Pálido colosso

Críticas   |       |    29 de outubro de 2007    |    0 comentários

Rindo (muito) pra não chorar

Fotos: José Romero

Se você tá a fim de comer amendoim, tomar cerveja, ouvir música boa e discutir política e futebol… sim, pode ir ao teatro! Bem, talvez você não queira discutir, então pode só comer amendoim e dar risada. No cabaré montado na sede da Companhia do Feijão, totalmente modificado desde Nonada (só o que sobrevive do espetáculo anterior é o figurino do ator que, na ocasião, interpretava o narrador. Ele deve ter se apegado. Figruino bonito…) , o grupo discute, em esquetes provocadoras, divertidas e algumas bobas mesmo, os acontecimentos recentes (por recentes entenda desde a ditadura e até um pouquinho antes) da política nacional – que todos sabemos: dão margem a muita piada.

Graças ao fomento municipal, que deu grana pra pesquisa “Por que a esquerda se endireita – um estudo da alma brasileira contemporânea”, o espetáculo Pálido Colosso acaba de estrear e fica em cartaz até dezembro. A desesperança e a falta de novas perspectivas para o nosso tão famigerado Estado-nação permeiam toda a montagem, que reflete as muito variadas atitudes de cada um de nós em cada momento da nossa história recente. Neste ponto, os atores lidam com um componente que pode atrapalhar e contribuir, dependendo de como se lida com ele: a memória da platéia. Cada olho voltado para o palco de cortinas extravagantes mostra um brilho particular de quem viveu, de alguma maneira, aquela história. São olhares de quem concorda e de quem discorda, de quem viveu e de quem leu nos livros do colégio, de quem agiu exatamente da mesma maneira que o personagem e de quem batia nas pessoas que agiam daquela maneira… tudo, menos olhar de espectador puro e indiferente.

Como muitas vezes vemos nas peças em formato de cabaré, há desnível entre as cenas: enquanto algumas encantam, outras ficam fora de contexto ou parecem ter sido pouco trabalhadas. Todas, no entanto, estão carregadas de uma sinceridade que vem do processo de criação, baseado nos depoimentos dos atores costurando os anos 60, 70, 80, 90… ufa! Não se está falando ali de marcos históricos, de leis, nomes ou datas, mas de pessoas, seres humanos buscando esperanças, construindo heróis e se perdendo no meio das próprias escolhas. Claro que, tratando-se de política – aquela que em geral, “não se discute!” – tudo é carregado de concepções muito pessoais, mas isso definitivamente não é problema. É com base em opinião pessoal que o grupo expõe uma análise do quanto nosso sistema é cíclico e produz as mesmas criaturinhas que chamamos de políticos, que mudam só a roupagem pra enganar os trouxas (nós). Produzidos por um sistema em que participação popular é por si só uma piada, o esportista, o acadêmico e o sapo barbudo são todos príncipes que, no final, traem suas princesas e caem na gandaia.

E se você pensa que ali só se fala em ditadura, Diretas Já e morte do Tancredo Neves, que nada! Você também pode aprender culinária. Numa sátira aos programas de receitas, um ator nos ensina o seguinte quitute:

Enroladinho de Polvo

Recheio: pegue o polvo vivo e aperte a cabeça até sair toda a tinta. Sapeque as ventosas para que ele não tenha como se agarrar(…). Cozinhe até o polvo desmanchar (…) Passe tudo por um moedor para homogeneizar e tempere com pimenta de cheiro

Massa podre: retire vários punhados de Farinha Três Poderes de um mesmo saco e os distribua numa tábua bem esplanada e untada: punhados menores à direita e à esquerda, o maior no centro. (…)

Preparo: Abra a massa, coloque o polvo e enrole bem. (…)

E, pra quem gosta de celebridade global, tem até uma gravação da Christiane Torloni, ativista que agora se voltou para a Amazônia (certa ela, pelo menos lá, os bichos são menos esquisitos que os políticos). Na ocasião, Chris se manifestava com muito empenho contra o FMI. A pérola foi tirada do Youtube. Veja você mesmo, abaixo.

Já caminhando para o final, uma cena resume a zona que é o nosso momento atual sem-perspectiva-nem-esperança-nem-nada-do-tipo: duas velhinhas surdas a la A Praça é Nossa conversam sobre os presidentes e outras figuras ilustres e os confundem sistematicamente. A cena é um enorme conjunto de grandes clichês, mas, convenhamos, zuar o Sarney e as criaturas que continuam elegendo esta pequena múmia é um clichê delicioso, não?

3 sapos de terno Armani

O que você acha?

A Bacante é Creative Commons. Alguns direitos reservados. Movida a Wordpress.