Rosa de Vidro

Críticas   |       |    22 de janeiro de 2008    |    19 comentários

Falta só uma partezinha do cérebro

Rose

Foto: Mônica M. R. Côrtes

Além de ser uma “banda de hardcore/crossover trash de São Paulo“, lobotomia, segundo a Wikipédia, é uma intervenção cirúrgica no cérebro para seccionar as vias que ligam os lobos frontais ao tálamo e outras vias frontais associadas, que, no passado, foi comumente utilizada em casos graves de esquizofrenia. Em outras palavras: o cérebro não tá legal, arranca uma partezinha pra ver se melhora. Utilizada principalmente para controlar depressão, também foi aplicada em crianças com mau comportamento (!) e para “queima de arquivo” – função esta muito comum nos EUA. Cabe acrescentar que o bondoso médico que desenvolveu a técnica recebeu, por ela, o Prêmio Nobel da Medicina (ai, quanta credibilidade merecem os prêmios! Por isso vamos criar o nosso).

Muitos passaram por esta cirurgia sutil e quase nada traumática ao longo da história (estimam-se 50.000 só nos EUA), até que a prática fosse finalmente abolida por conta de seus efeitos ditos “severos”. (Jura? Tirar uma parte do cérebro causa efeitos severos?). Uma destas pessoas azaradas foi Rose Williams (irmã Tennessee Williams), que, em 1943, deixou de ser uma garota extremamente sensível e cheia de problemas para se tornar um vegetal e, como tal, dar menos trabalho à mãe enérgica do que quando tinha crises e se comportava como “louca”. Ok. E o que é que têm o Tennesse Williams, a irmã dele e a mãe severa? Têm a peça Rosa de Vidro, que procura – mesclando a biografia do autor com seus textos – contar a história desta relação familiar conturbada de onde ele saiu. Em Amores Surdos, o grupo Espanca! nos convence de que “a família é o pó que está nos nossos cantos, nas nossas fissuras, como o pó que se acumula na esquina do chão, tão difícil de retirar (…)“. No caso de Tennesse, essa relação-prisão de que não conseguimos nos livrar fica bastante clara, tanto é que muitas peças do autor se baseiam em conflitos familiares semelhantes aos que viveu e em personagens com doenças mentais – como Rose.

rosa-de-vidro-4.jpg

A encenação em cartaz nos Satyros Um, no entanto, se contenta com a qualidade da história e pára por aí. Tudo é previsível e linear, inclusive (ou principalmente) as interpretações. Buscando construir fielmente o cenário de conflitos e tristeza, o grupo se esqueceu de buscar metáforas e nos entregou todos os significados de mão beijada. Ficamos sabendo, por exemplo, que a mãe de e Rose e Tom (Tom vem de Thomas, nome verdadeiro de Tennesse) era uma pessoa neurótica e limitadora por meio de intermináveis discussões gritadas e excessivas entre mãe e filho e, claro, porque a atriz se comporta o tempo todo como uma neurótica limitadora (sem qualquer conflito interno ou polifonia), ou seja, personificou a bruxa má da Branca de Neve.

Apesar disso, a cena em que Tom tenta trazer um amigo para jantar – atendendo às súplicas de sua mãe para que a ajude a encontrar um bom marido para a irmã – fica muito divertida, além de ser mais complexa do que o restante da montagem, porque nos mostra, num só tempo, dois conflitos. Primeiro, o conflito interno de Thomas, que não sabe muito bem se quer casar Jim com sua irmã ou se quer se casar ele próprio com Jim. Depois, a disparidade entre a falsidade classuda da mãe (típica da classe média decadente da época) e a naturalidade aventureira de Jim, que leva uma leveza completamente destoante do ambiente daquela casa.

rosa-037ajustada.jpg

Ao som de Somewhere Over The Rainbow (que… bem… já deu, né?), vemos uma personagem muito rica (que, na sua loucura, diz uma série de verdades) desperdiçada numa montagem padrão em que o único objeto resignificado é uma casinha de vidro colocada sobre a cabeça de Rose depois da cirurgia.

2 andares de uma casinha feita de vidro.

'19 comentários para “Rosa de Vidro”'
  1. Antonio Serpa disse:

    Em relação ao texto de Juliene sobre a peça ROSA DE VIDRO: Não é possível que tenhamos assistido ao mesmo espetáculo. Será que teve a curiosidade de ler o que já foi escrito sobre tal montagem? Conhece de fato Tenesse? Não me parece! Não há nada de óbvio nesse extraordinário espetáculo, dirigido lindamente po Ruy Cortez (já ouviu falar dele?) e magistralmente interpretado por quatro atores do maior gabarito. Já os conhecia?
    P.S. Qual sua formação, Juliene? Está de fato apta a escrever sobre TEATRO? O que sabe sobre lobotomia, além do que leu na internet?
    O espetáculo é um sucesso de crítica e público. Haverá sempre alguém desavisado pronto a destruir o que ainda resta de bom nesse país! Que pena Juliene!
    Cordialmente,
    Antonio Serpa

  2. Fabio Magalhães disse:

    Acho que este espetáculo foi muito, muito, muito superestimado. O ritmo é lento, as atuações são monocromáticas (a não ser a da mãe que, realmente, só grita o tempo todo, não tem nuances) e não têm uma curva, não têm o que nos prenda a elas. A montagem não tem aventura, não tem tesão, é extremamente previsível. Achei a crítica da Juliene muito sensata e corajosa. Porque ficar falando “a peça é sucesso de crítica e público” para justificar que seja boa ou não, relamente é coisa de quem NÃO entende de teatro, como parece ser o caso do Antonio.
    Parabéns Juliene! É de críticos autênticos assim que esse País precisa!

  3. Juli =) disse:

    Oi, Antônio. Vou tentar responder seu questionário, mas se puder, da próxima vez, mande um com múltipla escolha pra facilitar, tá?

    1. Sim, tive curiosidade de ler outros textos sobre a montagem, mas optei por não copiá-los. Alguns abaixo:

    Terra
    GuiaSP
    Alberto Guzik

    2. Não, não conheço de fato o Tennesse-Tom, porque ele morreu antes de eu nascer. Você conheceu?

    3. Não conhecia os atores de montagens anteriores, se fosse amiga deles teria assumido isso na crítica ou talvez nem a tivesse escrito.

    4. Forma-ção: alumínio, sem teflon, sem marca, 25cmX30cm.

    5. Aptidão, segundo a Wikipédia, “é um conceito central na teoria da evolução. Descreve a capacidade de um indivíduo de certo genótipo para reprodução, e usualmente é igual à proporção do gene do indivíduo para todos os genes da próxima geração. Se diferenças no genótipo individual afetam a aptidão, então as freqüências dos genótipos irão mudar ao longo das gerações; os genótipos com maior aptidão serão mais comuns. Esse processo é chamado de seleção natural” É isso que você quer saber se eu tenho?

    6. Nossa, estava justamente pensando na necessidade de fazer um curso de lobotomia urgente antes de continuar escrevendo sobre teatro. Você indicaria algum?

  4. Juli =) disse:

    Oi, Fábio,

    Agora que já respondi o questionário do Antônio sobre mim, vamos falar da peça.

    Concordo com você quanto ao ritmo lento, no entanto, há uma mudança (que não mencionei na crítica) quando Rose imagina que eles estão num lago, lembra? Nesse momento a peça acelera, mas dura pouco e ela logo se perde de novo.

    Já a questão dos personagens muito lineares, “sem curvas”, bem… isso foi realmente o que mais me incomodou, porque as pessoas em que se baseiam são tão ricas…

    Por outro lado, concordo, por exemplo, com o Guzik, que fala muito bem do texto do João Fábio Cabral: achei o texto suuuper bem embasado e também me emocionei com a história, mas me emocionaria da mesma forma se tivesse só lido a dramaturgia. Faltou transformar muita coisa em cena, em “aventura”, como você diz, em pulsação. É por isso que questiono por que não usar mais metáforas, não resignificar os objetos.

  5. Dri! disse:

    Ironia pouca é bobagem.
    rs

  6. Douglas Moura disse:

    Juliane, primeiro gostaria de saber se vc é jornalista . . . segundo acho que vc, estando a frente de um meio de comunicação e conseqüentemente de informação, não foi nada profissional, quando rechaçou a opinião do leitor Antonio Serpa. Um comunicólogo que se preze, deve sim ter seu direito de resposta, mas jamais de igual ou menor padrão que o leitor, já que o profissional aqui é vc. Ok, o seu texto foi crítico, baseado na sua analise. Até ai nada de errado. Vc errou na cordialidade, diplomacia, sociabilidade, gentileza, didática, No quesito ética não preciso nem falar . . . no tocante ao marketing, diante dessa atitude, vc só tem a perder . . . consulte sua assessoria querida, tenho certeza que eles vão te orientar melhor.
    Cordialmente
    Aurélio

  7. Juli disse:

    Oi, Douglas Aurélio Moura!

    Primeiramente, prazer, meu nome é JuliEne.

    Depois, acho que vc se confundiu. Ninguém nunca disse que a Bacante seria profissional ou seguiria a ética dos comunicólogos (que nunca funcionou muito, convenhamos). A gente tb não promete ser cordial, diplomático, sociável, gentil, nem, menos ainda, didático. Desculpe. Marketing? Assessoria? Oi?

  8. Lucas Julian disse:

    Realmente, as discussões sobre a peça dominam o debate!

    Assisti a peça duas vezes, uma na praça Roosevelt e outra no Centro Cultural São Paulo, confesso que a primeira vez me tocou mais que a segunda, mas minha análise foi mais crítica no CCSP.

    Quanto à opinião de JuliEne, discordo em vários pontos. Não vejo esses personagens como monocromáticos, em quantos momentos Tom não nos mostrou conflitos internos? Quantas vezes não pudemos ver como ele tentava exteriorizar esses conflitos numa casa ainda mais conflituosa?
    A atriz que interpretou no CCSP não foi a mesma dos Satyros, preferi a primeira, cuja foto aparece nesta página. A técnica dessa atriz é impressionante, os movimentos precisos e a respiração controlada dela são espantosamente profundas. E também não a considero a invocação teatral da “bruxa má da Branca de Neve”, primeiro porque nem é possível comparar uma peça realista com o filme do sr. Disney, depois porque ela mostra, como Juliene mesmo disse, uma falsidade classuda que se difere bastante da rava enérgica com que ela trata oos filhos esporadicamente, além de, após o jantar, mostrar decepcção e ironia de forma deslubrante.
    Ou o ator que interpretou Jim é fantástico ou nasceu para representar esse papel, a precisão de seus movimentos e maneira como fala o texto naturalmente é belíssima, convence até o mais severo crítico. Ele desempenha bem o papel de última esperança da família.
    Disseram-me que Rose, nessa montagem, é uma persongem interpretada por uma menina de dezoito anos. Ela transmite todo o sentimento de incompreensão dentro daquela casa, nos toca e dá uma base fantástica para a personagem da mãe ser enxergada ou como louca, frenética e deseperada; como mulher de pulso firme que guia uma casa sem homem que a arrime e até mesmo como alguém que projeta suas frustações nos próprios filhos.

    As metáforas, tão escassas na visão de Juliene, para mim, estavam presentes no cenário. A mala que ficou no canto direito do palco durante toda a peça, trazida por Tom logo no início, é a imagem de alguém que está num lugar pensando em outro, procurando uma maneira para fugir e com a mente toda fora dos cômodos tristes e escuros do apartamento onde mora essa família tão infeliz.
    O objetivo do grande tecido estendido por quase todo o palco e as mudanças dele durante a peça, aliadas com a mesma estampa na meia das personagens, não se fez muito claros para mim, mas com certeza tem uma base e um motivo para estar lá.

    Em relação à cena do jantar e do sonho, espetacular.
    A frequência da peça, lenta e sofrida, sofreu uma quebra com o entrar de Jim nas dependências da morada da família, a alegria pareceu brotar e o desespero da mãe em mostrar as qualidades de Rose deu margem até às ridasas do público. Quando o sonho começa – num congelamente sutil e certeiro de Tom e Jim – a frequência é novamente quebrada para algo mais sublime, surreal.

    A transição desse momento para o fim da peça é a chave da comoção que ela causa em várias pessoas que a assistem, um trabalho muito bem produzido, dirigido, concebido e ensaiado.

    Parabéns a quem participou de sua idealização e concepção!
    Críticas negativas são inevitáveis, todos um dia sofrem com uma outra bacante que não sabe nem que é Dionísio. (vai, Juliene, dizes-me o que está escrito na wikipédia sobre ele)

  9. Juli =) disse:

    Aí vai, Lucas! E obrigada por deixar suas impressões.

    “Dioniso, Diónisos ou Dionísio (do grego Διώνυσος ou Διόνυσος) era o deus grego equivalente ao deus romano Baco, das festas, do vinho, do lazer e do prazer. Filho de Zeus e da princesa Semele, foi o único deus filho de uma mortal.

    (…)

    De tão alegre, Dionísio fez com que todos os presentes brindassem com suas taças, e ao som do brinde pôde ser ouvido por todos os campos daquela região. A parti daí, Dionísio passou a abençoar e a proteger todo aquele que produzisse bebida tão divinal, sendo adorado como deus do vinho e da alegria.”

  10. Anita disse:

    Fico realmente feliz em saber que o teatro está abrindo espaços para discussão. Mas esse tom do Antônio dizendo “você sabe quem é?” me deixa preocupada… parece-me parecido com “você sabe com quem está falando?”. Que pena que essa expressão ridícula ainda seja usada como forma de defesa.
    Sabe, Antônio, você não precisa defender a peça ou a equipe responsável por ela. Bem ou mal, o espetáculo deu o que falar e está aí, seguindo o seu caminho.

  11. Anita disse:

    E parabéns à Juliane por divulgá-la!

  12. Anita disse:

    ops, JuliEne! Parabéns Juli, mandou bem!

  13. […] em O Zoológico…, vale a pena principalmente para quem viu Rosa de Vidro no ano passado, que passou pelos Satyros e pelo CCSP. Foi uma delicada e sensibilíssima direção […]

  14. keven disse:

    eu so queria seber mais sobri LOBOTOMIA.
    pq tem guenti q fala q LOBOTOMIA é o estudu dos Bolos e tem guenti q fala naum sabi diz ou naum conhese essa palavra ;D

  15. Juli =) disse:

    Keven,

    Não sou especialista em lobotomia, não. Mas, se eu fosse você, investiria nessa versão do estudo dos BOLOS, parece muito promissora.

    Boa sorte!

    Beijos,
    Juli =)

  16. […] Aproveitando o primeiro-pós-post, publico as fotos da peça Rosa de Vidro, da Cia. da Memória, que já teve temporada em São Paulo nos Satyros e crítica da Juliene Codognotto. […]

  17. danielle disse:

    concordo com o primeiro post…nao é possivel que tenhamos visto a mesma peça! caso tenho acontecido isto, devo dizer: vá mais uma vez, menos desarmada, leia sobre o teneesse, e muito, antes. leia a margem da vida tambem, caso nao tenha lido, e seja menos pretenciosa a ponto de deixar descentrar-se de si mesma…

  18. Juli =) disse:

    Oi, Danielle.

    Acredito que vimos a mesma peça, mas de modo diferente, o que é muito comum e rico, na minha opinião.

    Te juro que não fui armada à peça. E talvez, a leitura de A Margem da Vida fosse justamente uma maneira de já ir armada, cheia de expectativas. Eu não fui. Fui com neutralidade. Talvez assisir aulas teóricas sobre o Tenesse me fizesse pensar a montagem de outras maneiras, por outros viezes, mas a análise acima foi o viez que me ocorreu e, se quiser, podemos falar ponto a ponto. Mas me mandar ler antes de ver a peça é um argumento muito contraditório – a peça precisa valer por si, sem leituras-prévias-obrigatórias, sem que eu precisa me armar antes de ir ao teatro. Não estou prestando vestibular sobre as obras de Machado de Assis.

  19. NILLL AMARAL disse:

    Rosa de Vidro, inspirado em ZOOLOGICO DE VIDRO é uma peça lindissima. Me parece que o uso das meias(combinando com a testura dos tecidos usados no cenario) nas duas personagens, significaram que, ambas estavam condenadas a permanecer naquele ambiente insalubre, e que os demais persng.teriam suas vidas continuadas fora dali.

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