Meire Love

Críticas   |       |    23 de setembro de 2008    |    1 comentários

Três homens e muitos sacos

Foto: Alex Hermes

Meire um, Meire dois e Meire três vão aparecer, assim que a platéia estiver acomodada. Elas serão um incômodo, na forma de bustiês vestidos por homens, que interpretam jovens prostitutas de não mais que quinze anos. Não vão precisar de muito mais do que esses aparatos (seus corpos + bustiês) para sugerir no palco a vida árida dessas meninas, que o morador das capitais nordestinas tanto conhece.

O trabalho do grupo Bagaceira contou com a dramaturgia e co-direção de Suzy Élida Lins de Almeida (parente distante do Ivan, da Lucinha e da Suzy Rêgo), que – constato ao ler a dramaturgia – soube se aprofundar na pesquisa dos modos de falar dessas meninas. Radicalizando esse aspecto por meio da pesquisa desse linguajar de rua, produz uma obra coerente com seu tempo e sobretudo com sua localidade. Na boca dos três integrantes do Bagaceira, o texto fica parcialmente incompreensível pra quem não vive em Fortaleza – como eu – mas isso, ao invés de depor contra, só revela outra radicalização.

É uma obra universal? Não, como nenhuma obra é (ainda não conheço a recepção de marcianos à obra de Shakespeare). Mas é crua, como as peças de Plínio Marcos (nem por isso o grupo optou pelo naturalismo), dolorosa como uma piada de humor negro e produz lirismo a partir dos escombros da nossa sociedade. Os sonhos dessas meninas se materializam no palco na forma de sacos plásticos, que os atores enchem a todo momento, acumulando-se na frente dos três. Imagem plena de sentidos, que ora são meros sacos de quem cheira cola e ora compõem o oceano que elas querem atravessar para ir embora com seus príncipes que nunca chegam. Claro que não é uma história com happy ending.

Prostitutas interpretadas por atores que não podem diminuir suas idades e nem trocar de sexo, portanto usam do teatro para se transubstanciar em garotas. Vidas incompletas que chegam ao palco por meio de uma montagem incompleta. Riso para alguns, choro para outros, riso e choro pros mais estranhos, Meire Love não é uma campanha contra a prostituição infantil (é legal ver que o povo se diverte no palco). Mas vai nos fazer pensar – talvez até agir – sobre o tema muito mais do que qualquer campanha governamental (ou especial do Globo Repórter).

Meire Love é o tipo de peça que tem que circular pela Europa, bancada pelo ministério do turismo – claro que no meu país imaginário, onde os governantes têm coragem de discutir a realidade. Ensinemos aos gringos o funk do cadáver, sem explicar o que diz a letra. Só pra ver no que dá.

4 meninas, 1 gringo e 1 cafetão

'1 comentário para “Meire Love”'
  1. Jéssica Coser disse:

    quando terá o espetáculo aqui em Vitória de novo?

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