Prêt-à-Porter 8

Críticas   |       |    9 de julho de 2007    |    4 comentários

Pronto para usar, mas por quem?

Há pouco tempo fiz uma oficina de um processo colaborativo e, no meu grupo, caiu uma atriz que passou pelo CPT de Antunes Filho. Durante todas as discussões ela insistia que aquilo que estávamos fazendo era inútil e que quando ela fazia Antunes, fazia muito mais sentido todos ficarem parados, um observando o outro, até que a cena viesse. Aquilo ficou em minha cabeça por um bom tempo por dois motivos: primeiro porque a menina era uma mala sem alça e acabou com a oficina para mim, e segundo porque eu não acredito que epifanias substituam as discussões coletivas.

Este momento “querido diário” tem tudo a ver com o espetáculo Prêt-a-Porter 8, em cartaz no Espaço CPT no SESC Consolação. Desde que eu comecei a me interessar por teatro e a procurar pelas peças no guia dos jornais, sempre vi esse tal de Prêt-a-Porter em cartaz, em diferentes edições. E nunca vi nenhum porque me lembro de um amigo dizendo, lá na minha recente adolescência, que era chato.

Pois bem, agora que eu sou gente grandinha e já faz alguns anos que me meti com esse mundo de teatro, decidi conferir qual era a desse projeto que há tanto tempo ocupa seu espaço nos guias semanais. Trata-se de uma pequena mostra de cenas criadas e dirigidas pelos atores do Centro de Pesquisa Teatral do SESC e coordenadas pelo velhinho Antunes Filho.

Ao entrar no espaço o público encontra sobre as cadeiras (não consigo entender o porquê de serem numeradas, uma vez que são tão poucos lugares) o programa, que logo na contracapa traz uma citação de Gilberto Freyre: “Acredito que nunca ficarei completamente maduro nem nas idéias, nem no estilo, mas sempre verde, incompleto e experimental.”

Inicia-se a primeira cena: dois grandes amigos de faculdade se reencontram após muitos anos e, ao longo do diálogo, percebem o tamanho de sua amizade e da importância de um para o outro, mesmo apesar da distância. Na segunda cena, uma esquete cômica de duas amigas caricatas (que em alguns momentos beiram a boçalidade, mas conseguem nos tirar risadas) conversam sobre o Natal, sobre seus planos e esperanças. Na última cena, dois homens conversam sobre a beleza da morte, compartilham um com o outro seus planos macabros de como serão seus respectivos velórios e discutem qual a forma mais interessante para se morrer.

Depois de ver as três cenas, percebo que o que aquela chata de galocha da oficina tinha comentado acontece em todos os três diálogos. Cada um traz dois personagens que ficam sentados e simplesmente conversam. Os textos são ágeis, os atores realmente demonstram conhecê-lo e reagem com o timing ideal, há ótimas interpretações (ok, algumas nem tanto), mas praticamente não há ação. As três cenas, não fosse a elaboração dramatúrgica, seriam certamente monótonas.

Após o primeiro diálogo, uma garota na platéia comenta com o namorado “É numa cena dessas que a gente vê quanto conhecimento eles têm!”, um comentário fútil, reflexo da redoma de vidro que se estabelece em torno de Antunes, de seu centro de pesquisa e de tudo o que se produz lá. Por não ter achado a cena nenhuma demonstração de conhecimento acima da média, as perguntas que me fiz foram outras.

Onde afinal está a tal pesquisa teatral proposta pelo próprio nome do CPT? Onde está o experimentalismo proposto pela citação de Gilberto Freyre na contracapa do programa? Lembrando da insegurança irritante da chatonilda da oficina, pergunto mais: onde está a ousadia e a coragem de se propor algo sem o medo de errar? Qual o propósito de uma pesquisa que não vai além do que já está estabelecido?

Não acompanho de perto o trabalho de Antunes Filho e pode ser que eu esteja falando uma grande bobagem, mas o pouco que vi em cena nos últimos anos não reflete essa pesquisa e este experimentalismo propostos. Não questiono a importância do diretor na história do teatro nacional, mas bem que gostaria de jogar uma pedra pra quebrar essa redoma ao seu redor. Seria bem bom vê-lo propondo inovações, questionamentos e provocações de verdade sobre o fazer teatral brasileiro contemporâneo, assim como continuam fazendo outros grandes nomes também “das antigas”, como Zé Celso e Gerald Thomas.

3 peças nada experimentais (ao menos não no resultado)

Confira também a crítica de Daniele Ávila para o Prêt-à-Porter 9.

'4 comentários para “Prêt-à-Porter 8”'
  1. Maria Clara disse:

    Eu assisti um ‘Prêt-a-Porter’ faz tempo já. Lembro que gostei muito. Da forma de atuar dos atores. Da segurança. Diria da ‘profundidade’. Nunca mais vi nada do Antunes, infelizmente. Mas ficam aqui alguns questionamentos (provocações?) nada inovadores pra você, Mau: Você assistiu ‘A Pedra do Reino’? Não seria mais correto analisar o trabalho do Antunes por um espetáculo ‘concebido’ por ele? Eu não vi ‘A Pedra do Reino’, nem nenhum espetáculo do Antunes. Mas gostaria de saber sua opinião sobre esse último.

  2. Maurício Alcântara disse:

    Maria Clara, repare que esta crítica não é ao trabalho do Antunes, mas sim à incoerência que há entre a proposta e o resultado do CPT, ou ao menos ESTE resultado. Não é nem questão de certo ou errado, mas acho natural esperar mais de um centro de pesquisa tão consagrado e coordenado por um nome tão importante na história do teatro brasileiro…

    Mas confesso que não vi a Pedra do Reino. Na época que estava em cartaz ensaiei de assistir várias vezes, mas amigos com gostos em comum me desestimularam… Como na época ainda não existia a Bacante e eu só ia ao teatro por gostar, sem esse comprometimento de escrever e analisar, eu realmente só ia atrás daquilo que eu tinha mais certeza que ia gostar mesmo… Mas agora em agosto volta ao cartaz, e prometo que assisto para escrever aqui.

  3. Daniele Avila disse:

    a Pedra do Reino tá em cartaz aqui, mas tô sem coragem de ir ver. Vi duas peças terríveis do Antunes: uma de vampiro que era uma grande bobagem, e uma tragédia grega pseudo-ambientada em Ellis Island, na qual as mulheres rolavem no chão e carregavam os homens mortos nos braços, que eram umas coisas medonhas que pareciam aqueles bonecos de Olinda.

  4. Maurício Alcântara disse:

    É, Daniele. Também tenho medo dessas coisas… E não haveria mal nenhum em diretores consagrados fazerem besteiras (e como fazem!), agora, inadmissível mesmo é todo mundo ficar incensando essas besteiras o tempo todo, como se tudo o que esses caras fizessem valesse ouro…

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