Trilogia Brasileira
Ajude o crÃtico a chegar à cotação
Fotos: Debora 70/ Divulgação
Regras:
1) Se você quiser seguir o Homem-choque, leia somente o que está em verde.
2) Se você quiser seguir o Homem-dinheiro, leia somente o que está em azul.
3) Se você quiser seguir o Homemúsica, leia somente o que está em rosinha.
4) Se você quiser ler o que o próprio Melamed tem a dizer, leia o que está em vermelho e acesse o site dele (OPÇÃO MAIS INDICADA!)
5) Se você não tem paciência pra passatempos, leia na ordem normal. Mas você corre o risco de não entender bulhufas! Ainda mais se for daltônico.
Discurso sobre o vômito. (por Juliene Codognotto)
Quer pagar quanto? (por MaurÃcio Alcântara)
“Como era no princÃpio, agora e sempre…” (por FabrÃcio Muriana)
Regurgitofagia.
Onde tudo começa.
E termina.
E recomeça.
Se fizéssemos o caminho inverso, assistindo primeiro Homemúsica, depois Dinheiro Grátis e por fim Regurgitofagia, terÃamos a sensação de uma caminho na direção de um manifesto. Mas na ordem cronológica, compreendemos só em Homemúsica de onde Melamed parte pra quebrar tudo, quando sobe no palco. Segundo fontes mal informadas, Melamed é poeta revelado no Cep 20000, evento carioca quem tem à sua frente Chacal e outros poetas. O repertório apresentado em Homemúsica é o do poeta que tem sua banda.
O interessante é justamente isso, que o primeiro espetáculo pode ser o começo ou o fim da Triologia Brasileira de Michel Melamed. Ou ainda o resumo. Nas palavras (escritas e ditas) dele: Regurgitar = expelir, fazer sair (o que em uma cavidade está em excesso, principalmente no estômago) + Fagia = comer.
Regurgitar: expelir, fazer sair (o que em uma cavidade está em excesso, principalmente do estômago).
Fagia: comer.
Oswald de Andrade, no Manifesto Antropófago de 1928, aludia à deglutição do Bispo Sardinha pelos Ãndios antropófagos, para propor que, inspirados neles, deglutÃssemos as vanguardas européias a fim de criarmos uma arte genuinamente brasileira.
E hoje? Continuamos a ‘deglutir vanguardas’ ou tem-nos sido empurrada goela abaixo toda a sorte de informações? Conceitos? Produtos?
Em suma, o que fazer com a impossibilidade de assimilação, o estado de aceleração, a sÃndrome do excesso de informação (dataholics), os milhões de estÃmulos visuais, auditivos, diários, que crescem em ritmo diametralmente oposto a reflexão?
REGURGITOFAGIA : ‘vomitar’ os excessos a fim de avaliarmos o que de fato queremos redeglutir. A ‘descoisificação’ do homem através da consciência crÃtica, a ‘ignorância programada’, como quando como quanto quero: “extra! extra! a mÃdia acabou! a mÃdia acabou!” pra você que não desapareceu em 68 só porque não era nascido: (…).
Assistir a um espetáculo pela segunda vez pressupõe rever uma mesma performance para obter mais impressões (ou, para os nostálgicos, captar novamente as mesmas impressões). No caso de Dinheiro Grátis, minha segunda experiência – desta vez no palco italiano improvisado no SESC Santana e não no Tucarena – me garantiu novas visões, mas quase nenhuma dizia respeito ao espetáculo em si. A arena de araque preparada para aquela única apresentação interferiu muito, inclusive na cenografia: em vez de uma trincheira de arames farpados, uma cerquinha mais vagabunda do que aquela que separava as fazendas dos Mezenga e dos Berdinazzi na novela. Simplesmente não tinha espaço pra mais do que isso, porque as arquibancadas instaladas no palco – desconfortáveis à la Oficina – já se espremiam praticamente dentro da cena.
Bem, o manifesto deste moço (eu poderia dizer ator, autor, diretor, poeta, músico, apresentador… mas aà fiquei na dúvida e vou usar moço). Retomando, o manifesto pode parecer nojento se você levar ao pé da letra, né? Tipo “comer o próprio vômito”. Mas a proposta vem carregada de uma ingenuidade necessária pra se propor algo neste mundo doido, pra se rever os modernistas e dizer: pô! Os caras eram bem intencionados e queriam fazer arte com cara de Brasil – mestiça – mas se a gente continuar naquelas de antropofagia em tempos de overdose de informação e de referências externas – e, conseqüentemente, tempos de um monte porcaria – a gente vai continuar se fudendo. Enfim, propor um movimento novo e relativamente simples: se não dá pra escolher o que ingerir porque nos enfiam güelabaixo, então a gente vomita o excesso, seleciona e vê o que vale a pena engolir mesmo e o que é melhor deixar pra lá.
Multi – o prefixo o define, só não sei o que colocar depois. Multi o quê? Não sei. Só multi.
O personagem criado em Homemúsica, Helicóptero, de tão multi, não cabe nos meios de comunicação, muito embora queira fazer parte deles. Entra no ar no Show do Estupra e fode com os televisores da nação. Confusão entre pessoa, personagem e autor, a história de helicóptero é ao mesmo tempo metáfora da pequenez de nossa TV e do tamanho de alguns artistas que se revelam nos palcos do Brasil. Melamed expõe, com um Estupra estereotipado, o ridÃculo destes programas de TV que espetacularizam a miséria sob a máscara de agentes sociais. A qualquer momento, imaginei Melamed colocando um caco de que o apresentador estava preocupado em trazer alegria para o povo brasileiro. Ele não falou, mas nem precisava.
Um ser que se comunica com música, com vÃdeo, com gestos, com poema e poesia, com choques – quer jeito melhor de sentir na pele a reação do público distante de lá do alto do palco italiano?
Não estou dizendo que não se possa adaptar um palco italiano, mas que é preciso um cuidado mÃnimo. Na unidade Pinheiros (da qual o SESC Santana parece ser uma réplica reduzida e menos bem-resolvida), por exemplo, durante a apresentação de Gaivota e Ensaio.Hamlet – ambas dirigidas por Enrique Diaz, – a adaptação deu certo. Lá, o espaço era abundante. Aqui, toda vez que eu tentava encostar, eu quase derrubava o Bill Gates que sorria em um painel atrás de mim. Foi mal, Bill. Nada pessoal.
Sim, no primeiro espetáculo, o malucão está conectado a fios de eletricidade (nas canelas e nos pulsos) Então, os sons da platéia são captados e transformados em descargas elétricas por um mecanismo criativamente denominado “pau-de-arara”. Portanto, em meio à poesia e à s piadas, muitos “ais”.
De que desculpa precisamos pra fazer poesia? É a pergunta que fica depois de Homemúsica, terceiro espetáculo da trilogia brasileira de Michel Melamed. Neste, não há choques, não há dinheiro queimado, a participação do público é muito menor e o mais inesperado: Melamed cria um personagem. Ok, é um personagem beeeem pouco personagem, mas ainda é. Helicóptero é seu nome e sua história é daquelas bem manjadas do cinema: começa o filme e falam pra você o que vai acontecer no final. Chega o final e, vejam só, é aquilo mesmo.
Melamed ri de tudo. Faz rir de tudo. Da TV, da importação da nossa identidade nacional, do romantismo ridÃculo, da hipocrisia, das ameaças de crise ambiental. Um exemplo claro de que o riso pode comunicar muito e de que no teatro e na comicidade há muitas possibilidades, que inclusive são mais exploradas ali no palco com o moço do que no pinto na boca dos atores da Rede Bobo. (Falo da p-a-l-a-v-r-a “pinto”, referência aos palavrões fáceis. Favor não entender mal).
Não faltam “Toca Raul” e outros clichês, mas o que espanta é sempre o furor nas falas e a pungência da crÃtica de Melamed à Sociedade Brasileira (ou seja lá o que for dela que freqüenta teatros). Uma bandeira verde amarela com o sÃmbolo da suástica no centro nos instiga a pensar o que sobra da nação brasileira.
Tudo isso até seria relevável, não fosse o maior erro (pra ser fino e não dizer a maior cagada): colocaram a platéia no palco e se esqueceram de que o som tava virado pro lado errado. Afinal, pra quê som? Se os gregos não precisavam, pra que a gente precisa, não é mesmo? Resultado: só quem se sentou na platéia-platéia, e não na platéia-arquibancada, ouviu o que Melamed falava ao microfone. Os demais, tiveram de se contentar com o som defasado que ecoava na platéia aveludada quase vazia, e com os raros momentos em que Melamed falava virado de frente.
Fora os problemas técnicos em Dinheiro Grátis, a peça rolou tudo bem, né? Hum… mais ou menos. Na montagem, Melamed propõe leilões e negociações com a platéia, vendendo poesias, declarações, direito a fumar em cena, e comprando danças, masturbações e outras estripulias. A idéia era provar que hoje em dia tudo é mensurável por meio de cifrões, e questionar o fato da vida contemporânea ser inteiramente – e cada vez mais – mediada por relações de compra. Nestes momentos, a participação da platéia é importantÃssima para que o jogo funcione. Esta, no entanto, não se comportou – e duvido que ganhe presente do velhinho barbudo no fim do mês (e eu não estou mais me referindo ao Teatro Oficina). Algumas pessoas conversavam o tempo todo e pior: havia gente mais interessada em aparecer do que em interagir, gente que se sentava na primeira fileira pra “roubar a cena” – intenção que uma dessas pessoas confessou ao colega, em tom de conquista, enquanto esperava o começo da peça do dia seguinte. (Rá! A Bacante ouviu!) Portanto, suponho – e isso é um achismo assumido – que tenha sido por isso que as interações foram menos profundas e algumas propostas tenham até mesmo sido suprimidas (lembro-me de uma negociação em que as pessoas da platéia diziam quanto cobrariam para tomar um golinho de xixi e comer uma colheradinha de cocô – o que, pra mim, era o melhor exemplo de mercantilização robotizada de qualquer coisa). Uma pena.
Como quem chama os amigos pra um show, ou prum sarau, ou até um papo de poesia, Melamed inventa uma desculpa a mais pra continuar atirando contra a letargia e a inércia de quem produz e consome cultura no Brasil.
Ignorando irresponsabilidades técnicas e babaquice de fãs, sobra um ator realizando em uma espécie de stand-up comedy trágica, jogando na cara de todas as pessoas leituras incrivelmente perturbadoras de nossa “rotina cotidiana de todos os dias”. Tais textos pungentes, ora poéticos, ora cômicos (ora poéticos e cômicos, por que não?), ditos por um performer no tempo exato, com pausas milimétricas, e velocidades de reação surpreendentes não foram suficientes para salvar uma única apresentação.
Ao mesmo tempo, ele é também um exemplo de que o sistema autodestrutivo que criamos (este capitalismo-dinheirismo-mercadismo-financeirismo-pós-moderno) engole tudo, inclusive as crÃticas mais criativas: Melamed zoa a TV, mas está nela; faz Dinheiro Grátis cobrando entrada, fala do Rio de Janeiro coberto de neve, da Sibéria a 40 graus, mas gasta energia elétrica no próprio corpo; critica as celebridades, mas tem pelo menos três comunidades pra ele no orkut, entre elas: “eu daria para o Michel Melamed”, com 107 membros até o momento.
Alguns dirão que o fato de eu ter pago R$ 2,50 por meu ingresso de comerciário desta vez, e R$ 20,00 por ingresso de estudante no passado, dite a diferença entre o Tucarena e o Sesc. Tenho certeza absoluta de que não, até porque o público acaba sendo o mesmo (inclusive os fãs chatos dele). Então a pergunta que fica é: quanto custaria uma apresentação de um espetáculo tão aberto ao diálogo, mas sem tantas interferências negativas? Quanto você, leitor, pagaria?
Menos impactante que as anteriores, por centrar na história de Helicóptero, Homemúsica nos leva mais pro inÃcio do que pro final da trilogia. VerÃamos do avesso, com problemas de áudio e superando as distâncias se fosse o caso. PagarÃamos pra ver. Pois não há quem possa pensar em qualquer coisa que, na sequência, leve o adjetivo contemporâneo, sem conhecer a obra (e aqui serve todo tipo de obrar) de Michel Melamed.
5 colheradas de vômito.
3/4 de platéia sem ouvir.
1 Helicóptero caÃdo.
Eu entendi tudo. Aliás, só vendo as três juntas para entender. Por sou eu, que tenho que escrever só sobre o helicóptero derrubado…Eu tento ser crÃtico zelig assim há algum tempo, mas vcs me superam, garotos.
Erramos: onde se lê por, leia-se pior. Se não quiser, por p vc.
resenha com cara de… re-corte cultural! heheheheh! cool!
achei o formato tudo de bom. não sou de fazer comentários elogiosos, mas este tá valendo mesmo. bacana.
beijos
Daniele Avila