Eu estava em minha casa e esperava que a chuva chegasse

Críticas   |       |    22 de outubro de 2007    |    0 comentários

Lagarce + Bergman = Peça de nome muito comprido

Nenhum dos personagens tem nome: tem a mulher mais velha, a mãe, a irmã mais velha, a irmã do meio e a irmã mais nova. As cinco vivem em uma casa onde esperam ansiosamente pela volta do filho que havia sido expulso pelo pai muitos anos atrás. O pai já não vive mais entre elas. Todas as mulheres chamam o “Godot” da família de caçula , ainda que ele não seja o mais novo. E eis que um dia, diferentemente do Godot de Beckett, este chega, moribundo. Enquanto ele descansa (ou desfalece), as cinco mulheres dividem suas ansiedades, expectativas, ilusões e frustrações que surgem (ou ressurgem) com a volta do filho pródigo.

Eu estava em minha casa e esperava que a chuva chegasse, do dramaturgo francês Jean-Luc Lagarce, lembra muito outro texto do mesmo autor, Apenas o Fim do Mundo: a história de um filho que volta para casa para dizer que está morrendo. Basta começarem os diálogos sagazes e poéticos para percebermos que não se trata de picaretagem do dramaturgo, mas sim de duas obras complementares e que mostram os dois lados de uma mesma realidade. Enquanto em Apenas o Fim do Mundo a historia é contada sob o prisma daquele que é esperado, em Eu estava… vemos as angústias daqueles que esperam.

A montagem em cartaz no SESC Avenida Paulista acerta em cheio ao optar pelo minimalismo na hora de montar este texto. Em cena, apenas um gigantesco tapete vermelho e seis cadeiras que simbolizam os lugares que cada personagem ocupa dentro da casa. Cada uma das (ótimas) atrizes tem sua cadeira adornada com a pompa e os detalhes que cabem a cada posição na hierarquia doméstica. Na extremidade do tapete, a maior das cadeiras, vazia, aguarda o retorno daquele que um dia foi forçado a sair da casa.

A imensidão vermelha onde o espetáculo acontece, a luz que brinca com as sombras e o texto angustiante tudo têm a ver com a possível referência (como bem foi apontado na Folha) aos filmes de Ingmar Bergman, entre eles o belo e angustiante Gritos e Sussurros, em que as mulheres de uma casa se vêem forçadas a conviver com a doença e a iminência da morte. Na verdade, eu não sustentaria essa referência com tanta certeza, não fossem, além de tudo, os solos de violoncelo que fazem parte da trilha sonora – e que são marca registrada do cineasta sueco. No fim das contas, o resultado é uma combinação na medida ideal para construir um espetáculo limpo e preciso.

4 milhões de ácaros fazendo a festa no tapetão

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