A Pedra do Reino
Nos Sertões de Antunes
Fotos: Adalberto Lima
Na discussão que sucedeu meu texto sobre o projeto Prêt-à -Porter, de Antunes Filho, perguntaram-me se eu tinha visto A Pedra do Reino, do mesmo diretor. Eu disse que não e prometi que veria. Como promessa é dÃvida e eu não tenho a menor intenção de ir até o SESC Santana para ver tal espetáculo na temporada 2008, decidi conferir uma das derradeiras apresentações no teatro Anchieta, do SESC Consolação.
Ainda no saguão, dois grandes grupos chamaram a atenção: um de senhorinhas e “senhorinhos”, risonhos e serelepes, que demonstravam grande contentamento por estarem prestes a assistir (ou talvez rever, nunca se sabe) o trabalho de um aclamado encenador – muitas pessoas adoram ver espetáculos de gente aclamada, independentemente do que seja. O outro grupo era de adolescentes – pareciam ter uma média de dezesseis ou dezessete anos (as velhinhas do outro grupo diriam que jovens dessa idade são terrÃÃÃveis) – e ao que entendi, encontraram ao acaso um professor que também assistiria à peça.
Como não sou o maior exemplo de educação, fiquei um tempo ouvindo o que os adolescentes conversavam. Comentavam sobre a peça e nenhum deles parecia saber exatamente o que veriam ali. O professor fez uma breve introdução e um jovem comentou que um amigo assistira duas vezes, “porque a história era densa”. Com a campainha do sinal, fui obrigado a parar de ouvir a conversa alheia (ô coisa feia!) e me dirigir ao meu lugar.
Então, começa o espetáculo, conduzido por Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, protagonista-narrador que, a partir do cárcere, conta em tom de palhaçada sua trajetória desde a juventude até a prisão e o julgamento durante o Estado Novo. Em muitos momentos é possÃvel lembrar de Os Sertões, do José Celso “Todo-Mundo-Pelado” Martinez Corrêa, pelas coincidências da história de Quaderna e da saga do Antônio Conselheiro (vivido por Zé Celso), e também pela linguagem lúdica utilizada por ambos os encenadores para construir o ambiente do sertão brasileiro, com figurinos, danças e músicas inspiradas na cultura popular regional. Também se assemelham ao trazerem elencos gigantescos e desnivelados, cujas irregularidades são amenizadas pela força coletiva do coro.
Antunes se dá melhor ao construir um Quaderna cômico e anti-heróico, muito diferente do Conselheiro clássico, idealista e incorruptÃvel vivido pelo bom velhinho do Teatro Oficina. Por outro lado, Os Sertões apostam muito mais em uma visceralidade que rompe quaisquer fronteiras entre público e elenco, permitindo à platéia uma imersão muito maior no universo da peça e do nordeste brasileiro (e a escandalização do público que não estiver preparado também, sempre vale salientar).
Enquanto Zé propõe uma ocupação total da área do Oficina e de seu entorno, Antunes prefere permanecer em seu palcão italiano, que fica nu do inÃcio ao fim do espetáculo (agora tô falando do palco, não do Zé). O que preenche o espaço é o imenso elenco, que colore tudo com figurinos, adereços, danças e canções executadas ao vivo. A música preenche o palco até mesmo quando este está vazio, com a turma do Antunes lá atrás bebendo uma agüinha, e dá uma proporção muito maior para aquela caixa preta que vemos. As marcações são precisas e funcionais – mesmo com tanta gente em cena, não dá tempo de se instaurar o caos: quando menos se percebe, o coro já assumiu uma forma, e nesses momentos a platéia se enche de sorrisos.
O grande problema está justamente nos momentos em que isso NÃO acontece: a peça fica muito tempo nas mãos do personagem-narrador que é obrigado a assumir monólogos descritivos para dar coesão a tudo o que se diz no palco – porque na adaptação da prosa para a cena, por mais bela que seja sua participação, o coro não foi suficiente pra contar a história. Nessas horas, a estrutura dramática se dissipa (e olha que nem é a proposta do Antunes entrar na modinha do pós-dramático!). Resultado: o espetáculo de uma hora e meia fica um muito, mas muuuuuito chato, e parece não acabar nunca. Essa é possivelmente a razão que fez com que o amigo do adolescente da platéia assistisse duas vezes para entender: no palco, a verborragia diz muito menos do que o movimento, as cores e o canto.
No final, fico com duas questões na cabeça, e gostaria de dividir com você, intrépido leitor. Ou melhor, três questões. 1) O que quer dizer intrépido? 2) Alguém sabe explicar, afinal, esse fetiche que o Antunes tem com guarda-chuvas? 3) Se eu tivesse que classificar o espetáculo com estrelinhas, como fazem os jornais, as revistas e as professoras do primário, seria mais coerente dar muitas delas pelos momentos criativos, divertidos e estimulantes, ou nenhuma delas pela chatice sem-fim que a narrativa assume desde o princÃpio, com todo o blablablablablá do Quaderna?
1 crÃtico em dúvida
Intrépido segundo o mais famoso pai dos burros Aurélio, significa corajoso, firme, audaz. Obrigada por chamar a nós, os leitores de corajosos. Sobre fetiche à respeito dos guarda-chuvas de Antunes ainda não tenho uma teoria, talvez seja amante do frevo, talvez tenha visto muito “Hoje é Dia de Maria”. Sobre as estrelinhas, faça como o Professor Girafális, cole uma estrelinha dourada na testa do sujeito. Pelo menos pela participação.
Talita, os leitores da Bacante são muito corajosos, de acompanhar as bobagens que escrevemos… obrigado pela intrepidez!
Sobre os guarda-chuvas, a teoria do frevo é forte. Preciso pensar um pouco mais a respeito.
Sobre a estrelinha, vou carregar na mochila. Vai que encontro com ele na rua qualquer dia…