Crónica de José Agarrotado – Menudo Hijo de Puta

Críticas   |       |    23 de setembro de 2008    |    4 comentários

¿Estás Ahí?

Foi no Festival de Rio Preto, após um espetáculo holandês/brasileiro chatíssimo, que um crítico comentou o quanto somos ingênuos de entrar numa sala com alta expectativa só porque o espetáculo a ser visto vem do exterior. Isso não quer dizer que tudo o que rola lá fora vale a pena, mas que sempre há um voto de confiança nas apostas de nossos queridos curadores – afinal não deve ser barato ou fácil trazer uma porção de coisas que aportam por aqui nesses festivais.

Claro que, com esse “voto de confiança”, muitas vezes ignoramos (ou fingimos ignorar) que esses curadores têm, eles próprios, suas preferências, opiniões esquisitas, rabos presos e, claro, amizades – todos critérios suficientemente obscuros que podem resultar em ótimas surpresas, mas que também fazem pensar na qualidade e na relevância de boa parte da grade “internacional” de nossos festivais (que acaba ganhando mais destaque do que as atrações nacionais e regionais).

Foi a curiosidade de saber o porquê deste grupo espanhol para mim desconhecido, o loscorderos.sc, ter sido escalado para o Porto Alegre em Cena, que comprei o ingresso antecipadamente para uma das apresentações no SESC Santana. Bom de morar em São Paulo é que o SESC, oportunamente, sempre tira uma casquinha dos principais festivais. Além de tudo, Crónica de José Agarrotado – Menudo Hijo de Puta tem palavrão no título! Imperdível, né?

Antes da apresentação, pra não ir para o teatro sem saber o que me esperava e (muito) desconfiado desse meu critério “Espanha + palavrão = qualidade”, comecei a ler alguma coisa sobre a peça e achei alguém comentando se tratar de um espetáculo de teatro físico. Ao ler essas duas palavras, reações físicas me acometeram: minha espinha se arrepiou e minha garganta se fechou só de lembrar de algumas peças que vi que traziam muita virtuose corporal e pouquíssimo (ou nenhum) diálogo com o público não-iniciado nessa vertente (em que eu também me enquadro).

Para meu alívio, não, este não é exatamente o caso do Menudo. Havia sim muito trabalho corporal por parte dos dois atores em cena, sim, com uma pontinha de exibicionismo (talvez um pouco espetaculoso demais para a proposta), mas tudo muito contextualizado. O tempo todo havia a provocação sobre aquelas duas figuras que vemos em cena: um homem em conflito com sua cota pessoal obrigatória de esquizofrenia? Personagens de relações amorosas fragmentadas ou que não conseguem se estabelecer?

A base para construção deste personagem (ou destes personagens) é o cotidiano, sem reduzir o termo “cotidiano” à mimese robótica e naturalista do dia-a-dia – aqui vale mais um cotidiano individual e interior de quem é recheado (tipo bolacha de chocolate) de conflitos e contradições. Essa polifonia fica ainda mais cheia de lacunas (grazadeus) devido aos figurinos similares dos dois atores, às ações espelhadas, à partitura física compartilhada – tudo isso somado a tudo o que acontece no grande palco com pouquíssimos elementos faz com que qualquer interpretação racional da platéia sobre quem sejam aquelas figuras se contradiga cena após cena.

Só é uma pena que o programa da peça não embarque na proposta, destruindo toda essa multiplicidade ao mencionar um “alter-ego” na sinopse (assinada pelo próprio grupo – ainda que de forma poética e dúbia). Ao menos se houvesse no folheto outras leituras possíveis, pluralizando e relativizando leituras e visões, o folheto não só não “contaria o final” (até porque não há exatamente um “final” a ser contado) como também deixaria de ser pura (e tosca) publicidade póstuma e daria algum sentido artístico ao registro das duas apresentações. Mas nos textos que acompanham essa sinopse a mocinha do órgão espanhol responsável pela temporada preferiu promover um marketing básico, enquanto Danilo Santos de Miranda não falou coisa alguma (como sempre). Mas deixa pra lá, isso é assunto para outra critica.

4 gestos esquisitos com as mãos a cada cigarro aceso em cena

'4 comentários para “Crónica de José Agarrotado – Menudo Hijo de Puta”'
  1. […] FIT 2009 será possível conferir Crónica de José Agarrotado, que esteve em cartaz no SESC Santana em 2008. Rainh[(a)]s – duas atrizes em busca de um coração […]

  2. […] apresentação de Crónica de José Agarrotado do dia 17, no Teatro Municipal, o momento mais emocionante foi a entrega do troféu São José […]

  3. […] [pausa] LSD!” – na peça Crónica de José Agarrotado, não sei em que momento, mas valeria pra qualquer […]

  4. Onde posso assistir ao espetáculo, pois na revista da folha de domingo, dia 24, informava no SESC Santana. Telefonando lá ninguém sabia do assunto!
    Aguardo notícias.
    grata,
    Mercedes

O que você acha?

A Bacante é Creative Commons. Alguns direitos reservados. Movida a Wordpress.