My Arm

Críticas   |       |    15 de outubro de 2007    |    0 comentários

Crítica incompleta

Foto: Débora 70 (juro que não havia um sobrenome, só esse número)

Tem um cara, um inglês careca, cujo nome resolvi não dizer, que me fez ir ao Oi Futuro pela segunda vez na mesma semana e redefiniu o significado da minha meia. Encontrei-o na entrada do teatro e ele me perguntou “Fabrízio, o que você está fazendo aqui?”, ao que respondi, “não sei, talvez continue sem saber quando terminar”. Como um espectador qualquer do seu próprio espetáculo (a dubiedade dessa frase é intencional), esse inglês adentra o teatro lotado e vai contar pra platéia a primeira história que escreveu.

Segundo ele próprio, não levou mais de cinco dias escrevendo essa peça, somando as horas de trabalho ao longo de três meses. Mas arremata que levou a vida inteira para poder escrever essa história. Talvez tudo tenha a ver com as reverberações das descobertas das artes plásticas no século XX. O inglês se apropria de uma idéia de Marcel Duchamp, algo que aparece na relação com o público, ou seja, o que o artista queria dizer, mas não disse, e o que, por mais que não quisesse dizer, está dito na obra. Tudo isso pra se apropriar de objetos da platéia no espetáculo. É aí que entra minha meia.

Objetos cedidos pela platéia são colocados numa bandeja, como numa refeição. A partir daí, eles se tornarão personagens da história, mediada pelo vídeo. Aqui cabe um parêntese pra escolha excepcional do vídeo como forma de ampliação desses objetos muito pequenos, especialmente num palco tão grande, além do uso de um vídeo quase abstrato, que representaria o protagonista, bem como qualquer outro personagem que se projete naquelas imagens.

Aí vem o tabititati, o “old-fashioned”, como sugere o próprio autor. Uma história genial, contada num tom pessoal, de um garoto teimoso que disputa com o irmão quem consegue ir mais longe nas teimosias. Até que um dia, o protagonista resolve levantar o braço. Nada muito ganancioso. Ele levanta o braço e não cede. Fica com o braço levantado à revelia dos pais, dos amigos e do seu próprio corpo. Sem nenhuma intenção, a ação permanente do personagem acaba ganhando sentido sem que o próprio garoto procure sentido. Resumindo a peça de forma brutal, ele vai de criança com problemas psicológicos a objeto artístico em trinta anos de vida. Seu braço necrosa. Seu pulmão se adapta ao corpo com braço levantado. Até que chega o ponto em que ele não pode mais abaixar o braço, por conta do impacto que sofreria seu corpo. Tudo isso interpretado por um boneco muito parecido com o Ken – o marido da Barbie – peladão em frente à câmera.

Relembrando o espetáculo, vejo que o esforço de cognição da platéia é imenso, mas ninguém sente que está se esforçando. É como se a incompletude do espetáculo funcionasse como algo que te traz pra dentro. Assim como em An Oak Tree, também no festival, o autor institui algo caótico em meio ao seu controle da peça, pra que a platéia faça o papel que lhe é devido, ou seja, construa o espetáculo. Com a diferença que aqui não há nem o segundo ator. Encontramos apenas um ator (que também é autor e co-dirige o espetáculo com mais duas pessoas), muitos objetos aleatórios (leia-se minha meia) e um lirismo na história que é pueril mesmo: a relação entre dois irmãos.

Devo dizer que saí da peça frustrado. Minha meia não foi utilizada, mas até nisso o tal inglês pensou. Avisa as pessoas, logo no início, que alguns objetos não seriam usados, mas que isso não é nada pessoal. E que mesmo assim as pessoas vão ficar frustradas até o final da vida. E que tudo bem, também faz parte do show. Como ele não usou minha meia, não uso seu nome na crítica.

5 dedos necrosados

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