Espía una mujer que se mata

Críticas   |       |    17 de setembro de 2007    |    1 comentários

Aí vem alguém que deixa o ator trabalhar…

Foto: Maurício Alcântara

Uma luz está acesa e vai ficar assim, sem alteração até o final do espetáculo, como se alguém tivesse acendido o interruptor de uma lâmpada qualquer antes da platéia adentrar . Uma moça de vestido estranho (parece de veludo) está virada de costas, caminhando compulsivamente, enquanto nos acomodamos. Sônia é esta menina, que vai se apresentar na seqüência, falando com o pai, Alexander, um teórico egoísta que cospe aos cantos como deve ser o teatro: afirma que as novas formas, de que os jovens tanto falam, já são velhas. Há uma arma entre eles. Este é o ponto estranho da cena e a marca do início do espetáculo: um desrespeito, uma cena que não existe, um Tio Vânia bem diferente.

Assim começa Espía una mujer que se mata, montagem com direção e adaptação de Daniel Veronese a partir do texto de A. P. Tchekhov. Ele também assina a cenografia, que, segundo o Maurício, é parecidíssima com a de Teatro para Pájaros, do mesmo diretor. O fato é que este cenário está preparado para outro palco. No Porto Alegre em Cena, o teatro era italiano e com uma grande profundidade. No cartão do espetáculo que recebemos na porta, um teatro semi-arena está representado no esquema gráfico. Isso explica diversas marcações dos atores falando completamente de costas para a platéia. Como eu queria ter encontrado mais sentido nesse dar de costas. Matutei um montão sobre essas costas até achar esse cartão. A velha nova roupa do rei.

Com atuações memoráveis, essa montagem é um achado pelo pouco que investe para fazer um Tio Vânia tão inesquecível. Tire tudo que for demais no teatro e sempre sobrarão os atores (às vezes nem todos, por isso alguns personagens se foram nessa adaptação). Veronese sublinha as falas de um Alexander especialmente arrogante e frágil, e deixa que apareça esta Sônia que consegue chorar e sorrir ao mesmo tempo. Feia e linda na mesma cena. E o mais que se deve dizer é que, falar de dois é muito pouco. Todo o elenco está excepcional, sem que sobressaia ninguém. Vale uma visita para cada ator.

O drama familiar de Tcheckov nunca pareceu tão simples de se fazer… e que armadilha! Assim como Gaivota – Tema para um conto curto, também presente no Porto Alegre em Cena, este texto do dramaturgo russo nos remete a um tempo de transição. Um momento em que as artes se voltavam para novas formas e Tchekhov foi mestre ao colocar estas formas como componentes de seus personagens. É como se vários tempos efetivamente dialogassem em cena.

O que fazer com um tesouro desses? Desconstruir? Esse foi o caminho de Enrique Diaz e seus atores. Deixá-lo aflorar, com a cara que se procura? Essa é a idéia que Veronese põe em cena. E a flor que brota é dolorida, sofriiiida mesmo como não sentia há bastante tempo. Esse Tio Vânia é verdadeiro em cada veia que salta do pescoço dos atores. Não veias quaisquer, mas aquelas dos momentos certos. Às vezes em segundo plano, por vezes sem emitir sons. Tudo nesta montagem é detalhe e apuro. Pulso firme ao dar liberdade para grandes atores em cena. Em suma, é isso.

5 bravos per capita na segunda apresentação

'1 comentário para “Espía una mujer que se mata”'
  1. […] uma mulher que se mata (Texto sobre a versão argentina aqui) Elenco: Roberto Bomtempo, Miriam Freeland, João Vitti, Marco Miranda, Flávia Pucci, Regina […]

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