Andersen’s Dream

Críticas   |       |    8 de julho de 2008    |    6 comentários

Quando alguém te conta um sonho

Fotos: http://www.odinteatret.dk/

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Eu tenho um amigo que adora contar histórias de sonho. Um dia ele me contou que o sonho dele começou no metrô. Ele fazia caminhos diferentes, todos muito tortuosos. Não tinha quase ninguém dentro do vagão. Meu amigo disse que em seu sonho ele era o único que sabia que alguma coisa tinha sido mudada. Ele quis sair do metrô pra poder observar do lado de fora. Então ele subiu no topo do trem, sentou-se e aguardou a chegada do destino.

Quando chegou, deu-se conta de que estava em outra cidade. Não reconhecia mais nada daquilo a que estava habituado. As ruas tomavam outros caminhos e os prédios nunca haviam estado ali. As pessoas eram diferentes. Mas, estranhamente, ele sabia que iria ao mesmo lugar sem saber o que era esse lugar.

Então ele descobriu sua casa nova. Era um apartamento, bem no meio de grandes avenidas. Mais parecia um quarto de hotel, segundo ele, pois só cabia uma bicama – que o fazia indagar-se quem mais morava ali – com uma TV em frente e um banheiro logo na entrada.

Ele logo se lembrou que fazia pouco tempo que se mudara praquele lugar. Em seu sonho ele tinha perdido a mãe (que ainda vive) e morava com sua irmã. Seu pai (que já faleceu) no sonho trabalhava o dia inteiro para o sustento da família. Tiveram, ele e a irmã, de aprender tudo.

Foi mais ou menos isso que o Eugenio Barba e o Odin Teatret fizeram com os sonhos de Hans Christian Andersen: Uma grande contação. Só que eles foram mais ousados que meu amigo e fizeram em diversas línguas, de forma radicalizada – ou seja, em momento algum esquecemos que é um sonho – durante cerca de uma hora e meia na peça Andersen’s Dream.

Ao entrar, sentamos em seis fileiras de assentos, três de cada lado, dispostas frente à frente (tipassim, um Théatre du Soleil Júnior meio desfigurado). No teto, um espelho ovalado, como a forma do espaço de apresentação. No chão, um tapete composto por bolinhas de isopor imitando neve. Embaixo do tapete, outro espelho.

Ao sair, um senhor que dormiu durante uma boa parte da peça comenta com sua possível (?) filha (?) “Nem aquele espetáculo de dança que você me trouxe era tão ruim quanto essa peça”. Na fileira de cima, podemos ouvir parte de um diálogo: “ele levanta questões muito interessantes”. Na minha cabeça, não consigo dissociar o sonho que foi apresentado das estripulias da neta de Chaplin – procurando um conteúdo praquela forma – nem consigo achar um conceito geral da encenação. Fica a pergunta: a que veio essa peça do Barba? Não é por soberba nem pra julgar nada, é só um apelo que faço aos que dialogaram com a proposta. Os comentários, como sempre, estão aí pra isso.

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2 atores para cada língua em que a peça é falada

PS: O sonho de meu amigo foi retirado daqui.

'6 comentários para “Andersen’s Dream”'
  1. Ronaldo disse:

    Esse é o 2° espetáculo do BArba que assisto… E esse me “pega” muito mais!!

    Lindo para caralho… Cenas que carrego dentro de mim (O negão falando que é Dinamarquês – engraçado… o único ator que naõ sei o nome é um brasileiro – , a Ibem cavalgando um cachorro no ar, o mesmo negão dançando Balé.)

    Claro que sou suspeito! Estudo o Barba faz muito tempo.

    Bem… resumindo, fiquei encantado com tudo!

  2. Fabrício disse:

    Po, Ronaldo

    Eu tive arrebatamenteo tb. Algumas vezes.
    Mas cada vez me questiono mais qdo isso acontece.
    Acho que daí que vem a conexão com o oratorio.
    Acho inclusive que, para além conceito do sonho, há outros conceitos travalhados. Mas essa conexão não rolou.
    Bem, valeu pelo comentário.
    Abraço

  3. Basicamente, achei que o grande problema é a falta de uma chave qualquer que permita a abertura de diálogo entre a platéia e o espetáculo. Talvez o idioma pudesse ser uma possível chave, talvez não. Acontece que, apesar das imagens “lindas pra caralho”, eu não consegui achar uma forma de dialogar, não consegui ser “pego” pela peça…

  4. Fabi Ross disse:

    Oi pessoas…

    Como o Ronaldo, gostei da peça e ela realmente me proporcionou momentos bem legais, momentos que até me emocionaram.

    Acho q realmente, a falta de uma comunicação em nossa língua atrapalha, além de uma incompreensão do contexto geral da peça, mas mesmo diante disso, gostei bastante, as cenas estavam lindas, alguns recursos cênicos muito bem utilizados, além do que, por mais que eu não entendesse o todo, para mim bastou parecerem pequenas cenas que em vários momentos me proporcionaram coisas diferentes.

    E acho q por ser um sonho, é perdoável que seja incompreensível, muitas vezes nós em nosso dia a dia sonhamos coisas incompreensíveis que para nós não faz o menor sentido.

    Dou muito valor para peças que me proporcionam sensações e não somente o entendimento. Acho que uma das maravilhas das artes cênicas é justamente isso, essa oscilação entre entendimento, não entendimento, realidade e piração.

    Bem, o gosto é intrínseco a cada pessoa, não se discute. Como não manjo muito de teatro e nem conhecia o tal Eugênio Barba, me surpreendeu a “passagem” dos atores por várias formas de artes, as técnicas, imagens, figurino, cenário, música, dança…talvez tenha sido somente um espetáculo visual, mas para mim e muitas pessoas um espetáculo bem executado, já é digno de aplausos.

    Bem, é isso aí, minha opinião.

    Bjos a todos

  5. Umberto disse:

    apontamentos para o meu querido amigo R.

    “É das cinzas que nasce o teatro
    das cinzas de Brecht, Stanislavski, Grotowski e Barba

    é desta tradição morta que por fim brota a Flor
    esperança
    mas que esperança?

    Sherazade não vive mais para nos manter acordados
    o Pássaro-Azul já não sabe porque canta

    um a um os personagens são assassinados

    só restam bonecos
    os atores abandonaram o espetáculo

    atores-marionetes do diretor
    onipresente
    cerebralmente pessimista, mas nervosamente otimista
    de um otimismo que só acredita na vida.

    Uma longa noite de inverno se anuncia depois de uma longa noite de embriagues de verão

    um convite ao espectador se entregar à sensação é feito

    começa o ritual
    lá vem a baiana branca recolhendo as flores vermelhas na neve

    lá vai o barquinho
    leva o real
    deixa o drama-onírico

    sonho de Andersen
    sonho de Odin
    drama de Barba

    mas neste sonho os fantasmas são impregnados da realidade
    como a memória do passado, a recriar

    velhos fantasmas, velhos sonhos
    acorrentados

    o homem não veio da África?

    escravidão, medo-fantasma, desejo-sonho constante de liberdade
    falamos ainda em códigos
    afinal velhos hábitos são difíceis de serem abandonados

    o passado não é passado
    o presente não se libertou do passado
    o espectro do totalitarismo faz a ronda

    tempos difíceis
    tempos de Polônia
    tempos modernos

    sonho-pesadelo
    sem concessões a falsas ilusões
    sem complacência
    indulgência

    mas poético
    extremamente poético
    profético.

    É tempo de me perguntar: o que eu faço, quais meus mestres, qual minha tradição
    mas não existem mestres nem tradição
    então é preciso inventá-los
    invisíveis

    vejo meus dramas serem atualizados em cena
    em algum lugar existe oxigênio para a arte
    também respiro

    se o teatro pode tornar minhas angústias suportáveis
    dinamizá-las, resignificá-las
    é preciso começar a fazer teatro seriamente

    aumentar a potência do outro
    e a minha própria
    ir

    procurar pelas linhas de fugas das molaridades
    procurar incansavelmente pela poética
    encontrar o espaço da multiplicidade
    buscar o paradoxo

    criar, criar, criar
    processar, desapegar
    compor, compor, compor

    fazer da minha vida uma obra de arte
    construir um corpo sem órgãos
    sempre

    para quem sabe um dia não voltar para receber os aplausos do público
    porque a cena não é espetáculo
    é TESTAMENTO.”

    U.

  6. Ronaldo disse:

    Poesia para falar de poesia.
    Só assim que é.

    U.
    Quando o Barba falou para a gente que temos que ler o Poeta Artaud e daí se ligar no que ele quer dizer, entendi tudo.

    Para mim é dificil falar do que vi. Mesmo.

    Porque as vezes eu via e entendia como ele chegou naquele resultado. OUtras, eu via e sentia o que via.
    Em nenhum momento me maravilhei pelas demonstrações de habilidades, pelos virtuosismos…

    Tudo o que vi era poesia.

    É mais samba que Jazz.

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    Claro que teve o forte apelo de ver pessoalmente a Iben. Que é a mulher que eu largaria tudo e ia junto.

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    hehehehehhe

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