Cômoda – Como dividir uma cômoda de cinco gavetas entre duas pessoas numa separação

Críticas   |       |    28 de janeiro de 2008    |    13 comentários

Um bumbum de fora nem in-cômoda!

Fotos: Divulgação

Ao telefone:
(…)
– Vai rolar uma peça na UFU hoje, vamos comigo?
– Festa?
– Peça!
– Ah, lá na cênicas?
– É, lá no bloco 3M.
– Como que chama?
– Cômoda.
– E tem gente pelada de novo?
(…)

cômoda 1

Ouvi três vezes a mesma pergunta, ao convidar três pessoas diferentes para ir ao teatro na Universidade Federal de Uberlândia nesse fim-de-semana. Quantos preconceitos com o teatro universitário! Tentei livrar minha mente do “não vi e já sei o que vai acontecer”, sem achar que toda peça ali tem bumbuns de fora, voz empostada, black-outs (ao som de uma voz sombria em off), corpos retorcendo e mais um monte de lugares-comuns acadêmicos.

E para o meu espanto, no solo Cômoda – Como dividir uma cômoda de cinco gavetas em uma separação (concorrente ao prêmio Bacante de maior nome de peça em 2008), tinha tudo isso com um toque de irreverência, já visto em performances do Bando Grito, o que acabou virando uma especialidade do grupo formado por alunos (e ex-alunos) do curso de Teatro da UFU. Mas o que essa peça tem que as outras universitárias-uberlandenses não têm? Uma pitada de ousadia. Resolveram fazer teatro com as próprias mãos, sem nenhum professor PHD dando pitacos sobre realismo pós-contemporâneo, nem leis de incentivo ou programas de extensão patrocinando cada passo. Quebraram a regra de montar os clássicos e partiram para uma dramaturgia própria, recheada de referências pop, misturando Oswaldo Montenegro, Fernanda Young, Jorge Furtado, Friends, King Kong e Orkut, à trama da separação de um homem e a sua parceira.

Ao dividir os bens que ocupavam a mesma gaveta durante algum tempo, Getúlio Góes, encara um indie de calça xadrez e all-star branco, e mostra a fragilidade de mesmo sabendo o porquê de sua separação, finge que as respostas às suas perguntas não existem. O “isso é meu” e o “isso é seu”, é o resultado de uma escolha da parceira após um jantar, levando-o a infantilidades, como fazer cena e comer uma panela inteira de brigadeiro, lembrando o quanto a vida nos condiciona a ter uma terceira (e até uma quarta) mão, e o quanto às vezes essa própria terceira mão condiciona a sua repulsão.

No meio da divisão dos bens que estão dentro da tal cômoda, entre gracejos e caras e bocas, o ator tira uma fita K7 e um toca-fitas, dando início ao que poderia ser um dos momentos mais poéticos do solo. Ao acionar o play, o que se escuta é um bolero-sertanejo (seria do Teodoro & Sampaio ou Milionário & José Rico?) quebrando o clima indie do início do espetáculo. O melodrama de um homem apaixonado que assume a posição de perdedor é interrompido por uma sessão de expressão corporal com uma nota de 100 reais, ao som de uma canção carioca antiga e triste, com o chiado do disco de vinil que ficou na gravação, como em qualquer outra peça universitária. E o momento homem perdedor é apagado, junto com a música do toca-fitas.

cômoda 2

A diversão do espetáculo fica por conta de uma voz em off acompanhada em tempo integral por um black-out (seria preconceito achar que o black-out acompanhado de off seria um efeito usado quando não se sabe como realizar transições de cenas?). É divulgada então uma séria de pesquisas feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia Bando Grito, como quantas pessoas acham que os pintos das estátuas gregas eram pequenos, ou por quais personagens de desenhos animados os entrevistados sentiam mais tesão.

Em certas horas, a irreverência do grupo dá espaço a um didatismo cênico, reforçando em texto o que a platéia já viu em ação ou imagem, como na explicação na voz em off que o chão está desabando (quando na verdade o público deveria ter o prazer de ler o signo proposto pelo cenário coberto de pedaços de ladrilhos de cerâmica no início do espetáculo), ou quanto o ator explica com gracinhas seu contorcionismo cênico. Seria uma tentativa de serem compreendidos, o que nem sempre acontece em performances?

Após contar uma fábula, o ator encerra a peça perguntando então que escolha se deve tomar em determinadas circunstâncias, no caso a separação. Se fosse uma escolha teatral, eu diria que a de gritar em bando (mesmo que o resultado seja um monólogo) é corajosa.

19 pessoas na platéia sentiram tesão por um avental.

'13 comentários para “Cômoda – Como dividir uma cômoda de cinco gavetas entre duas pessoas numa separação”'
  1. Gostei Bastante da Crítica.
    Fico feliz por ter nos escolhido para sua estréia.
    Você tem mesmo razão em alguns aspectos negativos que indica, até mesmo quanto ao didatismo, em alguns momentos nos vejo tentando fazer se entender, vou começar a pensar melhor sobre isso. É um problema.
    E você conseguiu sacar algumas coisas que até hoje ninguém havia devolvido pra gente, é bom saber que chega ao público e que a gente não precisa ser ainda mais didático. Acho que o retorno do público é ainda pequeno, e o fato de não termos na nossa cidade uma política de críticas consistentes seja em jornais ou até mesmo nos bate-papos o retorno quanto à recepção fica ainda muito a desejar.
    Agora tem alguns links que você fez que realmente nunca havia me passado pela cabeça. Queria até que você me explicasse o porque desses links. São eles: Oswaldo Montenegro, Jorge Furtado (o que eu acho que entendo mesmo, e concordo, rs) e Friends (esse eu não entendi mesmo, rs, acho que porque só assisti uma vez e não gostei muito).
    Agora só para tirar suas dúvidas, a música do radinho é de Matogrosso e Matias, nenhum dos dois que você citou. rs. O IBGE é Instituto Bando Grito de Estatísticas, mas passou. E quanto ao black-out, a idéia foi criada assim mesmo exatamente pelo fato de sabermos que perguntas como essa aconteceriam, nunca pensamos que algo além do som em off aconteceria nesse instante, foi uma opção consciente, pensando exatamente nisso “o que é permitido ou não no teatro”, a gente quis mexer com coisas perigosas mesmo, nesse caso um tempo longo no escuro se ouvindo um off e mais nada, é isso que a gente quer entregar ao público nesse momento do espetáculo, e além disso outra coisa perigosa com que nos metemos foi o fato de trabalharmos o tempo todo com clichês, o que, de alguma forma, também faz sentido nesse momento – um clichê do que não se deve fazer.
    E que bom saber que o nosso seminu poético não incomoda e que as 19 pessoas presentes se excitaram. Acho que vão começar a olhar as estátuas nuas com outros olhos. Rs
    Ficamos na espera agora pelo resultado do prêmio Bacante de maior nome de peça em 2008. rs
    E mais uma vez obrigado pela crítica e boa sorte nas próximas. Qualquer coisa estamos aí pra ajudar no que pudermos.
    Grande Abraço

  2. Aeh diretor do bando!
    Não é o objetivo da revista indicar pontos negativos ou positivos numa peça (isso os meninos deixam pra tia Babi fazer), mas sugar elementos relevantes para a discussão teatral (sejam eles bons ou não).
    O teatro tem o poder da identifcação do público com aquilo que ele vê no palco, e do universo que ele vive. Mesmo que as referências que utilizaram não foi diretamente alguma que citei, a leitura se dá a partir da minha individualidade. Além disso, enquanto criador, muitas vezes as coisas acontecem sem relacionar com algo diretamente, visto que na contemporaneidade somos bombardeados por informações por todos os lados (quem nunca ouviu ou falou que tudo que tinha de ser criado já está aí, e estamos agora só organizando os fatos de nossa maneira). É a tal discussão do “não-autor”.
    Em relação aos links entre peça e referências, me alongaria muito em relacionar fatos e cenas (e alguns são claros), mas já q vc pergunta, resumidamente:
    – Oswaldo Montenegro: será que eu poderia falar que vcs fizeram uma releitura de uns versos da poesia-música “Metade” dele em um trecho da peça? além do tom de achar cult sofrer.
    – Jorge Furtado: há uma ou duas citações do filme “Ilha das flores” (o dos tomates, polegares opositores e porquinhos).
    – Friends: vi uns vícios do seriado (mesmo q vc não assistiu o tal), e o Ross sofreria tanto quanto a personagem em uma separação.
    Pois é, eu não sabia de quem era a música sertaneja (se bem que Mato Grosso e Matias e os caras que eu citei são quase as mesmas pessoas). Valew pelo toque.
    Adoro clichês, mas são perigosos!
    Tinham muito mais de 19 pessoas na platéia, mas percebi que só 19 se excitaram! Os outros não, mas estão pensando em começar.
    E tudo é permitido no teatro!
    De resto, a gente comenta pessoalmente nos corredores teatrais do cerrado!
    Abç!

  3. Ah, e o prêmio Bacante de maior nome de peça em 2008 só no final do ano!

  4. As individualidades. Adoro-as. Nem todas, é claro. Algumas são individualistas demais. rs
    E é sempre bom saber quais os links que despertamos nas pessoas. Quando perguntei foi por curiosidade. A música do Oswaldo eu não conheço, vou procurar ouvir. E realmente parece cult sofrer, mas mais que isso é patético e preferimos essa segunda opção. Apesar de que eu acho cult ser patético. rs E quanto ao seriado, acho que essa coisa do sofrimento não é um vício particular deles, o mundo inteiro sofre, melodramaticamente, televisivamente, novelistamente, como se a vida fosse um eterna e constante folhetim. Disso, por este fato constatado, é que tentamos absorver o patético do ser passional e reproduzi-lo em cena. Por esse motivo, também, tanto clichê!

    No mais é só isso! rs

  5. Ahhh, e deixe-me defender o meu Título e o prêmio do fim do ano. Ó nome do espetáculo aí em cina não está completo. Corrigindo:
    “Cômoda – Como dividir uma cômoda de cinco gavetas entre duas pessoas numa separação”
    Só algumas palavrinhas a mais. Mas que podem fazer falta depois.

    Abç

  6. Nossa! Errei o nome da peça???? Tinham mais duas palavras no título?????? Mas eu não tinha visto em nenhum lugar (se bem que em todo lugar a gente só vê Cômoda). Desculpe! Os bacantes vão arrumar pra gente!
    Ok, individualidades são muito individualistas, mas os indivíduos fazem o universal (nossa q neo-indie!). E que bom que existem individualidades de individualistas múltiplas, para que os homens possam identificar com os outros e deixarem d ser tão individualistas.
    Eu concordo com o Oswaldo Montenegro, é cult sofrer (acompanhado d cerveja, ouvindo Oswaldo Montenegro, sozinho, de cueca no sofá, com o celular desligado, entupido de calmantes)!
    Quanto aos vícios Friendianos, não falo dos vícios do sofrimento, mas de outros típicos do seriados! E quem falou que vício é uma coisa ruim (pergunte a um fumante se ele acha ruim fumar????).
    É patético amar, mas a gente gosta! Como diria um amigo meu: “Amor é como capim. Você planta, ele cresce. Aí vem uma vaca e acaba com tudo!”
    E não pense que o prêmio é sério! Sério aqui, só o cinza do novo layout do site! hehehehhehe
    Bom carnaval!

  7. Hahaha
    Ótima definição de amor.
    Nome alterado.
    E se vc acha o cinza sério, vai ficar pasmo qdo botar os olhos no verde mar do blog.
    Calma com o andor que nosso uébidizáiner tá sempre de férias.

  8. Fabrício Muriana disse:

    PS: Esse comentário aqui de cima foi meu.
    Posso ser esquizofrênico e santista, mas anônimo nunca.

  9. Juli =) disse:

    Definição de amor machista pra caralho. Mas concordo com o resto: patético. haha

    Beijos.

    PS: Quem disse que o Prêmio não é sério? Que nada aqui é sério? Emiliano, quantas vezes já te disse que a Bacante é uma revista séria???

  10. Alba disse:

    Acho triste quando vejo que o público de uberlândia, ainda em formação, vê no teatro feito na UFU somente o ator nú. Culpa dos que colocam lá o ator nú. Mas culpa de quem tambem só olha pro ator nú, divulga a nudez sem divulgar a cena e o contexto! Triste mesmo esse tipo de incentivo ao teatro. Não basta ter bom texto, estética e ser iverente, foi feito por universitários…. Tem black-outs, vozes em off… um ator nú.

    Mas mesmo assim, gostei muito da peça, me identifiquei em alguns momentos e recomendo.

  11. Culpa.
    Essa palavra é terrível.
    As pessoas vivem sempre cheias de culpa. A igreja faz as pessoas se sentirem culpadas por pecarem, a TV faz as pessoas se sentirem culpadas por não poderem comprar seus produtos, o governo faz as pessoas se sentirem culpadas por nunca conseguirem votar em um político honesto…
    Agora se sentir culpado pelo nu? Isso dá o que falar. Quem foi o sujeito que se cobriu pela primeira vez com uma pele que não era sua? Será que foi por culpa, como Adão, ou mais por frio, pela mudança climática?
    Por que quando as pessoas pensam em si, a imagem que vêem está vestida, sendo que a roupa está ali apenas para a esconder? As pessoas se tornaram bonecos de vitrine.
    No espetáculo nós falamos sobre isso. Brincamos com a idéia das estátuas nuas de forma até quase piadista, causando risos com o nosso off sobre pessoas que se excitam com estátuas nuas, ou manequins, ou bonecas, ou desenhos animados. E as pessoas riem por reconhecimento. O nu desagrada sim, mas tem gente que esquece que está nu por debaixo da roupa, e esconde já ter tido a curiosidade de olhar o sexo de uma estátua enquanto visitava um museu, ou de um manequim enquanto fazia comprar no shopping, ou da boneca da irmãzinha durante a infância.
    Por que teimamos esconder o nosso sexo a tanto custo? Teríamos culpa? Culpa por termos sexo? Culpa por não sermos anjinhos assexuados? Acho que devemos sim mostrar nosso sexo, a poesia que existe nele, para além da pornografia. Devemos reafirmá-lo e não continuar a negar, como se fossemos aleijados sexuais.
    Por isso lembrem-se crianças, meninos tem piupiu e meninas perereca. Se divirtam e se deixem divertir.

    Beijos

  12. Emilliano Freitas disse:

    Ops! É carnaval e a gente Bacanteando!
    Juli, desculpe a definição machista do meu amigo (eu sei q vc curtiu!).
    Quanto ao verde mar, eu gostei! Afinal, aki em minas não tem mar!
    Alba, em todos os lugares do Brasil, o público ainda está em formação! Quantas pessoas nunca foram ao teatro! O “Gente de Teatro”, projeto em que esse espetáculo esteve em cartaz na UFU é importantíssimo não apenas para a formação, mas para a consolidação do público teatral. Quanto ao ator nu, a crítica não quer ser uma tese de se devemos ou não botar o bumbum de fora no teatro. É apenas uma reflexão de um discurso freqüente em rodinhas de freqüentadores de teatro. Pode ser um preconceito? Pode ser ignorância? Pode ser reflexo de um falso-moralismo? Pode ser desnecessário? O que vc acha?
    Espero que escrevendo nessa revista, como um ator, diretor e público, possa trazer outros tipos de reflexões sobre o que acontece no teatro uberlandense (o nu universitário é só uma, no meio do teatro-informação, teatro-entreterimento, teatro-bonitinho, teatro-empresa, teatro-intelectual, no teatro-blá-blá-blá).
    Sim, esse espetáculo foi feito por universitários, mas não acredito nesse lenga-lenga de eles estão aprendendo ou começando e que podem tudo. Não, eles tem tanta responsabilidade quanto os outros!
    É, infelizmente não somos anjinhos assexuados!
    O trio elétrico me aguarda! Axé!

  13. Maritza disse:

    Gostei muito do espetáculo, o grupo soube explorar de uma maneira divertida e depressiva essa questao da separação. Alias, completanto o comentario a cima: O amor também é isso, divertido e depressivo.
    Agora sobre as questoes dos nus, bem… não tenho nada contra, aliás a favor neh. Pq a estátua pode ser nua o nós atistas não??? Sendo que não tem nada de diferente da estátuo, aliás.. só um pouco mais vivo.. rsrsrs!
    Achei massa os efeitos do black-out. A explosão do Getúlio dando um salto no início, foi muito massa, e além deste salto, no meio do espetaculo teve outro que deixa a cena muito rica.
    Ahh.. gostei muito de cada coisa… e não podia deixar de comentar neh..
    Parabéns pelo premio! =)
    Abrçs

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