A Exceção e a Regra
Quase pedi meus dez reais de volta!
Foi por pouco que não pedi pra sair.
O palco do Teatro Fábrica (Rua da Consolação) estava organizado de uma maneira bacana, transformado numa espécie de corredor, com a platéia disposta dos dois lados para assistir a A Exceção e a Regra. Isso me empolgou, no começo. Só no começo. Depois de 10 minutos eu já me perguntava: “Jesus, o que eu estou fazendo aqui?”.
A primeira etapa do espetáculo dá a sensação de que não passa de uma fábula mal encenada, com arroubos de interação constrangedora com o público e atuação mediana, quase descomprometida. A história apresentada trata de um explorador do ramo de petróleo, que viaja pelo deserto em busca de uma concessão. Leva com ele dois trabalhadores contratados, um guia (sindicalizado e cheio de si) e um carregador (totalmente conformado). A expedição enfrenta uma série de problemas, culminando com um funcionário demitido e outro morto pelo patrão. O julgamento absolve o homem de negócios, que, corrompendo a Justiça, não precisa pagar indenização à esposa do carregador.
Eu quis ir embora. Mesmo. Ainda bem que me segurei (até porque teria que passar no meio do palco-corredor e não ia ser lá muito discreto – será que isso é uma tática?). O fato é que só na segunda etapa o grupo revela a verdadeira aposta da adaptação do texto de Bertolt Brecht: o chamado “teatro-fórum”. Baseado em concepções de Augusto Boal, a idéia é fugir da catarse de Aristóteles e deixar que cada um faça suas reflexões e tire suas conclusões. Mas não é só. Você pode, além de tirá-las, colocar suas conclusões em prática e testá-las, quase quantas vezes quiser.
Eu explico: ao final da fábula, o público é convidado a discutir se havia maneiras de tudo ter sido diferente, ou seja, descobrir qual personagem, em que momento, poderia agir diferente e evitar a tragédia. O que se vê daà por diante, é uma platéia que passa rapidamente das pequeninas intervenções tÃmidas até o desespero de procurar soluções e dividir com os outros, ou impor a eles, as próprias idéias.
Cada pessoa que opinava era convidada a encenar com o grupo sua alternativa que, invariavelmente, não levava a grandes mudanças. O que começou com uma opinião envergonhada, tornou-se um debate intenso que durou mais tempo do que a própria fábula. No final, chegou-se à conclusão de que não havia nenhuma maneira simples para mudar o ocorrido e que todos os caminhos levam à exploração do homem pelo homem, à violência e à corrupção. Resultado: a gente sai do teatro incomodado e fica dias pensando: “Porra! O que aquele filho da puta daquele carregador poderia ter feito???”
O mais interessante e diferente é que, mantendo o canhoto da peça, você pode voltar e tentar encenar qualquer idéia genial que você tiver no banheiro da sua casa. E de graça. É, os caras querem ter o próprio saco enchido pelo público. Se entregam total e estão superdispostos a encenar todas as propostas, até esgotarem-se as idéias, porque parecem, de fato, em busca de alguma resposta.
O maior problema é que sempre vai ter um chato na sua sessão falando mais do que a boca. Mas chato tem em todo lugar.
3 marxistas tretando
Faz tempo que isto foi escrito, né? Mas só agora tomei conhecimento, porque estava pesquisando sobre o assunto. É que estou lendo o texto do Brecht, junto com um pessoal do teatro de Foz do Iguaçu e fiquei indgnada com o personagem “Cule”. Fiquei ainda mais P quando um rapaz do grupo disse que o personagem como todos os outros, era representante de uma classe social. Ah, não! Acho que é caricatura de nossos medos e covardias, mas não a representação de um todo. Eu gostaria de ver encenada uma pedrada verdadeira no explorador, como ato de revolta do carregador.
oi eu achei muito lequal,mas eu queria a fala de cada um!!!
pode ser?
Oi, Beth! Interessante seu desejo, porque nesta montagem que assisti no Teatro Coletivo (na ocasião ainda chamava Teatro Fábrica) permitia que a platéia interviesse e sugerisse outras ações para os personagens. Você poderia ter realizado o sonho da pedrada… rs por outro lado, não sei se isso seria capaz de mudar os rumos dessa história…
Oi, Beatriz… desculpa, não te entendi direito… vc está procurando a dramaturgia, é isso? O texto original do Brecht? Talvez você consiga o texto entrando em contato com o grupo ou procurando em uma biblioteca pública. O CCSP tem um bom acervo de peças teatrais.
Beijos,
Juli =)
Amazing! Trabalho intemporal do grande Brecht. Existe texto em português? Thanks!
J.Fausto Toloy
Ei, José. É incrÃvel mesmo. E tem em português. Existe uma coleção da Editora Paz e Terra que traz o Teatro Completo de Brecht em 12 volumes. Esta peça, A Exceção e a Regra, está no volume 4, ok?
Boa leitura!
Abraço,
Juli =)
Juliane,
Achei sua “crÃtica” extremamente curiosa.
Sou estudante de cênicas, e pelo que estou aprendendo o que chamou de “teatro-fórum” já é algo que veio do próprio autor da peça da qual assistiu, Bertold Brecht.
Brecht é o criador do teatro polÃtico (Peças didáticas com enredos polÃticos).
O teatro épico brechtiano é um dos mais conceituados dentro os artistas.
No entanto, eu nunca vi em cartaz aqui em Curitiba peças que foram escritas por Brecht, e muito menos a peça que você assistiu, não posso então fazer comentários referente a atuação dos atores. E que bom que deixou documentado essa sua participação na peça.
Eu agora estou procurando o texto dessa peça pra fazer um trabalho. Mas apesar de Brecht ser dos anos 20 aos anos 40 (se não me falha a memória) não encontro nenhum roteiro dele na internet. Que azar.
>>>> Dica de leitura para quem gosta de texto naturalista “Casa de Bonecas” é um texto extremamente inteligente. É lento mas é muito bom.
dentre os artista só corrigindo. E o texto do Ibsen não é bem naturalista mas o cenário é. E é um texto muito interessante de ler. Eu ao menos gostei
nossa vou me matar corrigi e corrigi errado kkkkk foda-se
interessante.comovente e inteligente
Pesquisando sobre A exceção e a regra, fui remetida pelo google a este escrito, anos depois de sua publicação.
Ao contrário de quem a escreveu, vejo as questões apontadas como positivas: sair do teatro com a pergunta martelando dias e dias; as discussões ocorridas ali mesmo, logo após a encenação; a proposição de se juntar Brecht com o teatro-fórum trabalhado por Augusto Boal, etc…
No fazer teatral esta prática é a mais relevante. Nos princÃpios apontados pelo próprio Brecht, o teatro deve “divertir e educar”. Pois bem, estas discussões coletivas são muito férteis e levam a um aprendizado compartilhado e não o “assistir a uma peça de teatro, bater palmas e voltar para casa para pensar sobre sozinha/o”.
Enfim… passados seis anos eu até gostaria de saber o que pensa Juliene em tempos atuais.
Um abraço.