Enquanto isso em São Paulo: Funarte ocupada

Blog   |       |    27 de março de 2009    |    4 comentários

Foi na noite do dia 25, que um conhecido do Fórum Social Mundial avisou de uma possível ocupação da Funarte pelos artistas e estudantes. Ele próprio não conseguiu me explicar as razões da possível ocupação.

Ontem à noite, o Paulo, colaborador aqui da Bacante, ligou e avisou que ocupação estava prevista para hoje, às 4h. O mesmo Paulo me avisou agora cedo que a ocupação se deu às 5h30 e que a polícia estava na frente do prédio impedindo que a comida entre e fichando os que estão saindo.

Falta, nessa manifestação, um ponto de convergência das reivindicações, de maneira que se torne pública a razão da ocupação. Alguém de lá de dentro pode blogar? Twittar?

Transcrevo abaixo o que recebi por e-mail e o PDF de convocação para o ato público.

Quem tiver mais informações, por favor, comente!

CARTA DE SALVADOR

O Movimento Redemoinho, que une grupos teatrais de 14 estados do país, tem participado do intenso debate que ocorre há anos sobre a reformulação das políticas públicas para a área cultural.

Nesse período, o movimento, na contramão de propostas de ação pública baseadas em renúncia fiscal, chegou a formular um projeto de fomento – o Prêmio Teatro Brasileiro – que prevê não apenas a manutenção de trabalhos continuados, mas a produção e a circulação de espetáculos, através de verbas do orçamento da União.

Em paralelo, através de documentos públicos, discussões e artigos de jornal, o Redemoinho reafirmou seu interesse em trabalhar a favor da construção de ações públicas que sejam capazes de desprivatizar e desmercantilizar os processos culturais tais como ocorrem no país hoje.

Era nesse sentido que o movimento aguardava com enorme expectativa a proposta de reformulação da Lei Rouanet, uma das principais ferramentas da distorção privatista que rege o trato de recursos públicos para a área cultural.

O projeto apresentado pelo Ministério da Cultura, o chamado Profic, que se apresenta como o substituto do Pronac, sustenta-se sobre as mesmas bases: o Fundo Nacional de Cultura, os patrocínios privados com renúncia fiscal e o Ficart – Fundo de Investimento Cultural e Artístico.

A novidade aparente é a tentativa de articular essas instâncias num sistema capaz de controlar aquilo que surge como excesso nas captações e destinações.

O que permanece intocado, entretanto, é o fundamento da lei – que não é apenas um excesso, mas uma aberração: a gestão privada de recursos públicos.

O monstro privatista continua a ser alimentado, segundo regras aparentemente mais eficazes e rígidas. Mas a serviço do quê? Os departamentos de marketing continuam a gerir recursos públicos, o governo continua a transferir sua responsabilidade para os gerentes das corporações, a cultura continua a ser tratada como negócio.

Diminuir a porcentagem da transferência de recursos, com normas moralizadoras, não muda a natureza da omissão, nem o fundamento privatista do processo.

É significativo que o anteprojeto do Profic seja permeado por termos da retórica mercantil: valorização, rendimento, vales, difusão, consumo, sustentabilidade – são expressões que não escondem a lógica empresarial que o anima. A idéia de um sistema cultural surge conformada pela imagem de um mercado que precisa ser criado, amparado, estimulado ao preço da própria cultura, quando se pretende algo mais do que a forma mercadoria.

Diante disso, o movimento Redemoinho não reconhece no Profic uma disposição a enfrentar o verdadeiro problema das políticas públicas para a cultura no país: seu caráter privatista.

No Profic, o Redemoinho reconhece no Fundo Nacional de Cultura a única possibilidade de ação que possa realmente se caracterizar como instrumento de política pública. Nesse sentido, este Movimento pretende ocupar os espaços de discussão sobre o mesmo junto ao MINC e à sociedade.

Além disso, o Redemoinho defende uma política pública para a cultura que contemple vários programas (e não a renúncia fiscal como programa único) com recursos orçamentários próprios e regras democráticas estabelecidas em lei como política de Estado.

Não haverá transformação cultural enquanto as ações humanas forem organizadas pela lógica da eficácia mercantil e a cidadania for construída na perspectiva do consumo.

REDEMOINHO
Movimento Brasileiro de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral

V Encontro Nacional, Salvador, Bahia, 24 de março de 2009.

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ato-dia-nacional-do-teatro

'4 comentários para “Enquanto isso em São Paulo: Funarte ocupada”'
  1. […] O Movimento 27 de março ocupou a sede da FUNARTE em São Paulo, no dia do teatro e do circo, reivindicava o “diálogo bilateral” entre MinC e […]

  2. […] Ocupação da Funarte (leia mais aqui e […]

  3. Camila disse:

    Aqui está o manifesto que embasa a ocupação:

    Manifesto dos Trabalhadores da Cultura
    Trabalhadores da Cultura, é hora de perder a paciência!

    O Movimento de Trabalhadores da Cultura, aprofundando e reafirmando as posições defendidas desde 1999, em diversos movimentos como o Arte Contra Bárbarie, torna pública sua indignação e recusa ao tratamento que vem sendo dado à cultura deste país. A arte é um elemento insubstituível para um país por registrar, difundir e refletir o imaginário de seu povo. Cultura é prioridade de Estado, por fundamentar o exercício crítico do ser-humano na construção de uma sociedade mais justa.

    A produção artística vive uma situação de estrangulamento que é resultado da mercantilização imposta à cultura e à sociedade brasileiras. O Estado prioriza o capital e os governos municipais, estaduais e federal teimam em privatizar a cultura, a saúde e a educação. É esse discurso que confunde política para a agricultura com dinheiro para o agronegócio; educação pública com transferência de recursos públicos para faculdades privadas; incentivo à cultura com Imposto de Renda doado para o marketing, servindo a propaganda de grandes corporações. Por meio da renúncia fiscal – em leis como a Lei Rouanet – os governos transferiram a administração de dinheiro público destinado à produção cultural, para as mãos das empresas. Dinheiro público, utilizado com critérios de interesses privados. Política que não amplia o acesso aos bens culturais e principalmente não garante a produção continuada de projetos culturais.

    Em 2011 a cultura sofreu mais um ataque: um corte de 2/3 de sua verba anual. De 0,2% ou 2,2 bilhões de reais, foi para 0,06% ou 800 milhões de reais do orçamento geral da União em um momento de prosperidade da economia brasileira. Esta regressão implicou na suspensão de todos os editais federais de incentivo à Cultura no país, num processo claro de destruição das poucas conquistas da categoria. Enquanto isso, a renúncia fiscal da Lei Rouanet não sofreu qualquer alteração apesar das inúmeras críticas de toda a sociedade.

    Trabalhadores da Cultura é HORA DE PERDER A PACIÊNCIA: Exigimos dinheiro público para arte pública!

    Arte pública é aquela financiada por dinheiro público, oferecida gratuitamente, acessível a amplas camadas da população – arte feita para o povo. Arte pública é aquela que oferece condições para que qualquer trabalhador possa escolhê-la como seu ofício e, escolhendo-a, possa viver dela – arte feita pelo povo. Por uma arte pública, tanto nós, trabalhadores da cultura, como toda a população em seu direito ao acesso irrestrito aos bens culturais, exigimos programas – e não programa único – estabelecidos em leis com orçamentos próprios. Exigimos programas que estruturem uma política cultural contínua e independente – como é o caso do Prêmio Teatro Brasileiro, um modelo de lei proposto pela categoria após mais de 10 anos de discussões. Por uma arte pública exigimos Fundos de Cultura, também estabelecidos em lei, com regras e orçamentos próprios a serem obedecidos pelos governos e executados por meio de editais públicos, reelaborados constantemente com a participação da sociedade civil organizada e não dentro dos gabinetes. Por uma arte pública, exigimos a imediata aprovação da PEC 236, que prevê a cultura como direito social, e também imediata aprovação da PEC 150, que garante que o mínimo de 2% ( hoje, 40 bilhões de reais) do orçamento geral da União seja destinado à Cultura, para que assim tenhamos verbas que possibilitem o início de um tratamento devido à cultura brasileira.

    Por uma arte pública, exigimos a imediata publicação dos editais de incentivo cultural que foram suspensos, e o descontingenciamento imediato da já pequena verba destinada à Cultura. Por uma arte pública, exigimos o fim da política de privatizações e sucateamentos dos equipamentos culturais, o fim das leis de incentivo fiscal, o fim da burocratização dos espaços públicos e das contínuas repressões e proibições que os trabalhadores da cultura têm diariamente sofrido em sua luta pela sobrevivência. Por uma arte pública queremos ter representatividade dentro das comissões dos editais, ter representatividade nas decisões e deliberações sobre a cultura, que estão nas mãos de produtores e dos interesses do mercado.

    Por uma arte pública, hoje nos dirigimos a Senhora Presidenta da República, Dilma Rousseff, ao Senhor Ministro da Fazenda e às Senhoras Ministras do Planejamento e Casa Civil, já que o Ministério da Cultura, devido seu baixo orçamento encontra-se moribundo e impotente. Exigimos a criação de uma política pública e não mercantil de cultura, uma política de investimento direto do Estado, que não pode se restringir às ações e oscilações dos governos de plantão. O Movimento de Trabalhadores da Cultura chama toda a população a se unir a nós nesta luta.

  4. Juli disse:

    Oi, Camila!

    Este post era sobre a ocupação de 2009. Mas também vamos escrever sobre a deste ano, que está em andamento agora. Valeu por deixar o Manifesto! Vamos copiá-lo pro post novo, ok?

    Abraço,
    Juli =)

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