Tempo.Depois

Críticas   |       |    16 de julho de 2007    |    0 comentários

Experimental-pop-ritmado

Fotos: Calixto

A última peça que assisti no FIT (Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto) foi Tempo.Depois. Não sem alguma dificuldade, já que na porta se encontravam muitos outros bacantes que ansiavam assistir a montagem carioca. Mal sabíamos o quanto realmente devíamos ansiar.


Lembro-me bem de ter dito que uma peça ruim, àquela altura, seria fatal. Eu dormiria, certamente. Entrei quase por último e me sentei já no chão muito próximo de um canto da tal sala de espera de psicanálise montada especialmente para o espetáculo. Tudo era estranhamente naturalista demais quando comparado com o que tínhamos visto até aquele momento no festival, muito embora o espaço não fosse nada tradicional; fomos desde o princípio mais cúmplices por conta da disposição da platéia escolhida pela direção. E eu fui ainda mais.

A seqüência inicial de diálogos nos carrega para um caminho confortável. É relativamente fácil conectar as cenas e fazer da peça linear o suficiente e descritiva na medida para ser quase didática. Todos os elementos de cenário, o figurino, a trilha e a iluminação nos levam para esta construção e há uma interação mínima com a platéia que nos faz participantes daquela atmosfera fadada ao limite do realismo (cabe o comentário que fui co-partícipe das cenas, recebendo primeiro café, depois água e por último bombons, que aceitei muito agradecido, já que a fome me batia também naquele momento). Assim como em O Estrangeiro de Albert Camus, essa primeira parte da peça é a base da desconstrução da segunda parte, mas o fim dessa primeira parte é difinido por uma estranheza, algo que não cabe naquele espetáculo: um terceiro personagem que atravessa a história, desfazendo a própria idéia de história. Depois fui descobrir que esse personagem é trocado em cada uma das apresentações e que, no caso do FIT, eles convidaram atores de outros espetáculos do festival para participar. Imaginem a minha surpresa quando, tendo acabado de ver Lesados, um dos atores da montagem, ainda caracterizado como personagem, entra no palco de outra peça.

Daí pra frente, os diálogos são um deleite de dramaturgia. Tudo que antes fora real, linear, descritivo, agora vai ser invertido, revirado, liqüidificado e clama para que vejamos a falsidade inicial de onde o texto parte. Como na abertura da caixa azul de Cidade dos Sonhos, o mundo onírico e do improvável é revelado desconstruindo-se boa parte da história que havia sido apresentada. Sabe quando a gente não entende nada de uma peça, porque não temos qualquer referencial da história? Pois é, nessa peça eles entregam um baita referencial para que possamos não entender nada de uma forma muito mais plena. Ou seja, a parte dois retira do texto a coerência que a parte um nos levou a procurar.

Nessa quebra, revela-se o apuro na confecção de diálogos, a extrema sutileza da direção ao lidar com uma dupla de atriz e ator-autor com ritmo incrível; e o nível de detalhamento da pesquisa no uso dos outros elementos cênicos, quando percebemos que a trilha passa a ser uma sobreposição de músicas, a cenografia deixa de ser cotidiana e assume o nonsense de todo o resto do espetáculo. Somente a iluminação não segue caminhos mais diversos, mas fica como elemento que nos remete àquela primeira parte linear, quase didática.

Considero que o que vi é uma experimentação de alto grau de risco, encampada por um grupo que se entregou totalmente à pesquisa e que, por mais que já tenha feito temporada no Rio de Janeiro, foi a maior revelação que encontrei no FIT.

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