Muito barulho por quase nada

Críticas   |       |    12 de novembro de 2007    |    3 comentários

Clown sem nariz, Shakespeare sem reverência

Fotos: Fábio Arruda e Pablo Pinheiro

Residência, de residir + -ência, substantivo feminino que pode significar: 1. hospedaria mais luxuosa que a pensão, mas menos aparelhada que o hotel; 2. fase do treinamento avançado de um médico em sua especialidade, uma vez formado e licenciado para exercer a profissão e dar consultas; 3. permanência obrigatória no lugar em que se exerce uma função. Assim o Houaiss define o que o pessoal do grupo Clowns de Shakespeare, de Natal (RN), está fazendo no TUSP (Teatro da USP), na Rua Maria Antônia, pertinho do Sesc Anchieta – onde já fizeram temporada em 2005.

Na prática, o esquema é o seguinte: a USP dá um espaço pras apresentações e os caras que se virem. Casa? Hum… Comida? Hum… Remuneração? Bilheteria. Mas, já é alguma coisa, né? Em outras palavras, é um projeto de nome engraçado que traz grupos de todo o Brasil pra passear por São Paulo e fazer amigos. Não é bonito? Bonito é pouco. É muito é doido ouvir o sotaque carregado daquelas bandas – ainda mais a gente que tá é sempre ouvindo os fingimento de sotaque que o povo daqui faz até cansar. A voz, ainda por cima, é acompanhada do batuque de tudo quanto é instrumento e é ainda mais massa ver tudo quanto é ator calçado de sandália igualzinha à de Lampião.

Eu que fui à peça procurando vários narizes de palhaço (afinal, não são os Clowns de Shakespare?), só encontrei do cown o olhar, mas já foi suficiente pra apagar a péssima impressão que a comédia Muito Barulho por Nada, de William Shakespeare, tinha me causado por meio do filme homônimo que só é engraçado de tão bizarro (com Keanu Reeves na pior atuação da história da sua carreira lastimávele Robert Sean Leonard mostrando que chorar é realmente uma tarefa muito difícil para um ator).

Na versão do grupo natalino-potiguar (natalino é bem melhor, né? Mas já que um tal de Jesus pegou o nome primeiro…), o nome da peça ganha um “Quase” – Muito Barulho por Quase Nada – e a história ganha graça (que tinha perdido no filme) e músicas muito especiais, que lembram cantigas infantis. Não é preciso violoncelo, nem piano pra emocionar, dá pra fazer isso com recursos simples – alguns grandões, tipo o tambor, mas todos simples.

A graça vem toda, ou quase toda, do corpo dos atores. Estão lá, todos eles, entregues, dispostos a fazer as coisas mais bizonhas do mundo sem nenhum resquício de receio, nem inibição. Fica, então, muito claro que se em algum momento alguém ali disse: “pô, mas não tá muito escrachado?”, outra pessoa respondeu: “ié!”. Bem, talvez não. Mas que há uma radicalização do trabalho corporal que tende propositalmente para o ridículo, isso há e merece destaque.

Para completar, o cenário muito simples e o figurino versátil, colorido e sofisticado (importante diferir sofisticado de luxuoso, não há luxo, mas há elaboração) enchem os olhos. E aqui uso o clichê no seu sentido literal: enchem mesmo, de encher, de lotar os olhos, a ponto dos pobrezinhos ficarem em dúvida de pra onde mirar.

Para finalizar, cito duas passagens particularmente marcantes. Uma delas é um momento em que, depois de vermos muitas provas de fé cênica, os atores que interpretam mais de um personagem brincam com o gestos marcantes de cada um, como se tivessem se confundido, esquecido qual deles estavam interpretando, como se os impulsos dos personagens saltassem de dentro deles espontaneamente. A brincadeira dura só alguns instantes, mas é bem executada. Outro momento de muitas gargalhadas é uma das músicas criadas pelo grupo e interpretada ao violão por Marco França – que também é diretor musical da montagem. Trata-se de um acróstico tão poético com o nome Beatriz (personagem coadjuvante da trama), que Shakespeare em toda sua genialidade certamente nunca teria pensado.

5 meses cantarolando “Ah, mais que dia feliz! Ah, como estou tão feliz! Quem me ama? Quem me ama? Be-a-triz!” nas reuniões de fechamento da Bacante.

'3 comentários para “Muito barulho por quase nada”'
  1. Ronaldo Ventura disse:

    É o tipo de espetáculo que eu falo: Vá e leve um amigo!

  2. […] Muito Barulho por Quase Nada […]

  3. […] Clowns de Shakespeare levaram 1º e 2º lugar na votação popular. Respectivamente com Fábulas e Muito Barulho por Quase Nada. O novo infantil do Bagaceira ficou em terceiro […]

O que você acha?

A Bacante é Creative Commons. Alguns direitos reservados. Movida a Wordpress.