Kavka – Agarrado Num Traço a Lápis
Doidinho brilhante
Foto: Divulgação
Um homem perturbado com sua condição, quase um louco por assim dizer, sempre vale um espetáculo. Quando esse louco é um Franz Kafka então, o prato é cheio e quem se aventura nessas terras é um guloso. Posso apontar a esta altura que Kafka está quase um Nelson Rodrigues de tanta gente que acha formas de pesquisá-lo e encená-lo, pelo menos aqui no Brasil. Basta fazer uma procura básica no Google e se descobre que o autor tcheco foi montado várias vezes nessa nossa terrinha tupiniquim, incluindo aà a Trilogia Kafka, de Gerald Thomas.
Digressões de inÃcio de resenha à parte, conferi um espetáculo do Lume, o sólo Kavka – Agarrado Num Traço a Lápis, com interpretação de Ricardo Puccetti e direção de Naomi Silman. O espetáculo traz um mix de Kafka, situado aparentemente em seu quarto (que lembra muito uma prisão), relembrando passagens de suas obras e com a promessa de revelar a interioridade do autor. Puccetti, segundo um amigo meu, é considerado um dos melhores atores do Lume. Então, fiquei curioso para ver o que estava lá dentro do teatro.
O tal quarto-cela (chupinhei descaradamente a expressão da Bravo!) tinha a maior parte de seu espaço ocupado por uma plataforma de madeira, com três nÃveis e um aclive. Várias pilhas de escritos espalhados preenchiam a plataforma, além de um criado-mudo bem grande, uma mesa e uma cadeira. Ao lado extremo direito, uma cabideira em que um chapéu e um casaco pediam para serem vestidos. No canto esquerdo, subia uma escada apontando para o nada e, na sua frente, pendia uma gaiola no qual um homem de papel branco estava preso. Coitado dele! Tudo bem, o cenário já dava uma grande idéia do que estava por vir.
Em cima do criado-mudo, a personagem-tÃtulo, Kafka, dormia enrolada num lençol branco preso acima sob o qual foi projetado um filme. Primeira referência: um sonho. O que Kafka sonhava? Um cemitério, o coveiro, o medo de ser sepultado, os sons estranhos e uma atmosfera mórbida. Ele acorda, anda pelos nÃveis, pára, pensa, pega uma pena e se põe a escrever. Lê. Relê. Atira longe. Amassa. Assim como fazemos nas noites em que a Bacante é editada (mas ninguém joga o laptop longe. Só suprimimos ou acrescentamos palavras.
Palavras. Kafka era obcecado por elas. A constante repetição de trechos de suas obras demonstra o cuidado de Puccetti em sua criação. Nunca soa repetitivo na instância da chatice, mas um repetitivo curioso, como a citação de Um cruzamento, recitada tantas vezes que o crÃtico perdeu a conta (de verdade):
Eu tenho um animal muito singular, metade gatinho, metade cordeiro. É uma parte da herança de meu pai. (…) Antigamente ele era muito mais cordeiro do que gatinho. Contudo, ele tem agora, de ambos, partes iguais. (…) Eu não herdei muito de meu pai, mas essa herança é de todo considerável. Ele tem inquietações de ambos, do gato e do cordeiro, por mais diferentes que eles sejam. Por isso ele se sente tão incomodado na sua pele. (…) Talvez a faca do açougueiro fosse para este animal um alÃvio que eu, no entanto, tenho de negar-lhe por ser uma herança. Por isso ele tem que esperar até que a respiração lhe falte por si própria, mesmo que ele me olhe à s vezes com olhar de humano entendimento que exige uma ação razoável.
“Olhar de humano entendimento”, ele diz. O animal muito singular de Kafka é um belo exemplo dele mesmo. É uma tintura autobiográfica em que o animal está encerrado na pele e quer sair, não se entendendo, muitas vezes, com as partes antagônicas. E o ator cria para isso uma partitura que dialoga com essa dualidade. Ricardo Puccetti grita, corre, esperneia, pula, é frenético e subitamente contempla, pára, degusta as paragens a que Kafka o levou. A partitura é cuidadosa, percebe-se, mas o espetáculo acaba levando o ator a reproduzir uma comicidade provinda de caras e bocas, como naquela cena em que faz bico de Marge Simpson (qualquer semelhança com Denise Stóklos em Calendário da Pedra é mero problema entre a atriz e o ator).
Muitas vezes Puccetti lembra Jim Carrey e suas explosões cômicas no andar, na expressão, no exagero escarrado. Mesmo com esses desvios, o público entende que Kafka tinha todo este antagonismo dentro de si, mas o espetáculo parece entrar numa espécie de auto-indulgência, querendo permitir que o público se alivie da pesada temática que traz. Esse escorregão não ajuda, mas também não prejudica. Pode-se dizer que Puccetti entendeu a alma do escritor tcheco, aquela metamorfose ambulante (não a do Raul), aquele arroubo traumático causado pelo pai, a figura paterna destroçadora que vivia apenas para fazer dele um objeto de escárnio.
Mesmo assim, na segunda vez em que assisto um monólogo inspirado em um escritor em 15 dias, devo repetir (e não como Puccetti/Kafka) que o texto do autor faz muito pelo ator. É como se necessitasse apenas de um preenchimento vindo pelo ator. Como se as palavras estivessem flutuando no ar, prontas para serem pegas por um histrião e trabalhadas. Cabe discutir com mais amplidão se essa via só tem uma mão, vindo de autor para ator, ou duas, ou, ainda, uma mão contrária. Mas não discutiremos isso aqui. Para esta crÃtica, interessa que, no caso passado, uma mulher utilizou a irreverência de Mário Quintana. Nesse caso, um homem emprestou as palavras fortes e existencialistas de Franz Kafka. E mais uma vez, o teatro foi comprido com qualidade.
4 animais muito singulares na platéia
P.S.: Devo parabenizar o ator Ricardo Puccetti já que, no SESC Santo André, ele foi submetido a pessoas na platéia que fizeram o favor de conversar alto durante o espetáculo, rir quando não deviam (tirando sarro mesmo) e até mesmo folhear revista. Eu pergunto o que pessoas como essas estavam fazendo dentro de um teatro. O que pensaram que iam assistir quando viram um espetáculo chamado Kavka? Infelizmente, não tenho a resposta para a minha própria pergunta, mas eu acho que aquelas pessoas deviam estar em casa assistindo novela. É um compromisso menos cerebral que poderia ser melhor aproveitado dentro das Ãnfimas possibilidades que aquelas pobres mentes são capazes de atinar.
P.P.S.: Confesso, tive vontade de dizer: “CALA A BOCA, SUA VADIA DO CARALHO!” (pronto, escrevi meu palavrão prometido anteriormente).
Eu não gosto de fazer comentários a respeito do LUME…
Eu vi 11 peças deles. Tem uma que eu assisti 8 vezes.
Com o Ric eu assisti 5.
3 eram solos.
Essa foi a segunda direção da Naomi que vi.
Estou estudando Kafka surradamente.
(sim, serei mais um a montar o dito, espero estrear no ano que vem)
E… puxa… não gostei.
Mas por questões puramente pessoais. Levei 7 pessoas comigo para assistir, dessas, 5 nunca tinham visto nada do LUME. E amaram!
Claro!
o LUME é phoda!
mas eu naõ gostei.
Mas, liga não… sou bobo mesmo.
“o teatro foi comprido com qualidade” é ótimo!!! tipo: “é chato mas é bom.” hahahahaha
Mais um hit para a coletânea.
bjos.
Normalmente pra quem está estudando o mesmo tema é bem complicado, não é? Parece sempre subaproveitado ou que os caras não pegam o melhor foco das questões… enfim… vc foi assistir num momento delicado, né Ronaldo?
Aeeeee… mais um hit. Quase morri de rir com esse… rs
Beijos.
É… eu sei…
:O)
[…] Outra crÃtica […]
Fui ao espetáculo e achei incrÃvel, acho que todos os leitores desta revista deveria assistir. Ele está em cartaz no Sesc Consolação.
Parabéns ao ator…
Vida Barbalho
Eu gostei bastante da peça, dos devaneios deste escritor, foi bom passear pelos seus pensamentos
Não conhecia o Lume, mas de cara gostei do monólogo, e repito o comentário ‘parabéns ao ator’
must check for less for promotion code
Oi, pessoal
Geralmente eu só leio as postagens e comentários aqui, mas estou com uma dúvida e gostaria de saber se algum de vocês pode me dar umas dicas. Eu vou tirar 30 dias de férias agora no próximo verão, e estava pensando em ir para Serra de Baturité. Alguém aqui já foi pra lá? Gostaram? Vale a pena passar 30 dias lá? Quais atrações turÃsticas vocês recomendam? Se alguém puder ajudar, escreve aÃ.. Valeu mesmo, pessoal! Abraço!