Próximo Ato 2008

Especial   |       |    11 de novembro de 2008    |    1 comentários

O texto que segue é um mosaico de leituras do que foi Próximo Ato, encontro com representantes de todo o Brasil para discutir o teatro de grupo, que aconteceu no Itaú Cultural entre os dias 04 e 09 de novembro de 2008. Se você também acompanhou o evento, mande o seu depoimento ou pitaco. As cores representam edições feitas pelos autores nos textos alheios. E não estranhe se você acessar duas vezes e o texto tiver sido alterado. A idéia é que a coisa vá se modificando mesmo, na medida em que haja interferência do público.

Fabrício Muriana

Meu único dia de Próximo Ato foi o da apresentação, o primeiro. Jesus! Que coisa mais estranha. Um evento nacional pra trocar experiências e investigar de forma compartilhada o teatro de grupo no Brasil – expressão que eu quase me vejo forçado a colocar em letras maiúsculas, de tão institucionalizada – que tem sua abertura numa sala pra 75 pessoas. É óbvio que não coube todo mundo. A surpresa legal foi a publicação que dá conta da experiência dos 5 primeiros anos do Próximo Ato e de graça! (Para ter direito ao meu exemplar só tive que ir até aquela instituição bancár… ops, aquele centro cultural feito pra você, da avenida Paulista).

Ok, vamos desarmar. Os temas apresentados eram, pra dizer pouco, muito entusiasmantes. A precariedade como constância no trabalho de grupo do Brasil, a dimensão utópica desse teatro e, sobretudo, a timidez formal, dariam pano pra mangas diversas. Dava, sem dúvida, pra sair uma montagem para cada um desses temas. Ok, só seria visto pelo povo do teatro, mas o que não é visto só pelo povo do teatro não é mesmo minha gente?

A vontade de participar era muuuito grande, naquele momento pós apresentação. Eu era infiltrado, estava lá representando o meu grupo e, é claro, pensando no que relataria pra Bacante. Mas pelo horário, não participei dos Open Spaces (o que, pelos relatos, pareceu ser o que de mais interessante aconteceu no Próximo Ato). Mas isso tudo não me impede de concluir que houve diversos mecanismos que fecharam o encontro pra poucos, ao invés de abrir para muitos. Primeiro que era necessário fazer parte de um grupo e, se você veio de outros estados, tinha de ser curado. Nem todos que aqui estão escrevendo fazem parte de um grupo, o que não quer dizer que estejamos impossibilitados de pensar e propor idéias. Fora isso, palestras da noite foram feitas numa sala que definitivamente não dava conta do público. Tentei ir mais dois dias e não pude, pois não tinha chegado uma hora antes. Catzo! Faz numa sala que receba todo mundo.

O champagne e os quitutes do primeiro dia est{ao aprovados, por mais que eu esperasse mais do maior banco do hemisfério sul. Mas vamos tratar só do teatro, que os grupos já têm problemas suficientes a discutir. Próximo texto.

Paulo Bio Toledo

Pouco posso falar sobre o evento, pois participei de apenas uma manhã de discussão. E pouco posso dizer sobre a proposta do Próximo Ato, da qual conheço muito pouco.

Mas levanto alguns pontos; como um estrangeiro de olhar distante, tentando se abster de suas convicções particulares.

Nas manhãs da semana em questão, utilizou-se do formato Open Espace (Space) (algo assim), o que possibilitou níveis de discussão bastante diversificados e diferentes dos lugares-comuns de sempre. Entretanto, na manhã de quinta-feira em que estive presente, na sala onde o tema proposto foi “as relações entre o teatro e a sociedade”, muitas coisas chamaram a atenção. Uma delas foi uma percepção da complexidade em que se encontra o que chamamos teatro: por sua própria apreensão, enquanto conceito, ser absolutamente subjetiva e pelo nível de disparidade entre as idéias apresentadas no debate – o que tenderia ao positivo, mas que, em verdade, evidenciou um abismo imenso de comunicação comum entre essa nossa “categoria teatral”. Concretamente, a mesa esbarrou em dois impasses centrais: o primeiro a respeito da relação entre teatro e sociedade ter de ser uma preocupação “nossa” (enquanto artistas) ou da sociedade (caímos aqui, como já devem imaginar, nas discussões sobre formação de público); e o segundo acerca da própria conceituação de essência nem do teatro, mas da arte: de um lado a defesa da arte por seu contato humano, universal, etc. e, de outro, o olhar sobre a arte como manifestação de seu tempo, de sua história e, portanto, fruto de suas contradições.

O que concluo sobre isso, é a constatação de algo que já é cotidianamente visível: a ausência de um entendimento do teatro enquanto meio artístico (ou linguagem) de parâmetros claros ou inteligíveis; o que, por sua vez, leva a uma “quase” impossibilidade de diálogo profícuo. Por mais viva que tenha sido a discussão e a forma da mesma, a impressão que me suscitou foi a do pneu girando desesperadamente sobre si mesmo, enquanto um mar de lama não o deixa realizar efetivamente sua potência rotatória.

Atolados em nós mesmos. Quase como se o que nós fazemos, embora todos demos o nome de teatro, esteja longe de ser a mesma coisa.

Talvez…

(lá fora chovia…)

Luzimara Azevedo

Sim.Também estive na mesma manhã cinzenta do segundo dia Espaço Aberto do Próximo Ato, na discussão: Troca de processos entre os grupos e crítica entre os mesmos. Estavam na roda uns vinte grupos, de vários estados, todos com um interesse comum: compartilhar seus processos de criação – um grupo no espaço do outro, ensaiando junto, trocando procedimentos, formas, reflexões… conhecendo de fato o trabalho do outro, e não apenas o resultado final (as peças). Isso resultaria, além da troca, em: 1. uma maior articulação política – posto que essa abertura de processos criaria naturalmente (digamos) uma rede política entre os grupos; 2. a crítica, que poderia ser feita pelos próprios grupos, a partir desse compartilhamento, uma crítica que abarque o todo – o processo e o resultado, feita por alguém que acompanhou esse todo. Pensou-se em um ponto de partida para a concretização desse compartilhamento: um blog, em que os grupos colocariam o que estão pesquisando e que estão abertos para dialogarem com outros. (vão usar o próprio blog do Próximo Ato, se não resolveram criar um outro). E que autonomia terá esse blog se for institucionalizado dessa forma?

Isto, foi dito. Entre tudo isso ficam soando uns ruídos, inquietações. Até que ponto esse desejo de compartilhamento de processos é verdadeiro, já que esses grupos são, de certo modo, concorrentes – cada um com seu modo de criação, de produção, alguns até fetichizados. – Não sei. Estou olhando sob o ponto de vista da mercadoria. Há outros. Todos os grupos ali eram de pesquisa (?) e contavam seus processos – seu ponto de vista sob o que você mesmo faz.

No dia seguinte, retomou-se a discussão, fez-se uma avaliação sobre o Próximo Ato, a curadoria, os encontros, os debates, os mini-cursos, aliás, participei de um: com a Erika Fischer-Lichte – “O que acontece no entremeio – Teatro como liminar: Co-presença corporal de atores e espectadores – a encenação como interação” (tinha esse nome grande mesmo, me arrisquei e fui). Em poucas palavras/símbolos, o que posso dizer é: ?!…?! (já que qualquer reação/relação do público é válida).

Longe de concluir algo, ainda restam muitos ruídos sobre o que foi dito.

Ana Luiza Fortes

(…) Prazer, Ana Luiza, representante do teatro de grupo catarinense.

Tá, sinceramente, não sou representante de nada, sou só uma pessoa que faz teatro em Santa Catarina e está começando a fazer parte de um grupo de teatro ou algo próximo disso. A verdade, é que esse “título” me sobrou. Ninguém mais do Estado, que estava no Próximo Ato de Porto Alegre podia ir e bom, eu acabei indo. Meu diretor falou: Ana, não se preocupa, não é uma coisa tanto de representação, é mais para estar lá presente. Mas tinha algo de representação, sim. Um peso de ter que participar de tudo, afinal eu estava sendo bancada etc.

Agora, supostamente tenho que escrever um relatório para o meu Estado. É difícil escrever um relatório que seja representativo para um Estado, a minha experiência foi muito pessoal e não sei até que ponto consigo universalizar (ou regionalizar) isso.

De qualquer forma, o que posso comentar genericamente é o seguinte: o Próximo Ato é uma iniciativa bem interessante. Com algumas contradições evidentes que todo mundo fazia questão de ressaltar o tempo inteiro: o fato de ser patrocinado por um banco privado e querer discutir um “modo de produção” teatral alternativo e o fato de pretender discutir estética contemporânea quando, na prática, os grupos queriam discutir, sei lá, políticas públicas, acho. Até certo ponto, é compreensível que um grupo de pessoas que fazem teatro em lugares onde não existe quase a noção de políticas culturais, sinta essa necessidade (incluo Santa Catarina como um desses lugares). Mas senti falta de saber mais sobre o teatro que os grupos fazem, o que os move e quais são os processos que utilizam. Quando se falava algo nessa direção, era de forma meio vaga: [exemplo fictício] A gente faz um teatro performático, com referências a Glauber Rocha. Ponto. O espaço aberto que participei no segundo dia colocou essa questão, foi bom para tentar abrir um espaço mais concreto para a troca de processos no próximo Próximo Ato. Ainda assim, acho que dava para discutir algo nesse sentido simplesmente pelo fato de estarmos lá, mas as pessoas parecem ter pudor em discutir estéticas e poéticas. Talvez esteja aí o cerne da questão sobre a timidez formal, levantada pelos curadores como ponto de partida para o encontro desse ano.

A parte disso, algumas palestras foram muito boas, especialmente as da professora mexicana Ileana Diéguez e do Ismail Xavier, professor de cinema da USP.

Ileana comentou sobre a teatralidade no cotidiano, a partir de experiências na América latina e o Ismail Xavier sobre o que há de teatro no cinema de Glauber Rocha, pensando principalmente nas relações entre espaço aberto (natural) e espaço construído (cena).

Prometo tentar comentar de forma menos vaga ao longo da semana, já que o texto não tem fim. (…)

Juliene Codognotto

Estive no primeiro dia do Espaço Aberto de discussões. Cheguei no meio da apresentação das regras. Maria nos explicava que temos dois pés e que, com eles, poderíamos nos dirigir ao que realmente nos interessasse, sem ficar – por obrigação – em discussões improdutivas. Essa eu considero a vantagem número 1 do formato escolhido. Perdi as contas das muitas mesas redondas / palestras / debates no Sesc, no Itaú Cultural etc, em que eu fiquei pensando na lista de compras do supermercado ou em quantas críticas a Bacante teria naquela semana…

Muito bem, estávamos, então, livres para abandonar espaços e pessoas chatas – se houvesse – e mudar de idéia.

Nos dividimos em grupos para discutir temas que vieram das nossas inquieta̵̤es, em vez de voltarmos aos assuntos de sempre Рmuito embora, ṇo raro, nossas inquieta̵̤es correspondessem justamente aos assuntos de sempre. De todo modo, essa proposi̤̣o espont̢nea de temas ̩ a vantagem n̼mero 2.

Outras regras vieram e, finalmente, um momento lúdico. No evento era permitido ver-se como dois bichinhos:

1. Abelha polinizadora: aquela criatura que vai de um cantinho de debate ao outro e leva consigo pólen do primeiro para o segundo. E segue, fertilizando as discussões com assuntos das outras discussões. Achei lindo, só não vi acontecer. Muitas pessoas mudaram de debate, mas era difícil misturar os assuntos discutidos anteriormente com o assunto em que estavam entrando, até porque o debate já estava, geralmente, percorrendo outro caminho.

2. Borboleta: ela vai passando…. não que ela leve pólen, mas só a presença dela já embeleza o ambiente. Esse era exclusivo para atores e diretores muito bonitos. Mentira.

Só não valia ser girafa, ou seja, ficar espichando o pescoço porque a discussão do lado está mais interessante.

Propostos os temas, me programei para participar de dois debates: um sobre teatro e comunidade, outro sobre como as curadorias legitimam ou não as experimentações estéticas. Continuo curiosa pelo segundo, pois acabamos estendendo o papo sobre teatro e comunidade nos dois horários possíveis e fiquei por ali mesmo todo o tempo.

É bacana notar que, e geral, há sim uma preocupação com o que interessa, de fato, à comunidade, como uma troca, sem necessariamente gerar um trabalho assistencialista. Claro que isso não ocorre em todos os casos e, mesmo que esteja no discurso, nem sempre se efetiva. Muitos ainda disfarçam, mas pensam que estão indo a uma comunidade pobre para mudar a vida de quem vive lá. Não, não sou contra mudar vidas, salvar vidas, rezar, construir igrejas e albergues… mas ainda estamos falando de arte, de um processo artístico que está necessariamente presente no seu contexto histórico e social, o reflete, sem dúvida, mas que não pode tomar para si a responsabilidade ou função de modificá-lo, corrigi-lo, ou qualquer que seja o termo.

E, se a base das discussões era a questão da “timidez estética” dos grupos, pouco se falou sobre isso. Naturalmente, nosso debate se encaminhou para um compartilhamento de experiências dos grupos em que cada um contou um pouco do trabalho que desenvolve, das dificuldades, dos méritos (quase sempre mais dos méritos), enfim, descreveu como se relaciona com a comunidade politicamente, quais os obstáculos e soluções encontrados. No entanto, poucos falamos de como a forma do espetáculo pode fazer parte deste relacionamento com a comunidade e mesmo com o público de maneira geral.

No que foi o momento mais enriquecedor pra mim, com relação a gerar reflexões posteriores, a Tânia, do Ói Nóis Aqui Traveiz, de Porto Alegre, disse que as oficinas ministradas nas periferias da cidade são também uma parte do trabalho artístico como outra qualquer e que chegam muito mais ao público e estabelecem troca e vínculo muito maiores do que as próprias apresentações de peças. Eis algo a se pensar a respeito. Ingenuamente sugeri: “será que não devemos, então, pensar em maneiras de os próprios espetáculos chegarem mais às pessoas, tomando a forma e a inovação estética como aliadas?”. Digo que fiz a sugestão “ingenuamente”, porque não tenho idéia de qual seja essa forma. Apesar disso, acho que não há outro lugar para pesquisá-la senão nos grupos presentes neste encontro – e em outros semelhantes. Por que as oficinas envolvem mais que as peças? Proximidade? Público ativo? Apropriação? Nossas peças podem ser/ ter isso também?

Claro, foi uma oportunidade bastante rara de encontro tranqüilo e livre. Foi ótimo conhecer outros processos tão diversos e cheios de dificuldades e utopias quanto o do meu grupo, mas, por outro lado, senti falta de projetar, de me basear no presente para pensar outros processos, outras formas, outras relações. O novo.

PS: Não pretendia falar aqui de casos muito específicos até porque é um tanto quanto injusto expor o que as pessoas dividiram naquele ambiente íntimo. No entanto, dois casos são emblemáticos pra mim com relação a entender o público – seja uma comunidade ou não – como parte ativa do espetáculo e, mesmo, do processo criativo. São os casos da Cia Estável – que eu não conhecia e, infelizmente, ainda sei pouco – e do Tablado de Arruar. A Estável trabalhou numa instituição com mais de 100 homens (talvez não seja exatamente esse o número) e estes homens participavam das cenas, atuando mesmo ou dando palpites, criticando certas passagens etc. O Tablado – que atualmente trabalha para criar o seu Hamlet – abriu o processo criativo da peça Movimentos para Atravessar a Rua em plena Praça da Sé, o que significa improvisar e criar em um espaço público, aberto a influências e participações efetivas de quem, mais tarde, seria a platéia do espetáculo. Naturalmente, as dificuldades foram muitas – tanto que o processo atual acontece em um espaço fechado e será apresentado em um teatro convencional. No entanto o grupo aproximou-se daquela relação estabelecida pela Tânia com os oficineiros – sem que fosse preciso utilizar a pedagogia como único caminho.

'1 comentário para “Próximo Ato 2008”'
  1. […] os Open Space. A proposta é que a coisa funcione mais ou menos como relatamos que funcionou o Próximo Ato, com a diferença de que o Próximo Ato só podia gente “de teatro”, no FIT era pra ser aberto […]

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