Braakland

Críticas   |       |    16 de julho de 2007    |    2 comentários

Lugar Distante

Fotos: Fabrício Muriana

“Depois de ver Braakland, não devíamos ver outra peça no mesmo dia, porque nenhuma chegará aos pés dela”, comenta o crítico de um grande órgão de comunicação no ônibus escolar para imprensa, depois de assistir um outro espetáculo pobre (o adjetivo subjetivo foi usado apenas para não humilhar essa produção que não será resenhada).

Uma das peças mais comentadas este ano no FIT, Festival Internacional de Rio Preto, Braakland utiliza recursos opostos aos preceitos do teatro convencional para transmitir sua mensagem. Ela abusa de amplo espaço cênico, longas distâncias entre o público os atores, ausência de ação expressiva e brincadeiras com o tempo.

Neste parágrafo, em que normalmente escreveria a história encenada, apenas especularei um dos sentidos da peça, já que ela pode gerar diversas interpretações. Oito personagens vivem em uma espécie de comunidade isolada, indiferentes aos juízos de valor convencionalmente ligados à morte e à violência. Quando um deles morre, apenas tratam de tirar a roupa do cadáver, e achar uma utilidade para elas. Se não são úteis, são descartadas. Esses personagens vivem desprovidos de sentimentos – seja amor, raiva, compaixão ou tristeza. Apenas executam suas tarefas corriqueiras, como carregar um balde de água ou cavar, sem nenhuma emoção.

Comportam-se instintivamente, como os animais: quando dá vontade de transar, vão atrás de uma fêmea e simplesmente a estupram, mas sem a conotação que a palavra propõe, porque a mulher em questão não se incomoda com a atitude – violenta para a nossa sociedade. Quando têm vontade de matar, matam, sem dor na consciência. Em dado momento chega um personagem externo, uma mulher, que carrega ainda os valores de outro tipo de civilização.

O espetáculo mudo foi encenado no “lugar desconhecido” – a forma como a organização do evento chamou o matagal onde a encenação acontece, lugar em que o público chega de ônibus, diretamente do Teatro Municipal da cidade. O espectador precisa andar dois quilômetros do ônibus até as arquibancadas, onde assistirá à peça a céu aberto. Algumas pessoas do público se divertiram bastante zoando uns aos outros, por andar em cima de estrume, mas a caminhada é fundamental para compor o clima.

Como a platéia observa as pessoas em cena a no mínimo 50 metros de distância, não nos aproximamos dos personagens e nem criamos nenhum vínculo emotivo com eles, assim como nenhum deles possui esses laços emocionais. Desta forma participamos da não-ação do espetáculo. Os espectadores também acabam exercendo uma função de voyeur, já que tudo parece acontecer em tempo real. Em uma das cenas, um dos personagens corre de uma extremidade do espaço cênico para a outra, e isso leva um bom tempo para acontecer. Praticamente observam o cotidiano daqueles personagens até dado momento, quando a sociedade começa a se auto destruir, assim como a nossa mesmo se auto consome.

O trabalho foi desenvolvido pela Compagnie Dakar, da Holanda, e rompe com a maioria das convenções vistas normalmente no teatro. E sobretudo, propõe uma reflexão. O caminho de volta até o ônibus, pela mata, com o pôr do sol de paisagem, realmente não é visto da mesma forma como na chegada. Mudamos o jeito de olhar.

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'2 comentários para “Braakland”'
  1. Paulo disse:

    Braakland, de fato, foi arrebatador, incível e contemporâneo. Estamos fartos de circo e virtuosimos em cena. Braakland realmente dialoga com o tempo presente! Essa sim é digna de 1.000 pessoas em pé!

  2. ana carolina disse:

    concordo paulo! realmente, um espetáculo muito atualizado com as questões da contemporâneidade.

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