Rasga Coração
A crÃtica da crÃtica
Sábado à noite, Sesc Santana. 2h40min é a previsão de duração de Rasga Coração, com inÃcio marcado para as 21h. Em São Paulo, isso quer dizer que se você mora em qualquer zona que não seja central ou norte, só poderá ver esse espetáculo de carro. Chuva forte + interrupção no momento final da peça por queda de luz. Resultado: saà à 00h10 de domingo. Tudo isso a gente releva, só o que não dá mesmo é pra agüentar a crÃtica exposta na porta do teatro.
Num imenso banner, algumas das pérolas mais preconceituosas que já vi impressas no jornal, assinadas por Macksen Luiz (Jornal do Brasil), Bárbara Heliodora (O Globo) e Ida Vicenzia (para o Jornal do Commercio). Além de fazerem crÃtica como quem faz uma lista de supermercado, parece que receberam sinal verde pra chamar de burros os jovens que vão ao teatro.
Vamos começar pela Ida Vicenzia:
“Na platéia do Teatro Glória [quando ainda em cartaz no Rio de Janeiro] estavam presentes várias gerações de brasileiros. Para os mais jovens, os agora chamados ‘politicamente alienados’, foi difÃcil compreender que não se tratava de um besteirol. Nada contra o gênero, porém os jovens que não voltaram depois do intervalo (pois é, a peça, na montagem de Dudu Sandroni, mantinha o intervalo), devem ter achado tudo muito sério e uma chatice sem fim”.
Ela prossegue:
“Os referidos jovens ainda fizeram tentativas de rir de tanta desgraça, mas acabaram percebendo que não se tratava de um besteirol. Repito: nada contra o gênero, mas a superficialidade impregna de tal maneira a sensibilidade da garotada, que eles não tem mais discernimento pra reconhecer algo que não esteja vinculado ao riso fácil”.
Esse modelo de jovem imbecil ela tirou de onde? São os filhos dela? São os netos? Seus alunos? Talvez se ela tivesse reparado que a peça não faz qualquer ponte com o presente (nem em linguagem, nem na releitura, nem na atuação) e que mais parece uma aula de história, fosse mais fácil compreender a razão de algumas pessoas (veja bem, pessoas, nem jovens nem velhos, qualquer um que se questione sobre a linguagem do espetáculo) terem ignorado a segunda parte. Talvez também haja problemas no transporte público carioca. Mas esse tipo de coisa nem passa perto da cabeça da crÃtica.
AÃ vem a Babi:
“Com as ‘novidades’ que mais outras quase três décadas [depois da primeira montagem] trouxeram, temos que admitir que, talvez, a bela peça de Vianninha possa ser quase inacessÃvel aos jovens de hoje, cujas convicções polÃticas (ou falta delas) estão muito distantes dos conflitos ideológicos dos anos 30, provavelmente nem sequer sabendo o que possa ser integralismo, por exemplo. Só se pode esperar que a incontestável força do texto possa atravessar esse abismo.”
Eu gosto da Bárbara porque ela se assume como vovó no meio do argumento. É óbvio que as “convicções polÃticas de hoje estão muito distantes dos conflitos ideológicos dos anos 30”, as convicções polÃticas da década de 70, quando a peça foi escrita, já eram profundamente distintas dos conflitos ideológicos nos anos 30. Pra Bárbara, fazer uma crÃtica hoje, ou na década de 50, não muda muita coisa. Fora que mais uma vez aparece o argumento do “jovem burro”, que não sabe o que é integralismo e deveria saber, porque a Bárbara quer.
O Macksen é menos preconceituoso, não comenta do jovem, mas usa seu espacinho no jornal pra comentar atuação por atuação, e concluir que é “Um trabalho em grande estilo”. Boiei, Macksen. Tava legal até ali, mas o que quer dizer “grande estilo” quando a gente fala de teatro? A Bárbara já é mais cruel: “A direção de Dudu Sandroni é uma obra de amor, e se, por vezes, acontecem coisas demais ao mesmo tempo, de modo geral faz o espetáculo vibrante e atraente”, essa história de “coisas demais ao mesmo tempo” é complicada mesmo Bárbara, como já disse a Daniele Ãvila: na próxima vez, pede um desenho da cena! E ela prossegue dizendo que alguns atores atuam “muito bem”, um deles é “excepcional”, outros “defendem bem seus vários personagens” e conclui que outros são “satisfatórios”. Não tem critério mesmo. A parada é o gosto da vovó e nada mais. Se ela não gostar, negão, te vira que você não faz teatro.
Se pensarmos numa homenagem histórica, Rasga Coração faz o seu papel respeitando profundamente o texto original (com exceção do coro, que foi retirado nessa montagem). Mas faltou botar mais a mão nas cenas. Forçar o paralelo com os nossos dias. Faltou pensar numa forma menos década de 70. Construir um novo espetáculo. Fico com a impressão de que a montagem, da forma como é realizada hoje, não traria nenhuma novidade mesmo que fosse apresentada na década de 70. Tudo é muito quadradinho, todos os atores querem acertar demais e, exatamente por isso, erram.
Vi uma apresentação com problemas elétricos e mais não comento. Espero que mais gente vá lá conferir esse trabalho pra trocarmos uma idéia. Gente jovem (de corpo e/ou alma), dessa que alguns crÃticos gostam de imbecilizar. Espero também que o limite de caracteres dos jornalões faça com que pelo menos eles pensem duas vezes antes de publicar absurdos como esses, em lugar de fazer análises que realmente valham a pena pros leitores. Esses crÃticos, quando perguntados na infância (sim, eles já foram crianças um dia) “o que você quer ser quando crescer?” provavelmente respondiam algo assim:
– Quando eu crescer, eu quero ser velho.
3 minutos antes do último metrô, foi quando cheguei na estação Santana
fui citada! eu, jovem e alienada, fui citada!
…
Achei importante você criticar as crÃticas. Naquela vez em que eu mencionei a Bárbara, uma criatura veio me dizer que achava que eu não deveria fazer isso. Parece que não é de bom tom. É impressionante como as pessoas gostam de dizer pra você não falar as coisas. Se a gente se propõe a ser crÃtico… e não deve falar… vamos cometer suicÃdio coletivo? bom… vou fazer um desenho pra ela também…
Eu assisti Rasga Coração aqui no Rio. Mesmo que não seja a minha praia, entendo que as pessoas que viveram aqueles tempos se identifiquem. Entendo mais ainda que pra geração da Bárbara, ver este teatro deva ser reconfortante, um recorte no tempo, um flashback no conteúdo e na forma… (Me pergunto se daqui a 40 anos vou assistir uma remontagem de Manifiesto de Niños e sentir essas coisas. rs)
O problema é que não entendo mesmo que a crÃtica da velha guarda (digo isso com respeito) não entenda que a grande, imensa, lacuna seja estética e não de conteúdo. Não entendo de jeito nenhum, porque elas acompanharam evoluções estéticas na sua época. O próprio Vianinha propunha “novidades” na sua dramaturgia.
Não entendo que não esteja claro que a própria idéia de discurso – tão presente na dramaturgia de Rasga Coração – já não tem nenhum impacto estético, independente do conteúdo. Não entendo. Preguiça? Descaso?
Não entendo a falta de disponibilidade pra olhar pra platéia. Acho mesmo que o crÃtico tem que olhar pra platéia. Olhar com atenção, querer ver o que se passa na cabeça de quem tá vendo. Tentar perceber que critérios estão em jogo na hora em que a peça está acontecendo.
Tem uma outra crÃtica que diz que é preciso envelhecer. Pero sin perder lo senso estético jamás. E senso estético não é uma inteligência estética, mas uma sensibilidade, uma disponibilidade, como eu já disse.
Ih, me estendi né…
Como estávamos com problemas nos comentários na semana em que a Dani fez esse comentário, acho que vale ressaltar o agradecimento por ela ter abordado aquilo onde não consigo chegar com a crÃtica. A questão estética que mal é tratada no meu texto. Fico mais na crÃtica da crÃtica e de repente a Dani faz uma crÃtica que considero bem completa sobre o espetáculo. Aceitamos novas opiniões e reflexões.
Convido à pessoa que já entrou aqui mais de 15 vezes buscando as expressões “crÃtica da crÃtica” +”fabrÃcio muriana” a postar um comentário. Por mais puto que você possa estar, que venha sincero no comentário.
Há muito tempo procuro falar com vocês. Quando me refiro a uma juventude alienada, não estou falando de pessoas que se interessam por teatro, jovens ou não, estou falando de deslumbrados que só vão a teatro porque há, no elenco, algum figurão da Glob. Isto acontece muito no Rio de Janeiro. As jovens que estavam ao meu lado, na platéia, eram visivelmente convidadas e pensaram ter ido assistir a uma comédia. Não quis desrespeitar ninguém, reconheço que não devia ter feito tal observação, mas fiquei irritada com a balburdia que elas faziam, em desrespeito visivel ao que estava acontecendo no palco.
Abs,
Ida
Oi Ida
Valeu por entrar na fogueira. Nunca imaginei que esse texto ainda fosse ser comentado. Que bom que você contextualizou. Contextualizo também que li as três crÃticas na seqüência e ficou impossÃvel não colocar todos na mesma boléia. De todas as maneiras, achei legal você reconhecer que não devia ter feito a observação e ter explicado a razão dela. É sempre complicado falar de platéias. Vira a mexe a gente termina deixando um comentário atravessado. Mas, bem, nem sei o que te falar. Foi só legal ler o seu comentário. Grande abraço e apareça.