A Casa do Gaspar ou Kaspar Hauser o Órfão da Europa

Críticas   |       |    12 de janeiro de 2008    |    0 comentários

Devoto de São Pedro

Leia também a crítica de Juliene Codognotto para este espetáculo.

Foto: Sila Costa

Bem, as pessoas foram novamente acomodadas em poucas cadeiras de plástico, logo em frente ao coreto, que serve de palco para o início do espetáculo. Na semana anterior choveu, e pra contrapor a frustração, fomos carinhosamente convidados pra uma massa na Piolín com o diretor da peça, Marcelo Airoldi e parte da trupe. Não rolou jabá, dividimos a conta, como é pra ser, e o Cello (como agora o chamamos) fez algo que me deixou numa expectativa sem tamanho pra ver a segunda apresentação.

Ele nos contou que a sede do Ventoforte havia sido interditada há poucos anos pela prefeitura e que, assim como o Circo Escola Picadeiro – o qual funcionava também ali na região – tiveram seu espaço ameaçado. O Circo Escola se foi, para a tristeza da palhaçaria, mas o Ventoforte ficou. Segundo o Cello, por conta da história do grupo (que você pode conhecer melhor na resenha da Julie, no post acima) e, sobretudo, pela história pessoal do Ilo Krugli, que interpreta o Kaspar Hauser nesta montagem. Então eles tiveram a ótima idéia de colocar o Ilo como Kaspar e um dos muitos nomes da montagem ficou: à procura da casa de Gaspar. Sacou a relação política da peça?

Pois é, e eu fiquei a peça (dessa vez) inteira procurando essa relação nas cenas. Infelizmente ela não chegou. Vi um Kaspar interpretado ali com um cuidado especial de Ilo Krugli, mas ele não parecia procurar uma casa. Alguns anos atrás, tinha visto um Kaspar Hauser no Satyros, com muito mais gente pelada e Ivam Cabral interpretando o papel título. Radicalmente opostos – um jovial, outro com o peso da idade – ambos com muita riqueza, ressalto a interpretação que esconde uma certa sapiência, para além de uma esperada ingenuidade de Kaspar Hauser, que encontrei nesse trabalho de Ilo Krugli. “Air piano” é uma imagem que não vou esquecer.

A peça é andada (no sentido de ter que caminhar um pouco, nada que cardíacos não façam) e no espaço em que está, tem que ser. A sede do Ventoforte guarda a riqueza de um espaço conquistado, por isso o lugar onde todo mundo se acomoda (aquele onde gotejava na semana passada e que tem profunda semelhança com o Galpão do Folias) é tão somente o espaço final do espetáculo. Tem cena que acontece até em cima de iguana (ou representação artística de uma iguana, segundo o tutor de Kaspar ). E pra chegar na iguana, os caras literalmente roubam as nossas cadeiras e fazem delas um caminho para os personagens, de forma que não nos resta outra saída a não ser acompanhá-los.

Tudo muito bem orquestrado com figurinos super cheios de sentidos, uma iluminação simples (tanto que pode ser operada pelo diretor) e um grupo de atores que se mostram afinadíssimos em texto e corpo dos personagens. Vale citar que a montagem ganha muito em riqueza por conta das músicas entoadas por boa parte do elenco e que complementam a aura de universo complexo e diverso da nossa realidade.

Não há catarse. Os atores trocam de personagens. Tem metateatro lá no meio. A Morte conta o final antes do fim. E tudo parece um grande jogo, em que por vezes o público é chamado a participar: seria eu Kaspar Hauser ou o nome que aparece abaixo do título dessa resenha? É isso que senti nesse jogo.

Noves fora, a montagem realmente não é anfíbia, sobretudo se levarmos em conta as cenas abortadas ou adaptadas na semana passada, que desta vez percebemos serem essenciais em forma e conteúdo. O pouco que vimos na primeira vez deixou com vontade de quero mais. Só faltou mesmo resolver essa história da política, que deveria estar no palco já que havia sido anunciada e fazia parte das intenções. Mas, ok, a gente fica procurando a casa e acha outras coisas, por vezes mais ricas que essa discussão de manutenção do espaço, que, espero, tenha terminado com vitória do teatro.

4 bonecos complementam o público

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