Êta, seu bonequeiro!

Críticas   |       |    27 de agosto de 2007    |    1 comentários

Teatro infantil para adultos

Fotos: Paula Kossatz


A peça Êta, seu bonequeiro! tem a inusitada proposta de apresentar o mesmo espetáculo para adultos (quintas à noite) e para crianças (sábados e domingos à tarde). A idéia seria pensar a diferença entre o que é teatro infantil e o que é teatro adulto. (Ou simplesmente propor um questionamento da percepção contemporânea dos gêneros no texto do projeto, só pra ganhar o patrocínio do Prêmio Miryam Muniz.) Achei essa história meio complicada…

Num primeiro momento até pensei que, depois de assistir o espetáculo adulto, eu ia querer ver o infantil. O problema é que quando assisti o adulto, pensei: mas esta é uma peça infantil! Será que eu vim no dia errado? O texto é 100% infantil: um pequeno grupo de bonecos que não deram certo está abandonado numa caixa onde, volta e meia, o bonequeiro do título joga um boneco estragado lá dentro. Será que a outra versão é ainda “mais” infantil?!

Me pergunto se é de fato relevante pensar nessa história, afinal, não é a oposição ao teatro infantil que faz o teatro adulto e nem vice-versa. Não são palavras como “mais” e “menos” disso ou daquilo – mais/menos complexo; mais/menos pausa – que definem as respectivas poéticas. (Digo isso porque é nestes termos que o diretor propõe que se inicie uma discussão.)

No entanto, acho válido levantar essa bola porque fica bem claro o estado precário em que se encontra o teatro carioca. A maior parte das peças adultas em cartaz só difere do teatro infantil na questão temática e, muitas vezes, porque o tipo de musiquinha é diferente. No teatro infantil, parece que basta dizer “infantil” e pronto: está definida a linguagem. Não é por aí, é claro, e imagino que o Intercâmbio de Linguagem para Crianças que rola lá no Centro de Referência do Teatro Infantil (Teatro do Jockey) trate dessa problemática. No teatro adulto, no entanto, parece mais óbvio que simplesmente dizer “adulto” não seja suficiente. Mas se olharmos atentamente para as produções comerciais de peças genéricas, vamos ver que existe mesmo um teatro adulto tão nulo em propostas estéticas quanto aquele teatrinho infantil tatibitati que todo mundo já teve a infelicidade de ver algum dia. Por estes e outros motivos acho pouco produtiva a questão proposta pela Companhia nós nos nós.

Até perde um pouco o sentido de falar do espetáculo em si, tendo em vista que seu ponto de partida não parece tão válido. Mas há outras questões. Cada vez mais, eu penso que escrever texto de programa é a maior roubada… A peça se propõe a mesclar “categorias estabelecidas pela cultura” – “comédia”, “tragédia”, “dança”, “teatro”, “circo”, “recursos multimídias”,”popular”, “erudito”, “reflexão filosófica”, e por aí vai. Acho que já dá pra visualizar o problema. Mesclar é uma coisa, sobrepor é outra muito diferente. O risco está em ficar no meio do caminho em todos os recursos. Mesclar linguagens demanda uma grande maturidade e uma familiaridade bem profunda com cada uma delas. Em Êta, seu bonequeiro! a impressão é de uma certa insuficiência, de um tatear que merecia se deter em alguma especificação antes de transitar por universos díspares. A parte das acrobacias é legal mas não é espetacular; a parte do teatro fica a desejar em vários aspectos e o vídeo é um tanto desastroso. Ele entra pra resolver um problema e acaba sendo um. A peça toda se passa numa caixa de bonecos, com exceção da última cena que… é projetada num telão. Assim o vídeo é usado como alternativa para o que seria uma limitação técnica daquele teatro – ou falta de imaginação da equipe. Ele não se mescla e não acrescenta; aliás, ele quase mela o jogo.

O fato de não ter uma espetacularização das técnicas de tecido, trapézio, etc., é até bonito e tem a ver com o estado de inércia daqueles personagens. O problema é que, durante os números musicais, a platéia fica esperando uma espécie de showzinho, pois a música parece pretexto para as acrobacias. Me pergunto se a música é um problema de dramaturgia… Mas não dá pra saber se o autor escolheu escrever a peça deste jeito ou se isso é uma coisa a priori de teatro infantil, imposta a ele. Será que as musiquinhas seriam uma espécie de solilóquio, mas viraram isso porque alguém disse que não pode ter reflexão em teatro infantil? Neste caso, na versão adulta, as musiquinhas podiam ser solilóquio, né? Seria melhor pra todo o mundo… Este é um exemplo de que a direção foi um pouco preguiçosa no desenvolver dos próprios questionamentos. A versão adulta é um infantil sem tirar nem por.

Os atores também entregam o jogo e fazem tudo como numa peça para crianças, dizendo tudo muito explicadinho, bem mastigado e sublinhado por gestos e sobrancelhas. Como eles estão fazendo algumas técnicas circenses, o espectador é levado a pensar que eles não são atores, mas acrobatas que também atuam; até que entra em cena uma atriz que também faz acrobacias. Aí temos um problema: ela faz acrobacia tão bem quanto eles, mas eles não atuam como ela. É horrível quando uma pessoa se destaca mais que as outras em cena. Sempre que comento isso depois de uma peça as pessoas dizem: “mas é natural, é sempre assim”. Discordo: acho isso uma falha grave e é péssimo que seja tão comum. O ator que “salva a peça” tem o azar de ser a maior prova de que a coisa toda afundou. E neste caso a dramaturgia tem uma grande parcela de responsabilidade porque a personagem é muito mais elaborada que as outras. Mas a culpa mesmo é sempre do diretor…

De resto, dá pra se divertir. As meta-piadas que brincam com a condição de bonecos em paralelo com a condição do ator são divertidas, especialmente quando um deles se pergunta se eles devem sair da caixa e comenta que, se saírem, não vão nem saber em que século estão. As histórias pessoais de cada boneco e suas incompetências irreversíveis também são ótimas. Mas o melhor de tudo foi ver uma platéia de adultos aplaudindo os números musicais exatamente como se fosse uma platéia de crianças. Foi bonito, não sei dizer muito porquê. Na hora, eu até gostei, dei muitas risadas. Depois, quando fui dar uma olhada no programa, no site da companhia, e pensei na peça, vi que as coisas não se encaixaram bem. Talvez eu tenha gostado de ter ido ao teatro “como se” fosse criança, pois não tinha criança nenhuma em volta pra me lembrar que o público alvo não era eu.

1 atriz no meio de 6 bonecos.

'1 comentário para “Êta, seu bonequeiro!”'
  1. Juli =) disse:

    Foi feita pra mim essa peça! eu posso assistir em qualquer um dos dias, que não sei mesmo quando sou criança e quando sou adulta! rssss
    Lindas as imagens, né?

    Beijo.

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