Viver sem tempos mortos
Sim, sobre o amor ou Lugar de cadeira é no chão ou O ator e seu duplo ou
Foto: Guga Melgar
(Leia também a crÃtica de MaurÃcio Alcântara para este espetáculo.)
Quinta feira dia 21 de maio e a calçada do SESC Consolação agrupava mais engravatados do que de costume. Uma porção de fotógrafos também estava a postos. Um jornalista, bloquinho de papel na mão, gritava no celular “manda um fotógrafo pra cá! Se a Eva Wilma vier já dá chamada de capa, ela já fez novelaâ€. Outro, também com o telefone no ouvido, dizia, desanimado: “foi burrada ter vindo, hoje é só convidado do patrocinador, não tem famoso. Amanhã é que vem convidado delaâ€. “Ela†é Fernanda Montenegro, pré-estreando seu monólogo Viver Sem Tempos Mortos em São Paulo. Alguns minutos depois, para alÃvio dos fotógrafos, Denise Fraga e Irene Ravache apareceram, gerando 38 e 23 flashes, aproximadamente. Eva Wilma não foi, será que deu capa? (Capa do quê não me perguntem…)
O espetáculo estava marcado para as 21h. Às 21h30, eu já acomodado na minha poltrona faz tempo, dou passagem para Karin Rodrigues (dá capa?), encolhendo minhas pernas. Assim que ela passa me dou conta que deveria ter levantado e dado mais espaço para a senhora passar. Não tive muito tempo para alimentar minha culpa; o representante do patrocinador da peça subia ao palco com um microfone estilo Sandy e Jr. acoplado no rosto. Alguns chavões sobre cultura aqui e acolá lidos numa fichinha dessas usadas por apresentadores de programa de auditório, encerrando com chave de ouro ao anunciar a “grande dama do teatro brasileiro†(sim, foi isso mesmo o que ele disse, mesma expressão utilizada por 498 sites para falar de Fernanda Montenegro). Ao final do terceiro sinal, ouve-se o barulho dos saltos da atriz caminhando da coxia até adentrar o palco.
Fernanda senta numa cadeira localizada no centro do palco, praticamente o único elemento do cenário “minimalista†criado por Daniela Thomas. Não pude deixar de lembrar que da última vez que vi uma parceria Daniela Thomas/Felipe Hirsch a cadeira estava colada na parede. E, assim como Não Sobre o Amor, este espetáculo também é baseado em cartas trocadas por um casal. A frieza de Não Sobre o Amor havia me incomodado bastante, como se o tÃtulo da peça estivesse sempre sendo lembrado (“não podemos cair no sentimentalismo, não sobre o amor, não sobre o amor, não sobre o amor…â€) e, confesso, tive medo que algo semelhante acontecesse aqui.
Então tive a segunda prova de que esta noite não daria espaço para meus devaneios. Uma microfonia ensurdecedora invadiu as caixas de som do SESC Anchieta logo após a primeira frase proferida por Fernanda Montenegro/Simone de Beauvoir. De inÃcio, achei que se tratava de uma proposta do espetáculo: o incômodo da existência ou algo do tipo. Não era. O microfone havia deixado de funcionar. Fernanda trata de aumentar o volume da sua voz, sem muito esforço ou abalo. O microfone voltaria a funcionar logo depois, mas não me dei conta do momento exato, Fernanda (e a luz de Beto Bruel) já tomava a atenção para si.
É difÃcil falar de uma unanimidade, ainda mais no primeiro texto que escrevo para a Bacante. Viver Sem Tempos Mortos é texto, cadeira, luz e Fernanda Montenegro, nada mais. Ou seja, falar do espetáculo é falar dela. Se no começo conseguimos enxergar uma Simone de Beauvoir e na metade da duração o monólogo parece querer se embrenhar por um didatismo, ao final, Simone vai sumindo e dando espaço a Fernanda somente. O discurso sobre a velhice e a morte de um companheiro de vida inteira são palavras escritas por Simone, mas ideias já comentadas por Fernanda em diversas entrevistas. E isto está longe de ser um demérito para o espetáculo.
Há muito tempo noto que vários atores, em determinado momento de suas carreiras, parece que se cansam da busca por um personagem e investem tão somente nas personas públicas. É Fulano interpretando Fulano. Já Fernanda, sempre tão discreta (com o perdão do adjetivo, quase tão manjado quanto o “grande damaâ€) se dá ao luxo de usar Simone de Beauvoir para falar dela própria, de mostrar e refletir sobre seu luto em cima do palco.
A plateia engravatada ria quando aquela senhora falava de orgias e masturbação – como se o riso fosse única resposta possÃvel ao desconcerto. Quando Fernanda se distancia de Simone e se aproxima dela própria, o desconforto é maior ainda e o riso não cabe mais. Estamos ali, sentados, assistindo ao sofrimento de alguém que não usa um personagem como proteção, um desnudamento com camisa social branca e calça preta. Ao mesmo tempo, até que se prove o contrário, aquilo ali é um espetáculo, vai acabar quando a luz baixar e a música subir. Ou não vai? O que fazer com aquela vida real que foi jogada na nossa cara? Tomar algumas doses de champanhe e beijar a bochecha da atriz (“não podemos cair no sentimentalismo, ela é uma atriz, ela é uma atriz, ela é uma atriz…â€) parecia ser a única fuga possÃvel naquela quinta feira à noite.
5 taças de chandon e 2 quiches-lorraine
[…] By Leal Tô escrevendo agora na Bacante. Na verdade, “tô escrevendo” não, escrevi essa crÃtica e escreverei sempre que tiver inspiração (ou seja, não sei quando vai ter outro texto […]
grande fábio, mandou ver, heim.
Abração
BelÃssimo texto, cara.
Boa noite!
Estou muito interessada em ver esta peça da gloriosa Fernanda. Acontece que moro em Salvador e só poderei chegar em São Paulo dia 1o de Julho, 3 dias depois da peça sair de cartaz no SESC-anchieta.
Será que você tem alguma idéia se esta peça ficará em cartaz em outro teatro da cidadde. Meio difÃcil, eu sei, sair dum e em 3 dias estar estreando em outro, mas é o desespero de querer vê-la no palco, coisa que nunca tive o prazer de presenciar.
Ainda mais fazendo uma (senhora!) adaptção (com toques intimistas) duma fase da vida de de Beauvoir.
Obrigada pela atenção
Perdi.
Ótimo texto.
Beijo.
Creio que o representante do patrocinador foi o máximo em sua apresentação; acertando não só em ter fichas, já que não é ele o ator, e concretizando em dizer: “a grande dama”, frase esta como vc disse copiada por muitos.