La Muchacha de los Libros Usados

Críticas   |       |    1 de julho de 2008    |    0 comentários

Muita calma na hora de assistir uma peça

Fotos: Guto Muniz / Divulgação

Comentava co’Emilliano, enquanto comíamos um sanduba sujo em Beagá: toda vez que uma peça não consegue estabelecer o diálogo logo no início, começo a categorizá-la involuntariamente. Sei que isso é péssimo, mas é mais forte que eu. De modo que, quando comecei a assistir La Muchacha de los Libros Usados, do grupo equatoriano Malayerba, logo me veio à cabeça a imagem de algumas peças universitárias – deixo claro que não tenho preconceito com peças universitárias, prova disso é a montagem de Experimento Hidráulico, que esteve recentemente em cartaz na hidráulica da USP e que veria de novo se continuassem a temporada; o que tenho é um pós-conceito relacionado a algumas poucas peças da academia. O que em La Muchacha… me levava a essa conclusão precoce eram aspectos técnicos da montagem e uma expectativa idiota de quem vai se acostumando com certos formatos (no caso, eu).

Momento da sinopse: no palco uma moça que, no seio familiar (adoro essa expressão) é repreendida desde os primeiros momentos da vida. Na seqüência é vendida para um oficial do exército e termina internada num hospício. Parto da pergunta expressa na dramaturgia pra pensar a montagem: Para que serve contar uma história? Porque, por mais estranhas que pareçam as cenas – e estranho é o adjetivo mais apropriado pra essa peça – ainda assim está sendo contada uma história, com uma protagonista (ironicamente chamada de “a heroína clássica”), uma trajetória e um final trágico.

De fato o que nos leva para perto e longe da montagem ao mesmo tempo é esse (des)compromisso com a história que é apresentada. Tá meio conversa de Gilberto Gil com Caetano Veloso? Eu entendo. A peça também tá por aí. Algumas cenas parecem ter acabado de sair do forno (metáfora do bolo – o retorno!), quase como se fosse um ensaio geral. Outras parecem tão, mas tão arriscadas que dão a impressão de que já existem há anos.

Um texto que traz referência ao exílio de Arístides Vargas, autor argentino que aos 21 anos foi exilado no Equador, mas também trata da rigidez das famílias em geral e suas estruturas moralizantes. Poderia ser aquele clichê das histórias da ditadura, porém o que se vê são personagens tortos, no sentido figurado e literal, que se apresentam com uma estranheza que os deixa ainda mais tortos. Ou nós é que somos retos demais?

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A opção pela gaze nos rostos dos rostos dos atores traz não só a possibilidade de interpretação de vários personagens, como também nos remete à miséria da condição humana, quase como se não conseguíssemos sequer sermos múmias. O vazio dos jantares militares fica explícito na conversa sobre “el perro Pluto”. A enfermeira que chega de lado, carregada, com olhar fixo; o homem que entra e faz um monólogo carregando um café com a mão trêmula; o outro que fala em nome da instituição que se diz seguro de tudo, mas não está seguro se é um indivíduo. Nada na peça nos lembra a chave naturalista – mesmo quando chegamos perto desse caminho, o texto nos dá uma rasteira e voltamos à CNTP.

Escolha arriscadíssima para compor a programação do FIT-BH, mas que definitivamente dialoga com a cena atual de Belo Horizonte. Tanto é que na segunda vez que assisti a peça, estava na mesma platéia Grace Passô, do Espanca!, e muito da protagonista de La Muchacha de los Libros Usados está na personagem que Grace interpreta em Por Elise. Talvez o que deu a possibilidade da existência de ambas seja algum caminho comum da história de Argentina, Brasil e Equador. Mas também posso estar forçando a barra. Talvez as duas histórias sejam só profundamente humanas nas suas multiplicidades.

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4 maçãs-verdes perdidas por apresentação

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