Réquiem

Críticas   |       |    9 de fevereiro de 2009    |    1 comentários

Escolhas mais e menos radicais em tempos… (?) diferentes (?).

Antes de começar, algumas manifestações da conhecidíssima entidade “Crítica Internacional”, disponíveis no programa da peça, (entre aspas está o comentário e, na frente, a fonte, ok?) com algumas anotações minhas que não são necessariamente verdadeiras. Nem necessariamente falsas.

– “Uma majestosa tapeçaria poética com vida sobre o palco“, The London Guardian (tapeçaria com vida? Que medo! O que essa pessoa cheirou antes de escrever? Aladin?)

– “Por um teatro como esse você pode esperar anos, às vezes uma vida inteira“, Polin (essa coisa de fazer poesia com a vida e a morte contamina, né?)

– “Uma dupla experiência especial: Requiém é uma peça que une Beckett e Brecht – como se seus espíritos estivessem pelo hall do teatro“, Hannoversche Allgemeine Zeitung (frase do mais importante medium israelense. Essa coisa de fazer poesia com a vida, a morte e o que quer que venha depois contamina, né? Ouvi dizer que depois de ler o comentário de Hann, muitas pessoas preferiram não ir ao teatro, com medo de encontrar os tais espíritos no hall. A companhia faliu meses depois.)

– “A morte aqui não é somente bonita e poética. Mas também uma grande vitória teatral“, Ma’ariv (frase de um importante locutor de futebol israelense, que divide o mundo entre vitórias e derrotas)

– “Vá e assista a peça. É uma das melhores escritas por Hanoch Levin“, Ha’aretz (Não poderia ser mais democrático, algo como: “caso você tenha interesse, é possível que você aprecie a leitura dessa dramaturgia”? É, não poderia, já que Ha’aretz é ditador da cidade de Nazrat Ilit)

Agora, vamos começar…

Israel, Tel-Aviv, década de 1990

Hanoch Levin está doente. Apesar de ter passado pelo serviço militar obrigatório e vivido numa das áreas mais conflituosas do mundo, a morte nunca lhe foi tão próxima, nem tão poética. Agora é dentro dele. E talvez não seja tão trágica quanto as que possa ter presenciado por conta das guerras, mas é capaz de mostrar, da mesma maneira, a falta de sentido da vida como a vivíamos na década de 1990 e como a vivemos ainda hoje, sem quase nenhuma distinção, revezando crises e contando dinheiro, vivendo ao lado do rio, sem nunca sair de casa para contemplá-lo.

Levin escreve, então, uma de suas últimas peças. Foram muitas. Essa, Réquiem, ele também dirige. A montagem é do Teatro Cameri, companhia muito reconhecida no país. Levin dá as coordenadas do leito do hospital. Provavelmente sugere a poesia, o exagero do lírico, num momento de sua própria vida em que, sim!, tudo é exagero, e daí?

Escreve e dirige um tanto das tragédias reais que viu e ouviu na vida, mas narra também nossas fugas pro sonho, pra um mundo imaginário, de beijos, quadros falantes, seres esquisitos – criaturas daquele tipo que quando encontramos não sabemos o que vão falar, nem eles sabem o que responderemos. Coloca no palco esse instante antes da morte que revela algo sobre o que nem Levin pode escrever, mas que paira no palco quando mencionado pelos atores, ainda que não seja descrito, ou justamente por isso. Quando somem as palavras, paradoxalmente, a poesia se fortalece.

Hanoch Levin está doente. Mas nem o leito do hospital o distancia de uma realidade em que as pessoas passam suas vidas dividindo tudo entre o que é lucro e o que é prejuízo, contando dinheiro, lavando, passando, varrendo, e ignorando que há outros – outros seres humanos, outros rios, outros caminhos… Embora muito voltado pra dentro de si, ele não abandona a crítica a uma realidade em que a falta de sentido está dentro de cada pessoa, de cada conformismo, de cada vida desperdiçada sem querer, sem notar. E, ao mesmo tempo, está imposta pela guerra, pela espera na fila do açúcar, pelo medo, pela casa como único lugar seguro, lugar de posse, isolamento seguro.

Brasil, São Paulo, 2009

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Atrizes se encantam com Levin. Sua história, sua sensibilidade, sua contundência e seu lirismo. E encantam outros profissionais. E o Centro de Cultura Judaica e o Centro Cultural São Paulo e a Prefeitura de São Paulo e a Secretaria de Cultura da Cidade de São Paulo.

A montagem dá sinais, vários, de que procurou esse fio lírico sussurrado por Levin de sua cama de hospital. Mas não radicaliza. Dá sinal de possíveis absurdos líricos, brincadeira, leveza, mas não radicaliza. Então, toda a leveza de antes da morte, que poderia estar ali no palco lado a lado com horríveis tragédias, conta somente com a voz do ator, com intenção lírica, mas corpo naturalista, com vontade e brilho nos olhos, mas sem utilizar outras tantas formas para nos encantar também com aquilo que fez aquele olhar brilhar.

Então, quando um quadro fala e pensamos que vamos embarcar numa viagem maluca e encantadora… pé no freio. Então, quando uma mãe decide enterrar seu filho sozinha… pé no freio. Não sou contra a simplicidade, pelo contrário, mas limitar certas cenas à narração de um ator me fez implorar por outros elementos cênicos que me atirassem nesse universo.

Então, em 2009, não fui atirada a lugar nenhum. Continuei na cadeira da Sala Jardel Filho, enquanto atores caminhavam em um palco forrado de serragem (era serragem?), contando sonhos que não viviam e tragédias que não se tornavam exageradamente líricas. E o conflito – ainda vivido em Israel e ainda chegando aqui por meio de bombardeios de imagens e imagens de bombardeios – só me veio à mente quando li no programa da peça a nacionalidade do autor. Outra oportunidade perdida. Ou, uma escolha consciente de utilizar um tema atemporal sem relacioná-lo à realidade do tempo da montagem. Outra escolha do grupo que impediu que a peça me tocasse tanto quanto tocou aos moços de nomes estranhos que deram aqueles depoimentos listados antes do início desse texto.

Planeta Terra, Internet, pouco mais de 1 mês antes de eu assistir Réquiem no CCSP

Um vídeo com distanciamento cênico:

Um vídeo só um pouquinho dramático, em hebreu:

Agora uma versão acadêmica pretensamente neutra, em texto, de um site pretensamente noticioso:

Israel libera comboios com ajuda humanitária na Faixa de Gaza

Brasil, Incrível Mundo da Globo, diversos dias desde 26/01/2008.

Clique aqui e escolha seu trecho de história predileto.

3 personagens absurdos que seriam muito mais divertidos se estivessem brincando juntos em vez de intercalando falas

'1 comentário para “Réquiem”'
  1. […] Paulo a peça Réquiem, da Cia. Lazzo. A Juliene já havia publicado uma crítica do espetáculo AQUI. Abaixo, algumas fotos da […]

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