O Santo Guerreiro e o Herói Desajustado
Acorda povo, vem cirandar ou Eu faço chover
Leia também a crÃtica de FabrÃcio Muriana para este espetáculo.
Sexta-feira. Sabe aquele dia em que você tá com o sono e o trabalho acumulados da semana toda? Aquele dia em que você já sabe desde que saiu da sua casa que vai enfrentar um puta trânsito pra voltar? Então, é no meio de um destes dias que a companhia São Jorge convida os passantes da praça da República e, claro, seus moradores, pra cirandar (eles também estão lá nos finais de semana, mas disso o FabrÃcio já falou).
Bem, eu fui cirandar. De novo. Com Dom Quixote e São Jorge juntos, pra notar o quanto são complementares esses dois rapazes. Veja bem, São Jorge não está nessa história só porque é nome da companhia, né?! Até poderia, mas não. Na sutileza da música: “eu sou Quixote, sonhador, São Jorge guerreiro eu sou”, o grupo delineia um perfil muito tÃpico, construindo uma linda metáfora em que a doçura e a esperança infinitas do fidalgo que enlouquece de tanto ler se misturam com a força e a coragem de São Jorge resultando no paulistano. Assim, os sonhadores também são guerreiros, que sonham, mas não se conformam. Têm suas ilusões, sim, mas administram-nas lado a lado com a luta cotidiana.
E, se a intenção é regar a luta cotidiana com esperança, nada melhor que uma praça no centro de São Paulo, cheia até a boca de cotidianos que precisam muito dessas ilusões quixotescas (no melhor dos sentidos). Numa linda cena os gigantes que atacam Dom Quixote (lembra? Aqueles que por conta do mundo estar enfeitiçado, só Dom Quixote vê como gigantes, os outros vêem como simples moinhos) promovem um “bailinho” ao som de O Mundo é um Moinho, do Cartola. Neste momento, um morador de rua que passeava por ali, soltando vários “filho da puta” e mancando por ter um dos pés torto foi tirado pra dançar e deu um show de rebolado. Emocionante. Mais emocionante do que ele só um garoto que, de cima da árvore, com a cabeça coberta com um papelão, observava tudo caladão, meio tristonho. Enquanto todos sorriam, parecia que nele a arte e a alegria que ela semeava não conseguiam tocar. Foi quando um dos atores em uma perna de pau subiu na mureta e deu três tapinhas no papelão que cobria a cabeça do garoto, que riu. Ele riu. E pronto.
Não tinha tanta gente quanto no final de semana, não tinha uma Dulcinéia-moradora-de-rua-atriz-contratada, mas perdi a conta de quantos comentários eu ouvi de pessoas que tiveram que abandonar o espetáculo para voltar pra labuta e reencontrar, cada um, sua própria Dulcinéia-São-Paulo (no trabalho, na caminhada, no assalto na esquina, no trânsito, no coco de cachorro, na garoa). Um deles, aliás, chegou a dizer: “vale até tomar chuva!”, antes de ir pro seu escritório coberto. Sim, chuva. Afinal, depois que eu cheguei veio a garoa. Caros, isto é um aviso: se você faz uma peça de rua ou que tenha algum trecho que aconteça ao ar livre, não me chame! Eu faço chover. E nem é por maldade.
5 gotas na testa
PS: Cada apresentação de O Santo Guerreiro e o Herói Desajustado conta com a participação de um grupo paulistano de música ou teatro. Justamente neste dia, quem esteve lá cantando e tocando foi o pessoal do Ventoforte, que está em cartaz com A Casa do Gaspar ou Kaspar Hauser, o Órfão da Europa, peça para onde eu também já levei chuva. Não digam que eu não avisei…
								 								 
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