Ensaio.Hamlet

Críticas   |       |    25 de junho de 2007    |    0 comentários

Ensaio.Crítica

Fotos: Divulgação

Tem um cara, chamado Jan Kott, que escreveu um livro, chama Shakespeare Nosso Contemporâneo. Foi publicado no Brasil pela Cosac e Naify, aquela das imagens bonitinhas, diagramação arrumadinha e dos preços delirantes (das coisas que só se deve comprar na feira do livro da USP, pra ver se a editora se toca). O caso é que esse cara tem um capítulo todo dedicado ao Hamlet e à importância desse personagem na história da arte mundial. Uma das suas conclusões, com que concordo totalmente, é que Hamlet é uma obra tão complexa e passível de ser encenada milhões de vezes, sempre de uma forma diferente, exatamente por que Shakespeare definiu um roteiro base muito bem desenhado, mas deixou diversas lacunas para que os encenadores coloquem o seu ponto de vista. É obra política, psicológica, histórica, drama familiar, tudo ao mesmo tempo.

Partindo dessa premissa, Hamlet parece ter encaixado feito luva para a Cia. dos Atores. Ainda parafraseando o velho Jan, o Kott, assistir um Hamlet hoje é procurar ao mesmo tempo quanto há de Shakespeare, e quanto há de nós mesmos e do nosso tempo na montagem. Na última quinta-feira eu encontrei tudo na apresentação e ainda mais: não poderia faltar metalinguagem.

Mais uma vez no Sesc Pinheiros, mais uma vez a classe artística em peso, exatamente como no espetáculo Gaivota – tema para um conto curto, mas dessa vez uma obra muito mais bem resolvida, sem perda de simbologia. Ensaio.Hamlet é uma peça que já rodou o mundo e que, em certa medida, dispensa apresentações. Nota-se que há uma alteração do texto com o passar do tempo (eles também falam de BR-3). No entanto, o que considero mais instigante é a extrema liberdade no encontro com a dramaturgia. Nada melhor para deixar a crítica sem ferramental para a análise.

Michel Cournot, jornalista do Le Monde, sente que precisa ver diversas vezes a peça para que sinta possível criticá-la e aponta a diferença do idioma como a grande dificuldade. Creio que o problema não seja o idioma. É difícil mesmo, não custa assumir. Santiago Fondevila, do La Vanguardia, ressalta a criativa solução cênica para o clássico “ser ou não ser”, encenado por três Hamlets num só tempo. Comenta ainda da adequação ao palco espanhol. Sinto que essa peça, com algumas adaptações, pode ser encenada em qualquer lugar, menos em palco italiano (não o da Itália). Jeferson Lessa, do jornal com sotaque carioca O Globo, elogia sem medo: “uma das encenações mais inteligentes, inventivas, originais e iconoclastas a marcar presença no palco carioca”. Em terra de central Globo de produções, quem tem Cia. dos Atores é rei. Ele também ressalta a presença de Jaspion no palco: grande cagada, quem está no palco são os Changemans, faço a correção. Jaspion era um homem-robô. Lessa ressalta também que “sem querer ser Hamlet, Ensaio.Hamlet discute questões sobre o ato de encenar a partir de Hamlet ” o que considero baboseira, pois a companhia quer sim encenar Hamlet e usam a palavra Ensaio pra deixar claro desde o princípio a metalinguagem. Macksen Luiz. do Jornal do Brasil resume em uma linha o que considero o grande achado da Cia: “Enrique Diaz propõe método cênico que atinja a solenidade dramática”. Isso sim é uma briga pra se encampar, encenar algo pra desmontar nossa concepção de teatro. Mas o melhor mesmo está na crítica de Bárbara Heliodora.

“Por várias vezes a pura repetição das palavras provoca risos, tirando o sentido das mesmas”. Numa só frase, a Babi (que é amiga e já foi entrevistada pela Marie-Gabi e pelo ilustre jornalista Pedro Bial) define que Hamlet não pode ter repetições e não pode provocar risos (afinal é uma peça séria). Na seqüência, comentando da troca de papéis “dois bonecos plásticos são, a princípio, Rosencrantz e Guildenstern, mas depois há atores para os papéis” ela reduz uma das trocas mais engraçadas e plena de liberdades numa descrição realista do que está no palco. Para entender a gravidade da incompreensão da crítica, só vendo o espetáculo. Há muito ali para ser percebido, desde que se procure sentido. Ela conclui que “esse tipo de ensaio não pode levar a nada”. No momento em que li essa frase olhei novamente para foto de Bárbara Heliodora, que me olhou de volta com reprovação e senti “como ela é parecida com o Ferreira Gullar”. Sem mais comentários.

Ficam na memória para toda a vida duas cenas: uma, a morte de Ofélia, com pouquíssimos elementos cênicos e um coro que ressoa no cérebro toda vez que vejo uma garrafa d’água azul. Outra, em que a mesma Ofélia é personagem que aparece na forma de um vestido, numa dança solo proposta por um dos atores da companhia. Esse vestido é preenchido na seqüência pelo mesmo ator e depois é transfigurado em parte da vestimenta de Polônio. Não falo aqui da criatividade, ressalto a simplicidade.

5 críticos boiando, inclusive eu

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