No último dia

Blog   |       |    15 de julho de 2008    |    0 comentários

Foram dois dias intensos de Festival Internacional de São José do Rio Preto. Esse ano não fomos tão travessos quanto no ano passado, como vocês poderão ver na matéria que será publicada logo mais.

No entanto, depois de um ano de cobertura de festivais, fica uma sensação de que é hora de propor mais provocações. Colocar mais estruturas em crise. Criticar e fazer humor, que é pra isso que existimos.

Ao final dessas 48 horas, uma única mácula precisa ser registrada. Não pelo fato em si, mas para se pensar de maneira mais ampla a que ou a quem servem os festivais.

Na noite de domingo, dia 13 de julho, esperávamos, eu e Juliene, na porta do Teatro Seta, que todas as pessoas entrassem para assistir a peça Habeas Corpus, pra que pudéssemos ver se sobravam lugares vagos. Na nossa frente, pelo menos seis pessoas faziam o mesmo.

Entra todo o público que já tinha lugar garantido, hora da peça, e uma moça de cabelos cacheados nos diz que há lugares vagos, mas que foi instruída pela organização do festival para não deixar ninguém que não tivesse ingressos nem convites entrar. A instrução, aliás, teria sido reforçada em reunião naquele mesmo dia. Ou seja, a peça foi apresentada sem que a sala tivesse a capacidade máxima ocupada por conta de uma burocracia imposta pelo festival?

Acho impossível que ela tenha recebido tal orientação da organização do festival. Não era o que acontecia na porta de todos os outros teatros. E fica claro que a moça que estava na porta do Seta não tem idéia de que o que ela faz ali é um serviço público. Ela atende uma demanda pública.

As verbas dos festivais, sobretudo os internacionais, são captadas por meio de Lei Rouanet e parcerias. É necessário relembrar que essa lei é uma aberração, que dá poderes aos bocós do “marketing cultural” de algumas empresas para escolher que evento cultural merece verba, óbvio, não por seu abnegado amor à arte, mas pelo critério do retorno midiático. Essa lei é uma omissão do governo brasileiro de se comprometer efetivamente com políticas públicas que incentivem a pluralidade e que ajudem a construir, desenvolver e preservar a cultura do nosso país e sua diversidade intrínseca, que, muitas vezes, não é vendável ou mercadológica, nem dá ao patrocinador espaço nos principais jornais. Claro que projetos incríveis, lindos e maravilhosos só se realizam submetendo-se a essa lei, mas isso por si só não a justifica, já que não estamos falando de deixar de destinar verba para a cultura, mas de planejar a destinação. Voltando aos cachinhos dourados, a moça tem que saber que a verba que bancava o seu trabalho ali naquele lugar é pública, para atender uma demanda pública da qual, aliás, o festival não consegue dar conta, o que é, isso sim, absolutamente compreensível. Também deveria saber disso o público que vai ao teatro e é obrigado a ouvir que não pode nem pagar por um lugar que está vazio.

Não acho exagero dizer que, ao negar lugares vagos dentro do teatro, a moça fez o mesmo que, como médica, não vacinar crianças que não tivessem carteira de vacinação. Fez o mesmo que, como policial, ver um crime acontecendo e não fazer nada por não ter ordem da central de polícia. A peça que ali se apresentava é um bem público, o ônibus utilizado na peça – ao que nos consta – é público, a demanda atendida pelo festival é pública, com dinheiro público, portanto há que se pensar em como atender ao público da maneira mais plena e efetiva.

Em dois anos de festival, como convidados ou como intrusos, essa foi a primeira peça que não conseguimos assistir. Por sorte, Maurício já tinha um convite de imprensa e não esbarrou nos cachinhos dourados, mas as seis pessoas que estavam na nossa frente e tinham inclusive mais direito que o Maurício de assistir a peça, não tiveram a mesma sorte. A crítica da peça está publicada aqui.

(Leia também o especial de Juliene Codognotto sobre o FIT 2008) 

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