 anos juntos, hoje em dia a gente já se olha, às vezes em algumas reuniões, percebe-se no olhar da gente, pelo menos eu consigo perceber, isso de “o que é que a gente tá fazendo junto ainda?”, que é muito tempo, a gente já fez muita coisa, já disse muita coisa, e eu acho que uma das coisas que mantém a gente junto é isso, é essa necessidade de encontrar dentro da Boa Companhia a possibilidade de estar se organizando pra fazer essa pequena conspiração, pra manter esse foco de resistência contra as coisas que a gente não acredita, enfim, contra tudo o que a gente acha que tá errado no mundo. (…) A gente sofre até um pouco com isso porque… A gente inclusive tem grupos irmão nesse sentido que é: “como definir a Boa Companhia?”, porque a gente fez um espetáculo muito famoso que foi considerado teatro físico, só que depois disso a gente não fez nenhum outro teatro físico, a gente fez outras coisas, inclusive a gente trabalhou muito com textos do Kafka, mas não seguiu isso… Então a gente já não era mais teatro físico; e a gente já chegou a misturar diretamente dança com teatro, mas a gente não faz teatro-dança, porque se você pega as outras coisas que a gente fez não é teatro-dança; a gente já pegou textos clássico e já montou como o autor escreveu, que foi o caso do Esperando Godot, mas é o único caso nosso, a gente não fez mais outro texto assim. Então, na verdade, é difícil dar linha, ou talvez seja justamente isso que nos identifique, essa pluralidade de buscas diferentes. Como é que eu vou falar isso? Tô pensando no novo espetáculo que a gente tá fazendo… Isso de tentar traduzir, corporalmente, pensando em tempo e espaço, mesmo, o palco, esse espaço simbólico em que você brinca com tempo e espaço, e aí você pega idéias, conceitos… a gente tá fazendo agora um trabalho em cima das primeiras cartas que os jesuítas mandaram quando chegaram ao Brasil pra Portugal, então a gente tá num embate de visões de paraíso diferentes e a possibilidade do paraíso na Terra… Como é que a gente traduz isso cenicamente? Então esse jogo de você musicar o espaço simbólico do teatro, né? O tempo-espaço, essa coisa de você com o corpo desenhar o espaço e com o ritmo propor um tempo pra esse movimento… Como é que se traduz isso do conceito, da idéia, da literatura pro corpo e pro palco? Acho que isso é um pouco o que a gente tenta fazer, mas de novo… Tá todo mundo fazendo isso de certa forma aqui, né? É difícil, eu realmente não tenho uma… Tem uma dificuldade que eu acho que se fala pouco até mesmo aqui no Próximo Ato que eu acho que é: “como a gente se torna um produto se nada nos define?”, isso é um problema pro artista. Então, às vezes, um grupo que trabalha Grotowski, ou sei lá, quem quer que seja, isso não quer dizer, inclusive, que o cara é carola, no sentido de que ele só faz o que o cara mandou, às vezes, o cara subverte tudo, radicaliza naquilo pra subverter aquilo, geralmente são os melhores casos… Aí, às vezes ele consegue uma entrada, um nicho, onde ele vai se encontrar e conseguir encontrar seu espaço ao sol… Mas isso, cada vez mais, inclusive, porque com a comunicação, a informação muito rápida, a gente tem acesso a cursos e a gente que já estudou os grandes nomes do teatro, então a gente já tá querendo ir lá na frente, né?, então é difícil a gente… Como que a gente vai se nomear? Como a gente vai dar cara, vai dizer o que nós somos? Se um cara chegar e falar assim: vocês fazem o quê? Só artista? Só teatro? Não… tem que ter alguma coisa, mas o quê? Isso é muito geral… tem que ser uma coisa mais objetiva, o que que é? Não tem. Porque é um monte de coisas, são forças que se cruzam e que às vezes não dá certo, porque a arte tem esse problema também, dá errado! E ela tem que dar errado! E às vezes é justamente quando dá errado que dá certo! Então, toda essa coisa de como se produzir, como se financiar, e um problema aqui do Próximo Ato: como a gente se identifica como um grupo só, todos os grupos unidos formamos uma massa pra reivindicar alguma coisa se nós somos tão diferentes? E tão diferentes dentro de cada grupo, entre nós atores… Então, eu acredito que a grande força do Próximo Ato é o movimento em si… vai ter um papel que é importante, que tem as indicações, mas o importante é o movimento, é saber que ao contrário do que alguém falou que foi falar com um político e o cara falou: “seu teatro nem tem público e você vem reivindicar coisa pra mim?”, falar, não, espera um pouquinho, não sei quantas pessoas vão vir, podem vir só cinco por sessão, não interessa, mas o que é o movimento é diferente, não só meu grupo, não só essas pessoas, mas as pessoas que trabalham com outros grupos, que movimentam outras pessoas, esse movimento é real e é o importante e não exatamente o que define ele, porque quando você começa a definir a arte geralmente é quando vêm todos os “ismos”, surrealismo, dadaísmo, quando definiram o que era, começou o fim do movimento. Fui longe agora, mas em todo caso: eu não sei o que nos define.

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