Mapeamento eternamente em construção – Bate-papo com a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz

Bate-Papos   |       |    3 de novembro de 2009    |    0 comentários

Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz – Porto Alegre – RS
Representante: Tânia Farias e Marta Haas

Na Bacante:

Críticas:
O Amargo Santo da Purificação
A Missão – Lembrança de uma Revolução
Aos que Virão Depois de Nós – Kassandra in Process

1. Financiamento: como o grupo financia seus trabalhos?

Tânia Farias: Essa era a pergunta que vocês queriam que a resposta fosse sintética? É que é um grupo que não é novo, né? Tem 31 anos. Então já fez de muitas formas, já vendeu pão de queijo, já vendeu livrinho pra fazer uma peça de teatro, pra pagar o aluguel da sede. Passava a madrugada inteira vendendo pão de queijo, no outro dia de manhã tinha ensaio. E fazia suas produções, Fez um trabalho profissional durante 31 anos e o primeiro dinheiro veio com 27, 28 anos de grupo. Então, eles traduziam coisas do Arrabal, do Artaud e publicavam os livrinhos numa produção bem caseira e vendiam nos bares de noite. Teve vários livros, teve um livro que era uma coletânea de poemas da Geração Beat… Tô falando isso só porque foram estratégias de sobrevivência e de fazer o trabalho. Acho que o Ói Nóis tem uma característica que talvez diferencie dos outros grupos que é… a primeira preocupação do Ói Nóis – para o bem ou para o mau – não é garantir a sobrevivência dos atuadores, isso não é a primeira coisa, então as pessoas fazem outras coisas pra viver, pra pagar seu aluguel, tananam, e trabalham no Ói Nóis. Quando acontece como aconteceu nos últimos anos, as pessoas que estão diretamente envolvidas com o trabalho do grupo e que dedicam então horas e horas de trabalho pra manter todo o projeto existindo, elas passaram a ter uma grana pra viver. Mas que também… assim como tem, acabou, acabou, a pessoa vai fazer outra coisa e vai continuar dando seu melhor tempo pra fazer o trabalho no Ói Nóis. Então a questão da grana no Ói Nóis é… é um trabalho profissional porque sempre foi o melhor tempo que se tinha pra ensaiar é esse… é esse… então o melhor tempo. E sempre ensaiou muito, sempre pesquisou muito… um espetáculo nunca ficou pronto em três meses, isso nunca existiu no Ói Nóis, sempre se ficou muito tempo pesquisando pra fazer um trabalho. No entanto, não tá ligado profissionalismo a essa idéia de: “ah então, tu te mantém com seu trabalho”. Não. Não é assim até hoje. Hoje tá. Hoje a gente tem patrocínio, as pessoas tem grana, claro, que aí elas podem se dedicar integralmente ao grupo, mas isso não é sempre e isso não é a prioridade. Porque a gente mantém um espaço pra trabalhar que é um espaço que também é uma escola de teatro e isso é muito importante pro trabalho do grupo. Então a primeira coisa que se faz é garantir a sobrevivência desse espaço, porque ele também é a sobrevivência deste tipo de trabalho nessa independência no que dizer, no como dizer, no que nós queremos fazer, pra ensaiar na hora que nós pudermos ensaiar, porque são pessoas de muitos lugares que fazem o trabalho no Ói Nóis, tem que poder juntar todo mundo. Então, primeiro, desde o momento em que deixou de ser uma ditadura, voltamos a ser um Estado democrático, aí o Ói Nóis passa a disputar verba pública, volta a entrar em editais, essas coisas todas. Enquanto a gente ainda tava sob o regime da ditadura, não se disputava essa verba, pra não referendar esse Estado. Então, não se entrava nesse tipo de coisa, de tentar aquela grana pra ocupar aquele teatro, não, a gente buscava fora disso. E a partir do momento em que rolou a redemocratização tudo isso, aí o Ói Nóis vai discutir a história… então, agora nós podemos entrar? Vamos? O grupo decide que sim, que deve disputar. E aí é que ele começa a fazer isso, mas você pode ver que ao longo da história do Brasil, nesses últimos 30 anos que a gente vai falar da existência do Ói Nóis, não existe uma política pública efetiva pro teatro, então sempre foi essas coisas bem esporádicas que teve. E hoje tem muito mais do que tinha antes. Então hoje a gente procura garantir dentro do esquema do grupo que é coletivo, que tenham pessoas que possam, por exemplo, abriu edital, faz projeto, abriu edital, faz projeto. Teve um momento em de discutir pra ver se a gente ia ou não fazer projeto pra disputar esses recursos das leis de incentivo. O Ói Nóis passou muito tempo sem entrar na lei de incentivo porque sempre foi crítico desde o surgimento. Sempre expôs isso, por achar que é sacana esse esquema todo. Aí tem um momento que o Ói Nóis discute internamente e decide que… na verdade, foi até assim, ó… foi uma pessoa que disse: olha, tem uma estatal aí, vocês têm um trabalho que é completamente voltado pra comunidade de Porto Alegre, então se vocês entrassem na LIC, vocês teriam chance. E foi um cara que tava naquele momento no governo, o governo era petista, o cara veio dizer isso pra nós: “Entrem com o projeto que vocês têm condições de…”. Enfim, nunca teve esse negócio que ele falou, mas a gente acabou entrando. Esse momento dá origem a uma discussão interna no grupo se a gente ia ou não disputar. E aí a conclusão a que a gente chegou é que: esse dinheiro é público, esse Estado democrático é que garante que essa Lei seja assim como ela é, né? Ela existe e o governo Lula tá fazendo a mesma coisa. O Lula não mudou nada. Continuamos com a Lei Rouanet, esta merda, e não existe nenhuma coisa efetiva que dê espaço pro trabalho que não tem mercado porque não quer ter mercado, porque não é mercadoria… não existe. No governo do operário não existe isso. Ele continua tendo a Lei Rouanet. E isso é dinheiro público. Aí chega um momento que tu começa a ver que é importante… se tu acredita que o teu trabalho tem uma dimensão pública e que ele volta de alguma forma pra tua comunidade, não disputar esse dinheiro que é público, é quase dizer: não, tudo bem, dá só pro Roberto Carlos, tá ótimo, o povo precisa que ele faça show na Serra lá no Rio Grande do Sul… precisa… então faz isso… a Ivete Sangalo precisa… e aí a gente resolveu que não, que a gente ia tentar. Só que, claro, a gente começou a escrever os projetos do Ói Nóis. O primeiro projeto que o Ói Nóis consegue uma graninha da Lei Rouanet – não é da Rouanet, é da LIC – é o projeto da escola popular do Ói Nóis, é um projeto que o Ói Nóis já fazia. Então, o projeto que o Ói Nóis inscreve é sempre um projeto que é muito a cara do Ói Nóis, nós queremos fazer uma escola de teatro popular, nós fazemos um trabalho de formação que é popular – popular no sentido de facilitação do acesso e nessa idéia de que vai estar falando de algo que possa interessar a uma maior parte. Isso interessa pra alguma empresa? Pra algum marketing de empresa? A gente não inscreveu achando que alguma empresa ia se interessar, que o marketing ia achar que isso era “mó barato”, a gente pensou só que só vai nos interessar também ter esse recurso pra fazer alguma coisa que nos interesse fazer. Então a gente não se preocupou com o que nós vamos fazer… “ai, tem que ser isso, porque isso vai vender”. Não. sempre foi o trabalho do Ói Nóis, tanto que a manutenção que o Ói Nóis ganhou da Petrobras, pra o Ói Nóis a manutenção é fazer as sete oficinas no bairro que a gente faz sem grana nenhuma e que, então, tendo a Petrobras, a gente fez com as pessoas recebendo uma grana, tendo algum recurso pra se quisesse fazer um exercício, comprar pano pra fazer um figurino, tu teria. Isso é manutenção do Ói Nóis… apresentar os espetáculos na periferia… isso é manutenção do Ói Nóis. Esse é o projeto do Ói Nóis, é tão importante quanto fazer o trabalho criativo, ir fazer essas oficinas. E isso o Ói Nóis faz antes da era do ONGismo, entendeu? Não é… “Ah, contrapartida social, porque agora dá dinheiro contrapartida social, então agora…”. Não. O Ói Nóis faz isso há muito tempo. Os caras que tinham grana davam dinheiro pra caxinha pro cara que ia dar a oficina poder ter grana pra passagem, porque como não se tinha recurso pra pessoa sobreviver, às vezes a pessoa não tinha dinheiro pra passagem. Então o grupo tentava fazer alguma coisa pra dar o dinheiro pra pessoa poder ir pra Vila Goretti dar oficina porque nós queríamos que tivesse uma oficina no bairro, não é porque alguém ia achar bonito, porque pra nós é importante, ideologicamente é importante. Olha, agora a gente faz isso, a não ser que a gente não tenha perna pra fazer a gente se inscreve em tudo quanto é edital, em todos, todos. Porque, como a gente teve patrocínio da Petrobras, vai ficar no imaginário das pessoas que o Ói Nóis tem patrocínio da Petrobras, e o Ói Nóis não tem patrocínio da Petrobras, entendeu? A gente tenta se inscrever em todos. E muitas vezes a gente não ganha porque: “não, já tem dinheiro…” e não, nós não temos dinheiro, então a gente se inscreve em todos. Lá existe um fundo que chama FUMPROARTE, mas que é assim tu ganha agora e só daqui uns cinco, seis anos tu vai conseguir ganhar de novo, porque é uma loucura, porque é uma grana bem pequena pra toda a produção de todas as áreas. Então tu disputa com cinema que já capta direto desse fundo 40% dos recursos.

Marta Haas: Mas, inclusive, a gente ganhou pra fazer as apresentações nos bairros que a gente tá fazendo em várias regiões de Porto Alegre, a gente ganhou.

Tânia: Agora. Mas fazia anos que o Ói Nóis não ganhava. Anos…

Marta: E tá fazendo já as apresentações pra ganhar a verba daqui a… sei lá quantos meses…

Tânia: E agora tá um momento… se a gente tivesse com mais alguma coisa a gente tava fudido. Porque a gente ganhou o Myriam Muniz pra fazer uma montagem nova, um espetáculo de teatro de rua, com um texto do Ariel Dorfman, que é uma alusão a um país que teve ditadura militar e ele fala de um povoado onde todos os homens foram assassinados… foram “sumidos”, na verdade… sumiram com todos os homens, só ficaram as mulheres, o espetáculo chama Viúvas. E é um momento desse país em que o discurso já não é mais “vai lá e mata”, já é o “gente, vamos esquecer o passado, vamos botar uma pedra em cima disso, vamos curar as feridas”. E as mulheres não têm mais seus maridos, não têm mais seus filhos e eles dizendo pra elas: “vamos acabar com isso, o discurso é do diálogo”, sabe aquele discurso bem pau no cú? Esse.

Marta: É aquela coisa: “a gente esquece a desobediência de vocês e vocês esquecem a nossa resposta rigorosa a essa desobediência”.

Tânia: Mas é bem esse discurso. E aí há algum tempo a gente vinha tentando… já tinha perdido alguns Myriam Muniz com essa peça e agora ganhou. E a gente ganhou esse edital, ganhou uma viagem da BR Distribuidora e esse lá de Porto Alegre. Então, a gente ganhou dois editais de circulação. Ah, e teve também o de rua. Nós vamos fazer os assentamentos do MST com o edital Artes Cênicas na Rua. Só no Rio Grande do Sul?

Marta: É, é. Porque pra sair do Estado não daria pra ir em 12 cidades, 6 assentamentos.

Tânia: A gente faz assim, a cidade onde tem o assentamento e o assentamento. Duas apresentações. E é bem difícil pra nós fazer isso de ir pro interior lá, porque tem alguns lugares que é bem longe e é caro ir, né? A gente precisa pagar o caminhão, mais…

O grupo não respondeu às perguntas dois e três porque a entrevista foi interrompida.

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