A Fauna

Críticas   |       |    25 de março de 2008    |    3 comentários

Quando Datena encontra o teatro

Fotos: Daniel Sorrentino / Clix

Sexta-feira à tarde teve início o Festival de Curitiba pra mim. Nem Fringe, nem Mostra de Teatro Contemporâneo, comecei meu passeio pelas vitrines do Itaú com a Residência das Artes – projeto que levou o grupo Os Satyros para a periferia de Curitiba, na Vila Verde.

Na sala de imprensa, alguém perguntava “Vocês não querem ir pra Vila Verde?”, “o projeto está com pouco público”. Mesmo com a cobertura de diversos canais da mídia, além da divulgação nos blogs do grupo aqui, aqui e aqui, a van que nos conduziu à Vila Verde não estava nem na metade da sua lotação. No caminho, um vídeo chato, chato, chato com a mesma linguagem que a gente vê na TV Cultura, na BBC ou nos institucionais da Natura em época de Criança Esperança. Com a diferença que esse da van explorava um pouco mais as tragédias e a violência da periferia como tema, e era apresentado num veículo cuja acústica era péssima.

Chegando na tal da Vila, somos levados a um teatro (sim, daqueles com cortina e palco italiano), quando começamos a nos acostumar com as câmeras. Na entrada, são duas do projeto e uma da imprensa. A partir daí, tudo, absolutamente tudo será filmado, em detrimento da própria cena se for preciso.

O Big Brother da periferia trágica tem início com tema meloso e Ivam Cabral contando uma história que posso apostar que é dele próprio, dada a naturalidade do relato. Uma criança vestida de branco entra e recita uma poesia, e deste momento em diante seremos conduzidos por Jessé, “por gentileza”, pelas ruas da Vila Verde.

Ivam + menina

O que na divulgação é apresentado como a forma de “teatro processual medieval”, a mim se apresenta como uma maneira de fugir da limitação de uma forma fechada. A partir daí, há tentativas de teatro naturalista para mostrar a história de mães solteiras muito jovens, seguidas de intervenções em que membros da comunidade passam vendendo objetos aparentemente roubados, com pausas para admirar os corpos desenhados no asfalto – remetendo aos mortos da batalha urbana cotidiana da Vila Verde. Em certo momento, somos convidados a entrar numa casa e acompanhar a vida cotidiana dos “aborígenes”. Foi quando olhei pro programa: ah! a peça se chama A Fauna! Então justifica tudo.

Depois da quinta tragédia anunciada por Jessé e do oitavo “por gentileza, pessoal”, José Luiz Datena começa a gritar na minha cabeça pedindo para que as imagens apareçam “na tela!”, com o dedo em riste. Então, é claro, passa um câmera correndo atrás do moleque de carrinho de rolimã, enquanto o segundo câmera filma uma entrevista rápida com um dos moradores e o terceiro faz um plano geral, provavelmente de cobertura para o segundo. Tudo isso enquanto ainda estamos no meio do percurso definido para a peça.

O momento em que menos sentimos uma fauna à nossa frente é quando o grupo apresenta uma espécie de vídeo-instalação muito criativa: uma TV disposta na cooperativa das costureiras do bairro exibe entrevistas com as mulheres ao mesmo tempo em que as vemos trabalhando ao vivo. O vídeo que passa na tal TV tem a mesma linguagem daquele da van, com a diferença que aqui, entre uma forçada de barra e outra do entrevistador buscando histórias trágicas, as personagens têm espaço para falarem de suas subjetividades. E, por falar em busca desesperada por histórias trágicas, esta cena é precedida pelo anúncio da morte por leptospirose de uma das costureiras.

Costureiras

Ao longo do percurso e das cenas, os atores dos Satyros estão misturados entre os moradores do bairro, mas fica sempre claro quem é quem. A comunidade faz seu papel cotidiano de pobre e violenta por meio de seus olhares e corpos, enquanto os atores profissionais realizam interpretações mal acabadas, provavelmente pela correria de resolver o projeto em poucos dias para o festival.

Logo depois do espetáculo (e aqui a palavra é espetáculo mesmo), rumei pro teatro onde se apresentariam Adriana Esteves e Marcos Palmeira. Na porta, em meio ao público, alguns modelos contratados pela Vivo estavam travestidos de bichos, quase como recriando uma fauna. Achei curiosa a proposta da Vivo de patrocinar a residência das artes de um grupo pop de São Paulo na periferia de Curitiba, num projeto de nome A Fauna e ao mesmo tempo fazer uma ação de divulgação da própria marca com bichinhos que remetem à mesma idéia. No entanto, para o sucesso de ambas as ações, a organização do festival e a Vivo tinham que ter previsto preços distintos para a peça do Marcos Palmeira e a peça da Vila Verde. R$30,00 pra ir no Simba Safari sem carro acabou sendo caro demais.

2 ações quase complementares

Leia também a crítica do Nelson de Sá, clicando aqui.
Saiba também a razão de tantas câmeras na matéria da Beth Néspoli, pro Estado de São Paulo, publicada integralmente no blog do Ivam Cabral.

'3 comentários para “A Fauna”'
  1. Valmir disse:

    Fabrício, como passei pra comentar e só a sua ia ficar sem meus comments, passei pra dizer algo.

  2. e o mais interessante foi você citar a crítica do nelson de sá ao final do seu texto, mesmo que ela seja tão diferente da sua. parabéns. ; ) e beijo.

  3. Fabrício disse:

    Internet é issaê, né, Maria Clara?
    Pluralidade de opiniões, em forma de posts ou comentários.
    Agora vamos linkar a revista da Dani no Rio tb.
    Se pintar textos em blogs, tamos linkando.
    Temos cada vez mais espaços de discussão e o teatro só tem a ganhar.
    Abração

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