BR-3
Do Tietê à Guanabara
Fotos: MaurÃcio Alcântara
Há algum tempo, quando o espetáculo BR-3 ainda estava em cartaz em São Paulo, o diretor Antônio Araújo dizia não imaginar o espetáculo sendo apresentado em nenhum outro lugar que não fosse São Paulo, BrasÃlia e Brasiléia, os três “BRs” que dão nome a peça. Rá, eu sei que São Paulo não começa com BR, mas o bairro da Brasilândia – onde eles ficaram um tempão realizando workshops, estudos e oficinas – sim. Muito tempo depois do fim precoce da temporada paulista, o espetáculo conquista (literalmente) novas águas: as do Rio de Janeiro.
Será possÃvel recriar na baÃa da Guanabara o universo de degradação e sujeira em que era contada a história da famÃlia de Jovelina, digo, Vanda? Essa foi a pergunta que eu fiz quando fiquei sabendo que rolaria o espetáculo no riocenacontemporanea (tem que falar o nome do festival todo, porque se dissermos só Riocena, a galera pensa que o espetáculo é na França – fazer peça em rio dá nisso). A resposta foi sim.
A calha Ãngreme da veia suja de São Paulo foi substituÃda por uma área portuária da zona norte carioca, com plataformas, cais (É, gente, o plural de cais é cais mesmo. Interessante, né?), gigantescos navios cargueiros abandonados e um tequinho da ponte Rio-Niterói. O cenário muda, mas o ambiente imundo permanece, só que bem mais dispersivo – qualquer barulho ou movimento vindo dos morros ao redor ou do porto do Rio é suficiente para desviar a atenção da platéia. O cheiro horrÃvel também se mantém e no mar temos ainda a agradável companhia de mosquitos.
Nesse ponto a dramaturgia do Bernardo de Carvalho também não ajuda – é, de longe, o elemento mais problemático da montagem. Sem meias palavras, é uma bomba: a história dá saltos temporais monumentais e não conseguimos captar a real relação entre os personagens e o que eles efetivamente buscam. Em São Paulo, a linearidade da história e a linearidade proposta pelo trajeto do Tietê ainda dialogavam, dando um pouco mais de sentido a tudo o que vÃamos. No Rio, o barco dá tantos vaivens que a platéia se perde, e a peça fica muito mais longa do que parece.
As imagens em São Paulo eram mais grandiosas, mais bem-resolvidas. O ângulo de que as cenas eram vistas era mais interessante – embora no Rio o som funcionasse muito melhor e o barco, construÃdo exclusivamente para a montagem, tivesse capacidade para mais gente e permitisse uma visibilidade bem melhor para todas as cenas. Foram poucos os momentos que ficaram melhores no Rio de Janeiro do que em São Paulo – só me lembro de dois: aquele em que Jovelina descobre que o marido morreu, e a penúltima cena, no seringal Egito. Em geral, é difÃcil de se resolver essa questão com geografias tão diferentes.
Foi triste demais ver um trabalho hercúleo como esse do Vertigem sendo aplaudido sem grande entusiasmo após um final que no Rio ficou chocho enquanto em São Paulo era apoteótico. No entanto, apesar do resultado final não ser dos mais satisfatórios, é impossÃvel não se impressionar com a encenação caprichada, com a luz impecável, com a cenografia minuciosa e a trilha sonora que mescla a grandiosidade da música clássica com a sujeira corruptora do ambiente. A coragem de encarar um projeto absurdo como esse, em que a única coisa de que se tem controle é o trabalho dos atores, e mais NADA, merece ser aplaudida. Mas bem que eu preferia ver um espetáculo em que tamanho talento não estivesse o tempo todo à mercê de burocracias e logÃsticas absurdas impostas por utopias megalomanÃacas.
120 pessoas querendo entrar num barco com overbooking
Hummmm
Mas você acha que realmente mereceu o Shell?
Ou ainda:
Você acha mesmo que é válido um espetáculo que só pode ser mantido por verba pública (porque ele é muito caro de ser mantido) e mesmo assim cobrar R$ 40,00 o ingresso?
Oi Ronaldo, vou te falar… ano passado eu acompanhei o prêmio Shell muito mais como espectador, então não vi muitas das peças que concorreram com o BR-3. Mas com sua pergunta fui fazer uma lição de casa: eles ganharam direção, iluminação e projeto especial. Vamos para um pout-pourri!
A direção do Tó eu acho excelente, existem imagens e situações criadas ali que são inesquecÃveis (pena que tem o texto do Bernardo Carvalho no meio…). Estou com a peça do Rio na cabeça, mas a de São Paulo era ainda mais grandiosa. Dos concorrentes, só vi Inocência, do Rodolfo, e apesar da inventividade toda que ele (o Rodolfo) propôs para a peça, BR-3 tinha mais grandes momentos.
Iluminação, só não vi Timão de Atenas, cuja iluminação é do próprio Bonfanti, do BR-3. A Noite Antes da Floresta eu nem reparei na luz, o texto e a atuação do Otávio eram muito mais intensos. Em Inocência, a luz da Lenise era apenas mais um elemento na atmosfera estranhÃssima criada pelo espetáculo, e não acho que pudesse ser analisada separadamente. Em BR-3, eu achei excepcional, sobretudo nos momentos em que brinca com sombras e reflexos. No Rio havia cenas em que a sombra dos personagens se projetava no casco de um gigantesco navio abandonado, junto com o reflexo da água se movimentando, numa apropriação fantástica. E eu ficava embasbacado. Mais que merecido.
Projeto especial é uma categoria esquisita, porque não dá exatamente um critério muito objetivo pra analisar. Como não vi Zona de Guerra pra falar da preparação dos atores, e tampouco conferi o projeto de circo-teatro Ferro em Brasa, só me resta falar de BR-3 e da logÃstica de BR-3. Como um concorrente consegue disputar com ele mesmo eu não sei, mas o projeto, por mais buracos que tenha, merece destaque por sua grandiosidade e coragem. Porra, essa megalomania de fazer uma peça flutuante tinha tudo pra acabar em nada (e no fim das contas, quase acabou), e não é que eles conseguiram criar o espetáculo, por mais transtornado que tudo tenha sido (e continua sendo)? Por mais que eu prefira projetos mais bem-acabados e menos vulneráveis, não dá pra ignorar a importância de uma conquista como essa, até como referência pra ocupação de espaços urbanos impossÃveis.
Enfim, acho que apesar dos pesares, foi merecido sim. Ainda bem que não ganhou de dramaturgia… hehehe…
Sobre a questão dos ingressos, é realmente complicada porque o projeto já nasce financeiramente fadado ao fracasso. Acho que é importante cobrar ingresso sim, não como uma forma pÃfia de levantar algum dinheiro, mas pela importância simbólica mesmo – mas pra isso acho que 40 reais é um valor alto demais (aqui no Rio foi 20 a inteira, 10 a meia – preço de festival).
Abração!
Ronaldo,
BR-3 não pôde continuar em São Paulo justamento por problema de grana, aluguel de barco, essas coisas. Mesmo com ingresso caro e verba pública, eles não conseguiram se manter. Certeza que eles não ficaram com quase nada de grana pro grupo.
É bem diferente do que quando cobram caro pq o elenco é famosos e os salários são altos. Quando a bilheteria não se justifica.
Tb acho válido esse espetáculo. Só vi em SP, mas foi uma experiência teatral mto boa. O espetáculo não funcionaria em outro espaço urbano e nem em um espaço fechado. Como o Mau já disse, o que menos importava era a dramaturgia.
Bjos.
foi muito, mas muito mais intensa aqui em são paulo, talvez pelo fato que o maurÃcio apontou sobre a dispersão da atenção. a única cena que achei absolutamente melhor no rio foi a do seringal.
ainda a vejo mais como um exercÃcio teatral do que como uma peça, assim, ao pé da letra. e a acho muito válida desse jeito mesmo.
uma coisa é certa: ela funcionou bem no tietê e não funcionou direito na baÃa de guanabara. brasÃlia tem o lago paranoá e brasiléia tem um rio (o google maps me mostrou). será que funcionaria?
Olha… eu até entendo. MAs ainda assim (por tudo, por tudo o que houve, há e etc…) Ainda assim, eu acho de uma patifaria sem tamanho.
MAs enfim, deixa quieto.
Obrigado pela resposta.
Como achar um projeto de Antonio Araújo uma patifaria? Não há argumento que sustente uma afirmação dessa… Um dos diretores mais interessantes do Brasil, que faz páreo com Zé Celso, Antunes… patifaria é um termo que não cabe em nenhum momento do processo de realização de um espetáculo do Vertigem. Desde Marilena Ansaldi com Clitmenestra até BR-3 Antonio Araújo tem se mostrado Ãntegro com seu propósito artÃstico. E quanto a cobrar 40 reais por um ingresso acho que o Sr. Ronaldo se confundiu com os 400 cobrados pelo Circo de Soleil, que tinha patrocÃnio via Lei Rouanet, logo, dinheiro meu, teu, nosso. Quatrocentas pilas não tem justificativa, agora, 40 reais é quase que simbólico por uma montagem dessa envergadura.
Repito, nada justifica chamar BR-3 ou Teatro da Vertigem ou Antonio Araújo de PATIFARIA.
Esse é justamente o problema de tentar conversar… No meio teatral a gente não pode falar d Tó, do Zé Celso, Do Antunes, da Denise Stocklos… Porque sempre vai ter alguém que toma as dores… É como falar mal do Harry Porter, do Star Wars, Senhor dos Anéis… Fã é fã, isso não muda (na verdade – na maioria das vezes – eu acho até saudável)E naõ dá para discutir.
E todo mundo que é artista sabe a tremenda palhaçada (no pior sentido) essa questão do Cirque. Mas o que pouca gente sabe é que quem cobrou o ingresso no Saltibanco foi o Bradesco. O Cirque vendeu um espetáculo fechado. Quem admitiu que o preço era justo, foi o público. (eu não incluso). Claro que como toda empresa, viu que pode cobrar isso, e agora vai cobrar mesmo.
Mas, para deixar claro, NÃO sou a favor disso.
Mas, olha, não se incomode com a minha opinião. Não compensa.