Andersen’s Dream
Quando alguém te conta um sonho
Fotos: http://www.odinteatret.dk/

Eu tenho um amigo que adora contar histórias de sonho. Um dia ele me contou que o sonho dele começou no metrô. Ele fazia caminhos diferentes, todos muito tortuosos. Não tinha quase ninguém dentro do vagão. Meu amigo disse que em seu sonho ele era o único que sabia que alguma coisa tinha sido mudada. Ele quis sair do metrô pra poder observar do lado de fora. Então ele subiu no topo do trem, sentou-se e aguardou a chegada do destino.
Quando chegou, deu-se conta de que estava em outra cidade. Não reconhecia mais nada daquilo a que estava habituado. As ruas tomavam outros caminhos e os prédios nunca haviam estado ali. As pessoas eram diferentes. Mas, estranhamente, ele sabia que iria ao mesmo lugar sem saber o que era esse lugar.
Então ele descobriu sua casa nova. Era um apartamento, bem no meio de grandes avenidas. Mais parecia um quarto de hotel, segundo ele, pois só cabia uma bicama – que o fazia indagar-se quem mais morava ali – com uma TV em frente e um banheiro logo na entrada.
Ele logo se lembrou que fazia pouco tempo que se mudara praquele lugar. Em seu sonho ele tinha perdido a mãe (que ainda vive) e morava com sua irmã. Seu pai (que já faleceu) no sonho trabalhava o dia inteiro para o sustento da famÃlia. Tiveram, ele e a irmã, de aprender tudo.
Foi mais ou menos isso que o Eugenio Barba e o Odin Teatret fizeram com os sonhos de Hans Christian Andersen: Uma grande contação. Só que eles foram mais ousados que meu amigo e fizeram em diversas lÃnguas, de forma radicalizada – ou seja, em momento algum esquecemos que é um sonho – durante cerca de uma hora e meia na peça Andersen’s Dream.
Ao entrar, sentamos em seis fileiras de assentos, três de cada lado, dispostas frente à frente (tipassim, um Théatre du Soleil Júnior meio desfigurado). No teto, um espelho ovalado, como a forma do espaço de apresentação. No chão, um tapete composto por bolinhas de isopor imitando neve. Embaixo do tapete, outro espelho.
Ao sair, um senhor que dormiu durante uma boa parte da peça comenta com sua possÃvel (?) filha (?) “Nem aquele espetáculo de dança que você me trouxe era tão ruim quanto essa peça”. Na fileira de cima, podemos ouvir parte de um diálogo: “ele levanta questões muito interessantes”. Na minha cabeça, não consigo dissociar o sonho que foi apresentado das estripulias da neta de Chaplin – procurando um conteúdo praquela forma – nem consigo achar um conceito geral da encenação. Fica a pergunta: a que veio essa peça do Barba? Não é por soberba nem pra julgar nada, é só um apelo que faço aos que dialogaram com a proposta. Os comentários, como sempre, estão aà pra isso.

2 atores para cada lÃngua em que a peça é falada
PS: O sonho de meu amigo foi retirado daqui.
Esse é o 2° espetáculo do BArba que assisto… E esse me “pega” muito mais!!
Lindo para caralho… Cenas que carrego dentro de mim (O negão falando que é Dinamarquês – engraçado… o único ator que naõ sei o nome é um brasileiro – , a Ibem cavalgando um cachorro no ar, o mesmo negão dançando Balé.)
Claro que sou suspeito! Estudo o Barba faz muito tempo.
Bem… resumindo, fiquei encantado com tudo!
Po, Ronaldo
Eu tive arrebatamenteo tb. Algumas vezes.
Mas cada vez me questiono mais qdo isso acontece.
Acho que daà que vem a conexão com o oratorio.
Acho inclusive que, para além conceito do sonho, há outros conceitos travalhados. Mas essa conexão não rolou.
Bem, valeu pelo comentário.
Abraço
Basicamente, achei que o grande problema é a falta de uma chave qualquer que permita a abertura de diálogo entre a platéia e o espetáculo. Talvez o idioma pudesse ser uma possÃvel chave, talvez não. Acontece que, apesar das imagens “lindas pra caralho”, eu não consegui achar uma forma de dialogar, não consegui ser “pego” pela peça…
Oi pessoas…
Como o Ronaldo, gostei da peça e ela realmente me proporcionou momentos bem legais, momentos que até me emocionaram.
Acho q realmente, a falta de uma comunicação em nossa lÃngua atrapalha, além de uma incompreensão do contexto geral da peça, mas mesmo diante disso, gostei bastante, as cenas estavam lindas, alguns recursos cênicos muito bem utilizados, além do que, por mais que eu não entendesse o todo, para mim bastou parecerem pequenas cenas que em vários momentos me proporcionaram coisas diferentes.
E acho q por ser um sonho, é perdoável que seja incompreensÃvel, muitas vezes nós em nosso dia a dia sonhamos coisas incompreensÃveis que para nós não faz o menor sentido.
Dou muito valor para peças que me proporcionam sensações e não somente o entendimento. Acho que uma das maravilhas das artes cênicas é justamente isso, essa oscilação entre entendimento, não entendimento, realidade e piração.
Bem, o gosto é intrÃnseco a cada pessoa, não se discute. Como não manjo muito de teatro e nem conhecia o tal Eugênio Barba, me surpreendeu a “passagem” dos atores por várias formas de artes, as técnicas, imagens, figurino, cenário, música, dança…talvez tenha sido somente um espetáculo visual, mas para mim e muitas pessoas um espetáculo bem executado, já é digno de aplausos.
Bem, é isso aÃ, minha opinião.
Bjos a todos
apontamentos para o meu querido amigo R.
“É das cinzas que nasce o teatro
das cinzas de Brecht, Stanislavski, Grotowski e Barba
é desta tradição morta que por fim brota a Flor
esperança
mas que esperança?
Sherazade não vive mais para nos manter acordados
o Pássaro-Azul já não sabe porque canta
um a um os personagens são assassinados
só restam bonecos
os atores abandonaram o espetáculo
atores-marionetes do diretor
onipresente
cerebralmente pessimista, mas nervosamente otimista
de um otimismo que só acredita na vida.
Uma longa noite de inverno se anuncia depois de uma longa noite de embriagues de verão
um convite ao espectador se entregar à sensação é feito
começa o ritual
lá vem a baiana branca recolhendo as flores vermelhas na neve
lá vai o barquinho
leva o real
deixa o drama-onÃrico
sonho de Andersen
sonho de Odin
drama de Barba
mas neste sonho os fantasmas são impregnados da realidade
como a memória do passado, a recriar
velhos fantasmas, velhos sonhos
acorrentados
o homem não veio da Ãfrica?
escravidão, medo-fantasma, desejo-sonho constante de liberdade
falamos ainda em códigos
afinal velhos hábitos são difÃceis de serem abandonados
o passado não é passado
o presente não se libertou do passado
o espectro do totalitarismo faz a ronda
tempos difÃceis
tempos de Polônia
tempos modernos
sonho-pesadelo
sem concessões a falsas ilusões
sem complacência
indulgência
mas poético
extremamente poético
profético.
É tempo de me perguntar: o que eu faço, quais meus mestres, qual minha tradição
mas não existem mestres nem tradição
então é preciso inventá-los
invisÃveis
vejo meus dramas serem atualizados em cena
em algum lugar existe oxigênio para a arte
também respiro
se o teatro pode tornar minhas angústias suportáveis
dinamizá-las, resignificá-las
é preciso começar a fazer teatro seriamente
aumentar a potência do outro
e a minha própria
ir
procurar pelas linhas de fugas das molaridades
procurar incansavelmente pela poética
encontrar o espaço da multiplicidade
buscar o paradoxo
criar, criar, criar
processar, desapegar
compor, compor, compor
fazer da minha vida uma obra de arte
construir um corpo sem órgãos
sempre
para quem sabe um dia não voltar para receber os aplausos do público
porque a cena não é espetáculo
é TESTAMENTO.”
U.
Poesia para falar de poesia.
Só assim que é.
U.
Quando o Barba falou para a gente que temos que ler o Poeta Artaud e daà se ligar no que ele quer dizer, entendi tudo.
Para mim é dificil falar do que vi. Mesmo.
Porque as vezes eu via e entendia como ele chegou naquele resultado. OUtras, eu via e sentia o que via.
Em nenhum momento me maravilhei pelas demonstrações de habilidades, pelos virtuosismos…
Tudo o que vi era poesia.
É mais samba que Jazz.
——————————————————————
Claro que teve o forte apelo de ver pessoalmente a Iben. Que é a mulher que eu largaria tudo e ia junto.
——————————————————————
hehehehehhe