A Festa de Abigaiú

Críticas   |       |    5 de novembro de 2007    |    5 comentários

Espelho, Espelho meu…

Foto: Divulgação

convite.jpg

O release está em todo lugar. Lá você descobre que a Festa de Abigaiú apareceu no Cultura Inglesa Festival (porque o autor é um inglês) e tem uma linha de dramaturgia “realista e popular”. Esse ponto é o que espanta, porque pra cair numa encenação realista limitada, era meio caminho andado. Ainda mais no Teatro Augusta, onde a peça faz nova temporada, e cujo público é o pessoalzinho da meia marguerita, meia portuguesa, assíduo do teatro naturalista que “a gente vê por aqui” em São Paulo. Outro dado importante: quando fui conferir, a peça estava na lista das dez melhores em cartaz em Veja e ao mesmo tempo indicada no blog do Mário Bortolotto. Obviamente fui com medo.

Na última vez que passei pelo Teatro Augusta, quis trazer a questão do uso do espaço teatral e seu entorno. Este é exatamente o ponto pra onde quero retornar e explicar que, apesar dos meus diversos preconceitos, assistir essa montagem acabou sendo uma experiência muito bacana. A cada dia, reparo que o difamado palco italiano tem como ser subvertido das formas mais criativas. Frank Castorf, diretor alemão, no seu último trabalho apresentado por essas bandas, mostrou que a profundidade do palco italiano pode ser infinitamente ampliada com o uso do vídeo e que a quarta parede pode ser criada de verdade, se for o caso de esconder o espetáculo. A Festa de Abigaiú nos mostra que o palco italiano pode ser um espelho.

Na platéia, a classe média cult paulistana, no palco, a classe média londrina dos anos 70. Cada personagem “tem um fundinho de real” mas não deixa de ser uma caricatura. Os estereótipos se juntam quando o corretor que trabalha sem horários fixos e sua esposa – frívola, irritante e falsamente bem intencionada com os vizinhos – promovem um encontro para integrar o pessoal da vizinhança. Aparecem, então, o casal de yuppies que acaba de chegar no bairro, gente sem modos de burguesia, mas que está tentando se adaptar e, sozinha, a mãe de Abigaiú (aquela do título), divorciada, pra quem o encontro veio a calhar: ela precisava sair do seu apartamento pra que a filha pudesse festejar à vontade com os amigos. Susan, uma mãe muito compreensiva , deu um jeito até de mandar o irmão de Abigaiú pro apartamento de outro vizinho. Tudo pelo sucesso da festa da filha.

O texto caminha por aquela corda bamba em que textos de Nelson Rodrigues costumam caminhar. Tudo pode ser encarado como absurdo e ao mesmo tempo absolutamente normal. A caracterização individual muito diversa de cada ator nos deixa sem saber o que esperar desse encontro. Há claramente uma casca a ser quebrada desde o início do espetáculo. A ação acontece de forma tão natural que é impossível não suspeitar que, por trás daquela história de uma festa de classe média, haja uma crítica severa à mediocridade das pessoas que nela estão. Os medos idiotas do que acontece na casa ao lado; a indelicadeza dos vizinhos novos; os problemas em lidar com o divórcio e os novos modelos de “família”; tudo que encontramos facilmente num churrasco do último personagem de Prego na Testa, encenado por Hugo Possolo, e, claro, em boa parte das festas de família.

A Festa de Abigaiú, por encarar de forma tão séria cada linha do texto dos personagens, torna-se uma comédia que espelha a vida de boa parte da classe média paulistana. Não há como deixar de relembrar parentes parecidos com aqueles personagens que se apresentam no palco. Sempre parentes. Sempre o outro. Nunca nós mesmos.

5 primos de segundo grau no palco

'5 comentários para “A Festa de Abigaiú”'
  1. Carolina disse:

    Olha Fabrício, com o devido respeito e vênia a quem gostou, devo dizer que achei a peça bem fraquinha… na verdade, nem consegui identificar se o problema está no texto, nos atores ou na própria história, só sei que deu sono (não foi só em mim) e foi chato, tipo, deu vontade de ir embora, acredita? jamais indicaria a alguém… só salvou mesmo a personagem “Angela”, cuja atriz parece ser muito competente e, quiçá, mais de acordo com o que eu chamaria de “comédia”…

  2. Fabrício Muriana disse:

    Pô, Carolina… Não acho que você deva respeito a quem gostou quando emite sua opinião. Por mais que seja discordante, é tua opinião. Só acho que assim: a gente diz que uma peça é bem “fraquinha” quando? Aí na contrapartida te pergunto: quando uma peça é bem “fortinha”? Você já assinalou bem: identificar o que te incomoda é um caminho. Talvez neste ponto, que você pode encontrar, esteja exatamente o que te motive uma reflexão. Por que você não gosta? Dar vontade de ir embora é sinal que te tocou de alguma forma. Pode ser que não seja o que o diretor e grupo querem… mas aí já é outro ponto.
    Indicar pra alguém é um negócio tão relativo. Não sei se você é amiga do Willian Bonner ou do Zé Celso. Dá pra me entender? E por fim, o que é que você “chamaria” de comédia?
    Sei que estou fazendo o papel do mala, mas é que realmente não entrei em nenhuma questão de gosto, nem me propuz a analisar atuações. A parada tava em outro plano. Outra brisa, como diriam meus amigos maconheiros. Claro que você pode propor outra discussão. Mas nessa nova, do seu comentário, eu te questiono um monte de coisas. Abração e espero que você consiga responder esse tratado.

  3. Carolina disse:

    Então… (eu, de novo), sabe, você não está sendo mala; aliás, fui eu quem invadiu sua página. E o fiz mais para colocar uma opinião na web que por fazer questão de externá-la, explico: muita gente lê a sinopse e a categorização pela Veja SP e joga no Google, como eu. Daí vai, pra assistir a uma comédia, como foi classificado, pretendendo voltar com a bochecha doendo, a cabeça saneada ao mesmo tempo em que pensante e as pernas formigando, porque nem se lembrou de descruzá-las (isso é aceitável como um conceito subjetivo de comédia para um alguém, como eu, a quem a simples sátira por sátira não basta, sendo necessário um mínimo de humor inteligente?).
    Pois bem, lá pelas tantas, mais da metade da peça já rolou, e você já nem se lembra mais o que foi fazer ali, só pensa em ir embora o quanto antes, pra não ficar pra trás no estacionamento e pra chegar logo no restaurante mais próximo.
    Sei que você não tocou em nenhuma questão de gosto; o fato é que, antes de ir pra tal festa da Abigaiu, procurei ansiosamente por opiniões despretensiosas na internet, li sua resenha, inclusive. Não achei nada. Queria uma opinião mortal e descompromissada. Uma opinião de platéia. Fui no escuro e voltei na chuva, com a cabeça mais pesada que o resto do corpo, pensando que seria melhor ter ficado em casa estudando. Decepção total e raiva das 4 estrelinhas dadas pela Veja. (Um de meus amigos dormiu e, quando acordou, achou estranha aquela televisão enorme!)
    Não sou tão assídua de teatros, mesmo porque na minha cidade quase não há movimentação, não tenho tanto conhecimento literário no assunto e também nem pretendo ter, mas sou avessa ao mau uso do dinheiro e do tempo – é, porque fiz mau uso de ambos indo à festa.
    Segui seu conselho (levo a sério opinião de gente inteligente), refleti, revi a peça mentalmente (urgh!) e nada, juro, nada!, nada me tocou, de nenhuma forma; nenhum impacto na minha vida, nem subliminarmente. Sério. Não acrescentou. Será que tem algo torto comigo?
    Enfim, adentrei seu blog e botei a opinião que tanto procurei (botei em lugar errado?), na esperança de contribuir com as futuras decisões de ida de outros internautas.
    Quanto a indicar, você não acha importante? Eu sei que é relativo, mas não é pra ser? Escolher amigos também é relativo, envolve afinidades, e meus amigos – dos quais não constam Bonner ou Zé Celso – não iriam assistir a uma peça, com tantas outras opções em cartaz na capital, se eu dissesse que essa é bem fraquinha (o que significa “bem ruim”, caso não seja necessário pedir vênia a quem gostou).
    Bom, é isso. Agora, relendo o que acabei de escrever, lamento a extensão desse adendo ao seu tratado, com o qual espero tê-lo respondido.

    PS: Pelo nome dessa digna revista, suspeito que conheça o Zé Celso; se puder nos apresentar, ficaria muito feliz, pois esse sim é um sujeito que dispensa indicações.

  4. Fabrício Muriana disse:

    Carolina

    É pouco, mas consegui fazer você rever a peça na sua cabeça. Só com essa conquista, te digo: gostei sim da peça. E mais, fui pra não gostar, já que o espaço do teatro Augusta sempre me parece meio estranho.
    Sobre o quanto você espera rir ao ir numa peça de humor, acho que você está esperando demais.
    Mas assim, sobre indicar pros amigos, indiquei e indicaria de novo. Mas você entende como isso é pouquinho? (pros atores é muito, já que dependem de público para existirem. Mas pra uma crítica é pouquinho pouquinho). Enfim, espero que você faça considerações sinceras sobre o que achou, sempre que assistir uma peça que criticarmos. Apareça. Abraço.

  5. Thiago Bastos disse:

    Bom.. depois de toda esta discussao eu sou obrigado a ir assistir esta peça de teatro para ter minha propria opiniao!

O que você acha?

A Bacante é Creative Commons. Alguns direitos reservados. Movida a Wordpress.