Cordel do Amor Sem Fim

Críticas   |       |    22 de janeiro de 2008    |    1 comentários

Peça em Movimento

— Eu sou aposentada! Eu não pago para andar de ônibus! — brinca uma senhora ao lado da fila da peça Cordel do Amor Sem Fim, para um dos produtores do espetáculo, que explicava o porquê de todos pagarem os mesmos R$ 2,30 pelo ingresso, o preço do busão em São Paulo.

— É! Eu sou estudante, deveria pagar R$ 1,15! — comenta, entre risos, um rapaz na fila, que demonstra conhecer a senhora pelo seu tom maroto.

Neste clima de excursão escolar, os espectadores aguardam o início de Cordel do Amor Sem Fim, peça da Trupe Sinhá Zózima que acontece dentro de um ônibus, com partida no SESC Consolação. Enquanto esperamos a autorização para entrar no veículo, fico sabendo que o espetáculo já havia sido encenado anteriormente, com outras canções no repertório, e que o ônibus é o mesmo usado pelo grupo Parlapatões, em O Pior de São Paulo — ou seja, se você tiver um ônibus parado em sua garagem e não sabe o que fazer com ele, o mercado de espetáculos rodantes está em alta na cidade.

A história é simples, daquelas de amores infelizes no melhor estilo Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade. No interior de Minas, Teresa (Tatiane Lustoza) está prestes a se casar com José (Fernando de Marchi), quando aparece Antônio em seu caminho. Apaixonada pelo novo rapaz, Teresa promete esperar Antônio voltar, para desespero de sua irmã mais velha, Madalena (Vanessa Cabral), e alegria de sua outra irmã, Carminha (Evie Milani), louca de amores por José. Com isso, Teresa fica esperando, esperando seu novo amor, enquanto José enlouquece, Carminha fica sozinha, Madalena continua com pânico de sair de casa e Antônio nunca aparece… Podem ficar tranqüilos, esses não são exatamente os finais dos personagens (ainda não somos estraga-prazer suficiente pra contar o final da peça… só em alguns casos), e muito menos o principal atrativo do espetáculo.

A peça ganha suas estrelinhas douradas na testa por conseguir juntar a pesquisa baseada no universo sertanejo e suas modas caipiras de viola, com o espaço urbano de São Paulo, em um clima intimista dentro do ônibus, tão intimista que você é capaz de sentir os perdigotos voando da boca dos atores para o seu braço. As músicas, com um narrador (Anderson Maurício) tocando sua viola ao vivo, dão um aspecto de fábula e lenda regional à história. A atriz Priscila Reis (no programa, diz que o personagem dela é a Água, mas não tinha reparado até então) também canta junto com o narrador, e expressa as emoções dos outros personagens.

Na cidade paulista, o uso do busão como espaço de encenação ganha um significado diferente do que teria se fosse apresentado em cidades como, por exemplo, Fernandópolis, no interior de São Paulo. Aqui na capital, onde as pessoas podem, durante a necessária rotina, passar 3h30 diárias em um ônibus (experiência pessoal, infelizmente), entrar por diversão num desses transportes para passear pelo trânsito por 50 minutos sem se preocupar em chegar rápido dá um re-significado ao tempo — presente na figura do ônibus. A trupe Sinhá Zózima conseguiu explorar o movimento natural do ônibus, relacionando seu aspecto de estar sempre de passagem e em movimento, com a vida dos personagens. Em um momento, quando Madalena sugere que todos esperem juntos a volta de Antônio e o ônibus pára, você se pergunta: ué, tava andando!?!? E se torna angustiante permanecer estagnado num ponto qualquer de São Paulo, esperando a volta de Antônio.

Sem a necessidade de uma história mirabolante e complexa, a simplicidade e técnica da encenação dão conta do recado: com boas atuações, um espaço cênico muito bem adaptado, com mini-canhões de luz e uma disposição de platéia que, apesar de não permitir enxergar direitinho todos os pontos do ônibus, não proporciona prejuízo nenhum do conteúdo e estética das cenas. Não sei se foi só no dia em que eu vi (quem sabe?), mas o ônibus conseguir chegar na frente do SESC Consolação em sincronia perfeita com o final do espetáculo — nesse caso, ou a produção foi extremamente cuidadosa, ou o motorista tem a habilidade de calcular o trânsito paulistano ou foi pura sorte mesmo.

 5 perdigotos no braço 

Adendo: Alguns espetáculos aderiram a uma onda de distribuir brindes no final de suas apresentações. Após ganhar uma hidratação no cabelo em uma peça espírita e perder no sorteio de um livro em um monólogo, agora, ao término de Cordel do Amor Sem Fim, eu e os outros passageiros ganhamos Revistas Piauí. Por isso, continuarei indo ao teatro na esperança de ganhar uma bicicleta e um iPod.

'1 comentário para “Cordel do Amor Sem Fim”'
  1. Oi Leca, valeu seus comentários e estrelinhas douradas, bom q. vc. tenha “viajado” conosco, participação do público neste espetáculo é vital, inclusive para os “perdigotos”. Quanto ao brinde, a gente torce para que as pessoas descubram leituras diferentes, assim como descobri a Revista Bacante. Realmente a gente tem uma produção q. prima pelo cuidado, nem todo mundo percebe, mas sabemos q. está lá; e o itinerário é um deles, a Priscila que o diga, zanzando comigo por duas horas ininterruptas até a gente conseguir adequar o caminho aos 50′ de peça, claro q. a gente deixa uma reserva na mão do Lobão, aquele que “dirige o espetáculo” e a quem somos muito gratos.
    Um abração, Leca, valeu!
    Ps: “O Pior de São Paulo” utilizava um ônibus de fretamento. Um gde. beijo pro Hugo tbém, mestre!

O que você acha?

A Bacante é Creative Commons. Alguns direitos reservados. Movida a Wordpress.